O Dicionário Biográfico de Cinema#92: Jeremy Irons

 

Jeremy Irons, n. Cowes, Inglaterra, 1948

Por diversos anos, Irons foi mais conhecido como Charles Ryder na universalmente admirada adaptação para a TV de Brideshead Revisited [Memórias de Brideshead] (81, Charles Sturridge & Michael Lindsay-Hogg), de Evelyn Waugh. Parecia tão bem selecionado, como o esquelético e ligeiramente desambientado observador, cada vez mais melancólico, do declínio da grandeza. Sua voz, triste e sutil, foi utilizada para a narrativa over. Sua alma reticente era um sustento sem tensão para o sentido mais amplo da errática, mas vívida, aristocracia que reteve. Seu Charles Ryder foi adequado para Evelyn Waugh, e para Graham Greene. Se alguém prescrutar adiante, pode imaginar, talvez, Irons como Ricardo III, Tio Vanya, ou qualquer uma das testemunhas mortificadas de Greene, por sua própria ausência de qualidades. 

Foi educado em Sherborne e na escola de teatro Old Vic de Bristol, e foi um daqueles atores britânicos que parecem ter observado e sentido as motivações superiores do sistema de classes. No entanto, aparentava se encontrar mais feliz personificando exóticos que cavalheiros: foi Mikhail Fokine em Nijinsky [Nijinsky - Uma História Real] (80, Herbert Ross), e um polaco bastante crível em Moonlighting [Vivendo Cada Momento] (82, Jerzy Skolimowski). Enquanto parecia convencional e sóbrio em The French Lieutenant's Woman [A Mulher do Tenente Francês] (81, Karel Reisz), no conto de D.H. Lawrence The Captain's Doll (82, Claude Whatham), e no equivocado Pinter, Betrayal [Traição]  (83, David Jones). 

Que estava buscando algo diferente ficou evidente a partir de The Wild Duck [Pato Selvagem] (83, Henri Safran), e do muito insatisfatório Un Amour de Swann [Um Amor de Swann] (84, Volker Schlöndorff), para não falar do lamentavelmente pretensioso The Mission [A Missão] (86, Roland Joffé). Tendo cansado um pouco do cinema grandioso, Irons voltou-se para níveis menos elevados: daí sua magnífica interpretação dupla como os gêmeos de Dead Ringers [Gêmeos - Uma Mórbida Semelhança] (88, David Cronenberg), uma das maiores interpretações dos anos 80. Além do que, a capacidade de Irons para a suavidade e o humor negro certamente propiciou a Cronenberg que enriquecesse seu próprio filme. Portanto, de um material potencialmente sensacionalista, adveio uma obra-prima, assim como uma realização em que Irons ousou, apaixonado pelo disfarce, o jogo e muitas pinceladas intrépidas. 

O quanto desse espírito encontrou os papéis certos permanece uma questão. Nesse momento, Irons parecia fixado na britanidade e pequenos temas - A Chorus of Disapproval [Um Viúvo em Ponto de Bala] (89, Michael Winner), de uma peça de Alan Ayckbourn; Danny the Champion of the World (89, Gavin Millar); e Waterland [Terra d'Água] (92, Stephen Gyllenhaal), curiosa e insensata adaptação de Graham Swift que transfere Fenland (*) por Pittsburgh, Pensilvânia. Ainda que Terra d'Água tenha permitido que Irons trabalhasse com sua esposa, Sinead Cusack. 

Enquanto isso, Irons ganhou seu Oscar por uma personificação unidimensional bastante eficiente de Claus Von Burow em Reversal of Fortune [O Reverso da Fortuna] (90, Barbet Schroeder). O resultado é esquemático e uma fração de Gêmeos, mas demonstra que os britânicos de Irons precisam ser falsos e fora dos limites da imaginação, se pretendem captar o interesse do ator. Foi desperdiçado em Kafka (91, Steven Soderbergh) e não consegue emprestar empatia, crédito ou a requerida monstrousidade e desejo incontrolável para o M.P. de Damage [Perdas e Danos] (92, Louis Malle). Interpretou mais um espectador horrorizado em Tales from Hollywood [92, Howard Davies), para a TV. Esteve à deriva e sem ajuda em M. Butterfly (93, Cronenberg) e The House of the Sprits [A Casa dos Espíritos] (93, Bille August), projetos que parecem sugerir o quão facilmente Irons poderia se tornar um ator mal elencado. 

Essa previsão de 1994 recebeu notas que fazem justiça. Irons vagou, fez vozes, e tem tido alguns papéis incomuns em produções pouco vistas: foi a voz de Scar em The Lion King [O Rei Leão] (94, Roger Allers & Rob Minkoff); outro vilão horrendo em Die Hard: With a Vengeance [Duro de Matar 3: A Vingança] (94, John McTiernan); demorando muito tempo para falecer em Stealing Beauty [Beleza Roubada] (96, Bernardo Bertolucci; a voz de Siegfried Sassoon em The Great War (96), para a TV; Chinese Box [O Último Entardecer] (97, Wayne Wang); corajoso como Humbert Humbert em Lolita (97, Adrian Lyne), mas um toque a mais de sinistro comparado com a superioridade intelectual saudável de James Mason; Aramis em The Man in the Iron Mask [O Homem da Máscara de Ferro] (99, Randall Wallace); vozes em animações - Poseidon's Fury (99) e Faeries [Um Conto de Fadas e Duendes]; Longitude (00, Sturridge - sua velha descoberta); uma voz em Dungeons & Dragons [Dungeons & Dragons: A Aventura Recomeça] (00, Courtney Solomon); Ohio Impromptu (00, Sturridge); The Fourth Angel [O 4° Anjo] (01, John Irvin); The Night of the Iguana  (01, Predrag Antonijevic); Callas Forever (02, Franco Zefirelli); The Time Machine [A Máquina do Tempo] (02, Simon Wells); como Scott Fitzgerald em Last Call [O Último Magnata] (02, Henry Bromell); And Now...Ladies and Gentlemen [Amantes & Infiéis] (02, Claude Lelouch); Mathilde (03, Nina Mimica); Being Julia [Adorável Júlia] (04, István Szabó); Antonio em The Merchant of Venice [O Mercador de Veneza] (04, Michael Radford); Kingdom of Heaven [Cruzada] (05, Ridley Scott).

Ele parece um ancião algumas vezes, mas a voz permanece jovem: Casanova (05, Lasse Hallström); Inland Empire [Império dos Sonhos] (06, David Lynch); Eragon (06, Stefen Fangmeier); Leicester em Elizabeth I (06, Tom Hopper); The Colour of Magic (08, Vadim Jean); Appaloosa [Appaloosa - Uma Cidade Sem Lei] (08, Ed Harris); The Pink Panther 2 [A Pantera Cor de Rosa 2] (09, Harald Zwart); muito vivo como Stieglitz em Georgia O'Keefe (09, Bob Balaban); um magnata libertino e sardônico em Margin Call [Margin Call - O Dia Antes do Fim (11, J.C. Chandor); narrando o documentário The Last Lions [Os Últimos Leões] (11, Dereck Joubert), ainda um rei leão; em robes, esplendor e conspiração como o Papa Alexandre em The Borgias [Os Bórgias] (11-13, criada por Neil Jordan); The Words [As Palavras] (12, Brian Klugman e Lee Sterthal); o druida na câmera para Trashed (12, Candida Brady), sobre a deterioração do mundo; como o rei nas duas partes de Henry IV [A Coroa Vazia] (12, Richard Eyre); Night Train to Lisbon [Trem Noturno para Lisboa] (13, Bille August); Beautiful Creatures [Dezesseis Luas] (13, Richard LaGravenese).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictonary of Cinema. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1318-21. 

(*) N. do E: região britânica ao norte do país.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar