Filme do Dia: Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940), Alfred Hitchcock

 


Rebecca, A Mulher Inesquecível (Rebecca, EUA, 1940). Direção: Alfred Hitchcock. Rot. Adaptado: Robert E.Sherwood, Joan Harrison, Philip MacDonald & Michael Hogan, a partir do romance de Daphne Du Murier. Fotografia: George Barnes. Música: Franz Waxman. Montagem: W.Donn Hayes. Dir. de arte: Lyle R.Wheeler & William Cameron Menzies. Figurinos: Eugene Joseff. Com: Joan Fontaine, Laurence Olivier, Judith Anderson, George Sanders, Nigel Bruce, Reginald Denny, C.Aubrey Smith, Gladys Cooper, Florence Bates, Leo G.Carroll.

Jovem (Fontaine) é dama de companhia da inconveniente senhora Van Hooper (Bates), que tenta forçar contato com o aristocrata Maxim De Winter (Olivier), em um hotel de Monte Carlo.  Uma atração imediata surge entre a tímida Rebecca e o refinado De Winter. Eles saem diversas vezes juntos, Rebecca inventando mentiras para sua patroa. Quando essa decide que terá que ir a Nova York para o casamento de uma filha, Max pede a jovem em casamento.  Eles se casam em um cartório anônimo de beira de estrada e ela fica estarrecida com as dimensões de Manderlay, a mansão que De Winter a leva. Porém, a sombra da beleza e refinamento de Rebecca parece espreita-la a todo momento, seja na sinistra figura da governanta, Miss Danvers (Anderson), seja nos objetos pessoais com seu nome gravado, ou na ala da casa que não mais é utilizada desde a sua morte, algo amplificado por sua insegurança por conta de suas humildes raízes. Certo dia ela recebe a visita de um primo de Rebecca, o bonachão e cínico Jack Favell (Sanders), que pede que ela não conte nada ao marido sobre sua presença. A Sra. De Winter toma uma firme decisão de pedir para jogar fora os objetos pertencentes a Rebecca para  Miss Danvers. Sob indicação maldosa da governanta, a Sra. De Winter se veste com o mesmo figurino que Rebecca utilizara em um baile de máscaras e é ferozmente repreendida por Maxim diante de uns poucos convidados presentes. Porém, o baile não chega a se concretizar pois um novo naufrágio ocorre próximo à propriedade. Pior que isso, o naufrágio fez revelar a embarcação de Rebecca com um corpo nela. Maxim De Winter, atormentado pelos fantasmas do passado, conta o que aconteceu a mulher. Ele teme ser julgado e condenado pela morte da esposa. Durante o julgamento vem a se chantageado por Favell e a chave para que se saiba se a morte de Rebecca foi suicídio ou crime se encontra associada a sua visita a um médico, o Dr. Baker (Caroll).

Esse, que é a primeira produção norte-americana de Hitchcock e, como a antecedente que havia sido produzida na Inglaterra, adaptada também de Daphne Du Murier, não apenas antecipa todo um ciclo de produções “góticas” envolvendo personagens femininas e visões espectrais, literais ou figuradas, como talvez também seja parcialmente prejudicada pelo excesso romanesco e dos valores de produção que lhe são imputados por Selznick, assim como parcialmente de uma presença excessiva da trilha sonora de Waxman -  para efeito comparativo, basta se assistir a outra adaptação, A Estalagem Maldita, do ano anterior. Inicia com um prólogo que, talvez mais do que todo o restante do filme, apropria-se de uma atmosfera lúgubre típica dos filmes góticos, a partir de imagens da propriedade semi-destruida e abandonada e a voz over da protagonista. Talvez um dos elementos que mais vá incomodar ao espectador contemporâneo, de quase oito décadas após, seja a falta de pulso e firmeza da personagem vivida por Fontaine, sua subjugação ao “lugar de mulher” que lhe é convencionado, inclusive pela narração (sendo fiel, nesse sentido, ao romance) ao sequer lhe dotar de um nome, preferindo ser somente um alicerce para o marido. E, nessa lógica, também se encontra a figura de Rebecca como antípoda, em que a autonomia em relação ao  marido tem de vir necessariamente como sinônimo de falha de caráter, de promiscuidade.  Ainda nesse sentido, pode-se observar o que personagens inconvenientes à perspectiva dos heróis, como Miss Danvers ou – e sobretudo -  o primo-amante de Rebecca, Favell (vivido pela habitual encarnação do cinismo hollywoodiano, Sanders) promovem, como é recorrente em tal tipo de construção dos personagens; uma possibilidade de leitura oblíqua e talvez mais interessante desses, sobretudo de Maxim, poderia observá-lo como alguém extremamente egotista e destemperado. Em seus diálogos, fica muito mais patente a explicitação do prazer que lhe causa saber ser amado por sua mulher que dizer que a ama e os momentos em que perde o controle são vários. Se a ninfomania da personagem ausente mais presente da história do cinema é algo surpreendente para a produção da época, ainda quando somente referida brevemente, a obsessão algo lésbica (o que não passaria despercebido de O Celulóide Secreto) de Miss Danvers por sua  falecida patroa, expressa sobretudo no momento em que tira um casaco de Rebecca e esfrega suavemente sua manga no rosto da sua sucessora (aliás o romance de Du Murier teve alegações de ser plágio do brasileiro A Sucessora de Carolina Nabuco) não é menos. Miss Danvers soa algo excessiva em sua empostação vilanesca e excessiva antipatia. Mas esse é apenas um traço de uma herança romanesca excessiva da obra original a contagiar o filme – o incêndio final, por exemplo, bem poderia ser limado, com a sua desgastada fórmula melodramática da vilã sendo queimada viva, a bem de algo um pouco mais sóbrio. Fontaine vive com brilho a sua insegura e submissa jovem, enquanto Olivier parece carregar um pouco na sua afetação. Hitchcock nos brinda ainda com vários coadjuvantes de brilho, notadamente Florence Bates e mesmo Gladys Cooper, infelizmente restrita a um papel que não pôde ganhar maior destaque. A forte presença de britânicos no elenco provavelmente se deve não apenas a serem atores com os quais Hitchcock estava familiarizado, mas trazia um verniz “aristocrático” de forma algo habitual nas produções hollywoodianas. Selznick Int. Pictures para United Artists. 130 minutos.

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