Filme do Dia: Nitrato Lírico (1991), Peter Delpeut

 


Nitrato Lírico (Lyrisch Nitraat, Holanda, 1991). Direção: Peter Delpeut. Rot. Original: Peter Delpeut, a partir de ideia sua.  Montagem: Menno Boerema.

Certamente buscando fugir das convenções de um documentário convencional-didático, Delpeut perde igualmente a chance, talvez fundamental em relação ao material do qual busca valorizar, de ao menos apontar os títulos dos filmes que possuem suas imagens reproduzidas, em “efeito-colagem”, no mesmo (mesma prática da compilação sobre a pornochanchada de Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava). Se a voz over e informações básicas sobre as condições nas quais foram encontradas o que hoje é um dos tesouros da cinematografia mundial – a Coleção Jean Desmett, com mais de 700 títulos preservados dos anos 1905-15 – certamente são dispensáveis para a proposta estética formulada, não é sem tristeza que se observa o lirismo melancólico da despedida entre amantes, valorizada pela profundidade de campo e a ária na banda sonora que acompanha a cena, não vir acompanhada da referência sobre que ano, diretor e filme se trata, inclusive como forma de incentivar a redescoberta e discussão crítica dessa própria produção – para a qual, aliás, o museu holandês detentor do acervo parece ter práticas ambiguamente bizantinas de, ao mesmo tempo divulgar o material digitalizado, mas não acrescentar legendas em inglês dos filmes, em maior parte norte-americanos. Formas, inclusive, criativas, poderiam ter sido trazidas para lidar com uma informação ocasional ou título, como a emulação das cartelas da época da produção em foco. Mesmo sem abir mão de sua dimensão autoral – o realizador voltaria aos arquivos holandeses em seu posterior The Forbidden Quest – é, ainda assim, mais convencional que outros realizadores elaborarem filmes exclusivamente com imagens de arquivo, a exemplo do Bill Morrison de Decasia (2002), que lida com o próprio aspecto da imagem em nitrato já bastante avariada. De fato, tópicos antes de cada bloco de imagens são apresentados. Seu uso da música é de longe mais convencional, e de longe mais bem sucedido igualmente, efetivando uma bela dinâmica em que silêncios e pausas se alternam a cantos líricos (que também remetem ao seu título) ou temas exclusivamente instrumentais. E, como naquele, mesmo que em bem menor frequência, imagens alteradas em seu movimento para câmera lenta (ou mesmo stills, a determinado momento dessa produção) parecem quase asseverar que qualquer inclusão de imagem filmada em outro contexto já é uma manipulação. A evocação, ao início, de existirem imagens colorizadas à época, algo conhecido por poucos, segundo a cartela informativa, trai um pretenso fomentar de curiosidade por um interesse bastante comum em um universo que transcende o da cinefilia. Nem todas as imagens se encontram em estado perfeito de preservação e, ao final, encontramos imagens de qualidade próxima às do filme de Morrison. Finaliza com imagens de uma representação de Adão e Eva, um tanto avariadas, de The Warfere of the Flesh (1917), de Edward Warren.  A lista dos filmes dos quais se apropriaram imagens surge nos créditos finais., e inclui: A Tale of the Sea (1910), A Vida de Cristo (1906), de Alice Guy, Le Dytique (1912), Al Cinematografo Guardate e non...Toccate (1912), The Picture Idol (1912), At the Hour of Three (1912), Rachat de L’honneur (1913), Una Tragedia al Cinematografo (1913), La Voix d’Or (1913), Arthème Opérateur (1914), Picture Palace Piecans (1914), Das Abenteur des Jornalisten (1914), Fior di Male (1915), Alexandra (1915). Desnecessário notar que o recorte do que o realizador considera como lírico se encontra maciçamente voltado para produções europeias, ainda que constituam uma fração minoritária diante das produções norte-americanas do referido acervo. Trechos de obras de Puccini, Bizet, Haendel, Donizetti, Rachmaninov, Gluck e Mazek são ouvidas em sua banda sonora.  Yuca Film. 49 minutos.

 

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