The Film Handbook #5: Pier Paolo Pasolini
Nascimento: 05/03/1922, Bolonha, Itália
Morte: 02/11/1975, Óstia, Itália
Carreira como diretor: 1961-75.
Os filmes de Pier Paolo Pasolini - realizador, poeta, romancista, teórico, pintor e comunista - revelam um artista trespassado por muitas contradições. Ao mesmo tempo preocupado com o real e o poético, e influenciado por ideologias aparentemente tão polarizadas quanto o Marxismo e o Cristianismo, permaneceu um implacável talento iconoclasta ao longo de sua eclética, problemática e controversa carreira.
No momento em que passou a dirigir filmes, Pasolini já havia feito seu nome como poeta, romancista e roteirista de vários, incluindo Noites de Cabíria de Fellini. Sua simpatia natural pelo lumpemproletariado e campesinato (reforçado por sua atração intelectual pelas ideias políticas de Gramsci) se tornam evidentes tanto em La Commare Secca (que Bertolucci dirigiu a partir de um roteiro de Pasolini) quanto em Accattone - Desajuste Social (Accattone)>1, uma desleixada visão romântica de rufiões, prostitutas e ladrões de pequenos delitos nos esquálidos subúrbios da Roma moderna. Claramente influenciado pelo Neo-Realismo em seu uso de atores não-profissioinais e filmagens em locações o filme é do mesmo modo notável por sua aplicação perversa do simbolismo cristão e música clássica a sugerirem a redenção espiritual de seu condenado e desocupado heroi. Menos efetivo, graças a interpretação sentimental de Anna Magnani, foi Mamma Roma,também lidando com a pobreza e criminalidade urbanas; O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo)>2, entretanto, foi uma soberba combinação dos métodos realistas de Pasolini, ideologia semi-marxista e nostalgia por sociedades pré-capitalistas. Aqui Cristo é vislumbrado como um rebelde lutando contra as desigualdades numa paisagem árida (o sudeste da Itália), povoada por camponeses heroicamente primitivos; o diretor, ateu, embora não tenha ido tão longe ao ponto de apresentar milagres, revela sua consciência da tradição cristã através da música (de Bach a Billie Holliday) e imagens inspiradas por pinturas religiosas.
A partir de então, Pasolini passou a se mover cada vez mais longe de suas origens realistas para uma mitografia poética mais estilizada e ambiciosa: após a excêntrica fantasia Gaviões e Passarinhos (uma dupla parábola sobre dois camponeses encontrando um corvo intelectual marxista e sendo convocados, na segunda história, por São Francisco a converter os pássaros ao Cristianismo), emoldurado em exóticas locações marroquinas, houve uma versão praticamente silenciosa de Édipo Rei (Edipo Re), partindo de um prólogo e epilógo semi-autobiográficos, ambientados na Itália dos anos 30 e enfatizando os aspectos freudianos do mito. Com pouco mais que as impressionantes paisagens fotografadas a acrescentar a história original, o filme rescende a indulgência. De um modo geral mais rigoroso foi Teorema>3,um mito em sua própria realização, no qual um visitante misterioso e assemelhado a um deus semeia a destruição numa rica família burguesa seduzindo tanto seus membros femininos quanto masculinos. Mesmo que mais engenhoso, frequentemente pretensioso e politicamente ingênuo, o filme - uma expressão do ódio de Pasolini pelos valores burgueses - permanece assombrado como por uma provocadora frieza e surpreendentemente coerente narrativa de possessão divina na sociedade capitalista contemporânea, e como uma admissão erótica explícita da própria homossexualidade de Pasolini.
Pocilga (Porcile)>4 foi ainda mais ambicioso, unindo a execução, pela igreja, de um canibal nômade nos tempos medievais com a história do filho revolucionário de um industrial ex-nazista que é ao final devorado pelos porcos que proporcionam sua única fonte de satisfação sexual. Se o sentido preciso de Pasolini é obscuro (ainda que, dadas sua preferências nostálgicas por sociedades pré-capitalistas e pré-cristãs, se possa inferir que a moralidade se degenerou desde os tempos medievais), seu deleite em expor a hipocrisia que é a base das práticas modernas de negócios é tanto clara quanto bastante divertida, enquanto o deserto vulcânico que é o local de caça do canibal lhe proporciona algumas de suas mais austeras imagens poéticas.
Após outra redundante incursão aos mitos gregos com Medeia (Medea) ele embarcou rumo a sua "trilogia da vida": grosseiras e obscenas adaptações de O Decameron, Os Contos de Canterbury e As Mil e Uma Noites. Se a sua intenção foi celebrar a inocência sexual e moral do campesinato do passado (e realizar filmes de apelo às massas mais que aos críticos e a elite do cinema de arte) sua verdadeira façanha foi a de criar traquinagens sexuais destituídas de senso artístico, memoráveis somente por seu humor escatológico adolescente e a frequência com que os trajes de época dos personagens são removidos. Pior, entretanto, foi Salò ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma). A história de Sade é transposta para a Itália de Mussollini, onde os ricos e poderosos infligem aos seus prisioneiros adolescentes uma série de humilhações e crescentemente cruéis torturas sexuais que terminam em morte. Enquanto uma pretensa análise das obras do fascismo o filme é lamentavelmente raso; enquanto espetáculo voyeurístico sofre dos mesmos impulsos sádicos doentios da burguesia que pretende denunciar; enquanto expressão da desilusão de seu realizador com a humanidade ele é, de fato, salutar. Por conseguinte, talvez não tenha sido surpreendente se saber da brutal morte de Pasolini pouco após o filme ser completado; foi grandemente suposto que as agressões fatais que recebeu se encontravam associadas à sua vida sexual, que frequentemente envolvia sado-masoquistas e criminosos; outra teoria, entretanto, vincula sua morte com o fato dele ser a muito tempo um crítico sem reservas e profundamente impopular da corrupção que, ele alegava, infectava o estado, a igreja e a polícia italianas.
Muitos dos filmes de Pasolini são marcados pela auto-indulgência para não falar dos antagonismos simplistas entre a burguesia e uma celebração romântica dos pobres, Como uma tentativa, no entanto, de examinar as contradições tanto dentro da sociedade italiana quanto dentro do próprio diretor, eles permanecem fascinantes; como explorações da capacidade do cinema para uma realização mito-poética, são irregulares, mas ambiciosos.
Morte: 02/11/1975, Óstia, Itália
Carreira como diretor: 1961-75.
Os filmes de Pier Paolo Pasolini - realizador, poeta, romancista, teórico, pintor e comunista - revelam um artista trespassado por muitas contradições. Ao mesmo tempo preocupado com o real e o poético, e influenciado por ideologias aparentemente tão polarizadas quanto o Marxismo e o Cristianismo, permaneceu um implacável talento iconoclasta ao longo de sua eclética, problemática e controversa carreira.
No momento em que passou a dirigir filmes, Pasolini já havia feito seu nome como poeta, romancista e roteirista de vários, incluindo Noites de Cabíria de Fellini. Sua simpatia natural pelo lumpemproletariado e campesinato (reforçado por sua atração intelectual pelas ideias políticas de Gramsci) se tornam evidentes tanto em La Commare Secca (que Bertolucci dirigiu a partir de um roteiro de Pasolini) quanto em Accattone - Desajuste Social (Accattone)>1, uma desleixada visão romântica de rufiões, prostitutas e ladrões de pequenos delitos nos esquálidos subúrbios da Roma moderna. Claramente influenciado pelo Neo-Realismo em seu uso de atores não-profissioinais e filmagens em locações o filme é do mesmo modo notável por sua aplicação perversa do simbolismo cristão e música clássica a sugerirem a redenção espiritual de seu condenado e desocupado heroi. Menos efetivo, graças a interpretação sentimental de Anna Magnani, foi Mamma Roma,também lidando com a pobreza e criminalidade urbanas; O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo)>2, entretanto, foi uma soberba combinação dos métodos realistas de Pasolini, ideologia semi-marxista e nostalgia por sociedades pré-capitalistas. Aqui Cristo é vislumbrado como um rebelde lutando contra as desigualdades numa paisagem árida (o sudeste da Itália), povoada por camponeses heroicamente primitivos; o diretor, ateu, embora não tenha ido tão longe ao ponto de apresentar milagres, revela sua consciência da tradição cristã através da música (de Bach a Billie Holliday) e imagens inspiradas por pinturas religiosas.
A partir de então, Pasolini passou a se mover cada vez mais longe de suas origens realistas para uma mitografia poética mais estilizada e ambiciosa: após a excêntrica fantasia Gaviões e Passarinhos (uma dupla parábola sobre dois camponeses encontrando um corvo intelectual marxista e sendo convocados, na segunda história, por São Francisco a converter os pássaros ao Cristianismo), emoldurado em exóticas locações marroquinas, houve uma versão praticamente silenciosa de Édipo Rei (Edipo Re), partindo de um prólogo e epilógo semi-autobiográficos, ambientados na Itália dos anos 30 e enfatizando os aspectos freudianos do mito. Com pouco mais que as impressionantes paisagens fotografadas a acrescentar a história original, o filme rescende a indulgência. De um modo geral mais rigoroso foi Teorema>3,um mito em sua própria realização, no qual um visitante misterioso e assemelhado a um deus semeia a destruição numa rica família burguesa seduzindo tanto seus membros femininos quanto masculinos. Mesmo que mais engenhoso, frequentemente pretensioso e politicamente ingênuo, o filme - uma expressão do ódio de Pasolini pelos valores burgueses - permanece assombrado como por uma provocadora frieza e surpreendentemente coerente narrativa de possessão divina na sociedade capitalista contemporânea, e como uma admissão erótica explícita da própria homossexualidade de Pasolini.
Pocilga (Porcile)>4 foi ainda mais ambicioso, unindo a execução, pela igreja, de um canibal nômade nos tempos medievais com a história do filho revolucionário de um industrial ex-nazista que é ao final devorado pelos porcos que proporcionam sua única fonte de satisfação sexual. Se o sentido preciso de Pasolini é obscuro (ainda que, dadas sua preferências nostálgicas por sociedades pré-capitalistas e pré-cristãs, se possa inferir que a moralidade se degenerou desde os tempos medievais), seu deleite em expor a hipocrisia que é a base das práticas modernas de negócios é tanto clara quanto bastante divertida, enquanto o deserto vulcânico que é o local de caça do canibal lhe proporciona algumas de suas mais austeras imagens poéticas.
Após outra redundante incursão aos mitos gregos com Medeia (Medea) ele embarcou rumo a sua "trilogia da vida": grosseiras e obscenas adaptações de O Decameron, Os Contos de Canterbury e As Mil e Uma Noites. Se a sua intenção foi celebrar a inocência sexual e moral do campesinato do passado (e realizar filmes de apelo às massas mais que aos críticos e a elite do cinema de arte) sua verdadeira façanha foi a de criar traquinagens sexuais destituídas de senso artístico, memoráveis somente por seu humor escatológico adolescente e a frequência com que os trajes de época dos personagens são removidos. Pior, entretanto, foi Salò ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma). A história de Sade é transposta para a Itália de Mussollini, onde os ricos e poderosos infligem aos seus prisioneiros adolescentes uma série de humilhações e crescentemente cruéis torturas sexuais que terminam em morte. Enquanto uma pretensa análise das obras do fascismo o filme é lamentavelmente raso; enquanto espetáculo voyeurístico sofre dos mesmos impulsos sádicos doentios da burguesia que pretende denunciar; enquanto expressão da desilusão de seu realizador com a humanidade ele é, de fato, salutar. Por conseguinte, talvez não tenha sido surpreendente se saber da brutal morte de Pasolini pouco após o filme ser completado; foi grandemente suposto que as agressões fatais que recebeu se encontravam associadas à sua vida sexual, que frequentemente envolvia sado-masoquistas e criminosos; outra teoria, entretanto, vincula sua morte com o fato dele ser a muito tempo um crítico sem reservas e profundamente impopular da corrupção que, ele alegava, infectava o estado, a igreja e a polícia italianas.
Muitos dos filmes de Pasolini são marcados pela auto-indulgência para não falar dos antagonismos simplistas entre a burguesia e uma celebração romântica dos pobres, Como uma tentativa, no entanto, de examinar as contradições tanto dentro da sociedade italiana quanto dentro do próprio diretor, eles permanecem fascinantes; como explorações da capacidade do cinema para uma realização mito-poética, são irregulares, mas ambiciosos.
Genealogia
Se muitas das influências de Pasolini são não-fílmicas (Gramsci, Marx, Freud, Roland Barthes, pintores), Buñuel, Rossellini, Mizoguchi e Godard também figuram entre elas. Dentre os diretores italianos, Bertolucci, os Irmãos Taviani e Marco Bellochio propiciam possíveis comparações.
Leituras Futuras
Italian Cinema (Nova York, 1983), Peter Bondanella.
Pasolini on Pasolini (Londres, 1969), Oswald Stack, é uma entrevista.
A Violent Life (Manchester, 1985), Pier Paolo Pasolini, um romance.
Destaques
1. Accattone - Desajuste Social , Itália, 1961 c/Franco Citti, Franca Pasut, Silvana Corsini
2. O Evangelho Segundo São Mateus, Itália, 1964 c/Enrique Irazoqui, Margherita Caruso, Mario Socrate
3. Teorema, Itália, 1968, c/Terence Stamp, Silvana Mangano, Massimo Girotti
4. Pocilga, Itália, 1969, c/Pierre Clementi, Jean-Pierre Léaud, Ugo Tognazzi
Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres; Longman, 1989, pp. 214-5.
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