Filme do Dia: Subterrâneos de Futebol (1965), Maurice Capovila

 


Subterrâneos do Futebol (Brasil, 1965). Direção: Maurice Capovila. Rot. Original: Maurice Capovila, Clarice Herzog &  Francisco Ramalho Jr. Fotografia: Thomas Farkas.

Tal como o mais conhecido Viramundo, esse curta documental (mais tipicamente curta que o outro, em termos de metragem) expressa tendências estilístico-ideológicas similares, não por acaso tendo sido os dois produzidos por Farkas. Nesse sentido vai a voz over a fazer seus comentários estatísticos (lá a quantidade impressionante de nordestinos emigrados em dez anos para São Paulo, aqui a não menos impressionante quantidade de jogos a acontecerem em um final de semana). E igualmente se conta não com um “narrador auxiliar”, mas com vários, e se naquele é um empresário, aqui um médico e um técnico ou preparador fazem, dentre outros, esse papel. O último vem a comentar sobre a curta vida profissional (ele se refere a 15 anos) de um jogador e indaga o que será depois dele ter encerrado sua carreira, justamente enquanto observamos no plano da imagem um grupo de jogadores treinando e grandemente estimulados e sorridentes. Trata-se de um contraponto agônico que lança uma sombra sobre o que é observado.  Embora o título sugira que se irá acompanhar times de várzea de origem humilde, assiste-se inicialmente ao mais famoso tipo brasileiro da época, seu craque mais reconhecido internacionalmente e nacionalmente, o Santos de Pelé. Os tiques nervosos dos jogadores são uma atração à parte em material que pode ser menos sisudo que o do outro curta, sobretudo inicialmente. Porém, com o título que tem e sendo produzido por quem é, logo se imagina que a trilha seguida será outra, acentuando menos o espetáculo e o frisson dos grandes times e estádios, mas o lado nada glamoroso dos que nem mesmo fazem parte do exército de 100 mil profissionais do esporte. O dos times de várzea da periferia. O futebol aqui serve como metáfora para o sistema capitalista, em que muitos sonham e poucos alcançam a glória, o reconhecimento e a fortuna. E o narrador toma uma inflexão irônica para afirmar que voltará a encontrar um jovem que é comemorado pela torcida de um time de várzea futuramente diante das câmeras ou indaga mesmo do espectador se alguém gostaria de ser jogador de futebol, de ser Pelé. E logo as imagens apresentam o quanto ele é marcado e se refere as mais de 30 cicatrizes que carrega em seu corpo. Ele próprio afirma para um repórter que a vida de jogador de futebol, além de durar apenas os 15 anos já referidos, também é marcada pela inconstância dos eternos deslocamentos e por uma fama que pode ser cômoda ou não, a depender do momento. De forma quase perversa, o documentário entrevista o irmão do jogador de futebol mais famoso do mundo afirmando que é apenas um “jogadorzinho medíocre” que jamais ganharia a vida com o esporte, que Pelé já joga por toda a família. Outro que referenda a visão de Pelé de que não se trata de uma profissão fácil, por motivos outros, é Zózimo, bicampeão mundial, que agora se encontra esquecido em um time de cidade de interior,  acusado de suborno por dirigentes, segundo o narrador. É quem traz o depoimento mais ácido contra os mesmos, que transformam o jogador, segundo ele, em um escravo, preso em intermináveis turnês e com passe restrito ao time – tema que será motivo de um longa tempos após, Passe Livre. O lado da inconstância espacial, traduzida em afetiva, ganha a palavra com a mulher de Zózimo, que afirma os problemas de nervos crescentes com as prolongadas ausências do jogador. Efetiva, próximo ao final, uma espécie de um minuto de silêncio após indagar, complementando seu argumento de que o jogador é uma mercadoria, sobre quem ganha com tudo isso e as imagens, sem som, são de uma verdadeira tragédia em um campo invadido e do qual o maior rescaldo observado é quantidade espantosa de objetos que já não mais se encontram com seus donos, sapatos, chapéus, bolsas - serão imagens de uma das maiores tragédias futebolísticas, senão a maior de todas, entre Argentina e Peru, ocorrida no ano anterior, entre Peru e Argentina? Termina com enigmáticas imagens de vários focos de fogueiras improvisadas com papeis em um estádio à noite, já com os refletores desligados. Thomas Farkas Filmes Culturais. 32 minutos.

 

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