The Film Handbook#212: David Lynch

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David Lynch
Nascimento: 20/01/1946, Missoula, Montana, EUA
Carreira (como diretor): 1967-

Talvez o mais original e criativo diretor a emergir da América em anos recentes, David Lynch revela uma estranha habilidade para fazer uso de suas fantasias interiores e criar universos estranhos e sinistros, ao mesmo tempo irreais e incomumente familiares. Se o sentido preciso de seus filmes é algo menos claro, seu poder e invenção permanecem virtualmente sem equivalentes no cinema comercial norte-americano contemporâneo.

Lynch trabalhou com cinema enquanto estudava pintura em uma escola de arte, realizando loops animados de um minuto antes de filmar dois curtas nos quais animação pintada, modelagem e ação ao vivo se mesclavam com efeito original: tanto The Alphabet (uma parábola sobre os horrores da educação) quanto A Avó/The Grandmother (um retrato bizarro da infância) apresentam um senso visual grotesco e sombria engenhosidade. Porém foi com seu longa de estreia que pela primeira vez atraiu as plateias sofisticadas: Eraserhead>1, fantasia experimental de baixo orçamento filmada em um preto & branco taciturno e lúgubre, foi tanto um cinepoema autenticamente torturante, repleto de símbolos de castração, quanto uma resoluta paródia da vida familiar com um inocente infeliz abandonado pela esposa para cuidar de um bebê  mutante chorão. O mais notável de tudo foi a evocação da ameaçadora decadência urbana através de cenários (fábricas desmoronadas, salas de modelagem), sons (assobiados, gotejados, rugidos) e personagens misteriosos.

Em seu mais convencional O Homem Elefante/The Elephant Man>2, baseado na história verídica da celebrada "aberração" vitoriana John Merrick, Lynch aplicou sua visão e estilo idiossincráticos ao melodrama, concebendo sua profundamente comovente história de sofrimento e dignidade em um retrato autenticamente dickensiano de Londres onde, sob uma superfície elegante e civilizada, residia uma efervescente cidade subterrânea de arquitetura enegrecida e grotescos fanfarrões; ainda mais impressionante, a abordagem não sensacionalista de Lynch de seu fisicamente deformado mas, por outro lado, refinado herói, investigava o voyeurismo, sem nunca se tornar vítima dele. Uma versão de um romance de ficção científica cult, Duna/Dune, no entanto, foi grandemente incoerente (em parte graças à interferência do produtor); somente a extravagantemente bizarra imagética sugeria a identidade de seu realizador.

Veludo Azul/Blue Velvet>3 foi um triunfante retorno à forma, misturando o simbolismo privado de Eraserhead com um enredo que não se decidia entre um romance provinciano, cinema noir e conto de fadas. Um adolescente tímido descobre uma orelha cortada na grama do jardim e, determinado a encontrar o seu proprietário - vem a se deparar com uma relação aterrorizante e sado-masoquista entre um fora da lei psicótico e uma cantora angustiada cuja criança é dele refém. Novamente, Lynch explora um violento submundo de horror indizível, numa obscena e absurda reflexão da sociedade de moradias suburbanas que forja a inocência perdida do herói; novamente, também, símbolos freudianos (o enredo é claramente edipiano) se mesclam com um senso de "realidade" cotidiana artificial e hiper-dimensionada nessa visão de mundo tanto surpreendentemente bela quanto inefavelmente cruel. Imagens, sons, interpretações e diálogos deliberadamente ingênuos criam uma atmosfera ao mesmo tempo naturalística e unicamente cinemática; raramente, em anos recentes, alguém desenvolveu o pleno potencial das técnicas cinematográficas com tal segurança, engenho e desenfreada invenção.
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Isabella Rossellini - filha de Roberto e Ingrid Bergman - enquanto a donzela-femme fatale em perigo no extraordinário Veludo Azul, de Lynch

Ao se mover de suas origens vanguardistas para o cinema comercial, Lynch tem afortunadamente permanecido fiel a sua visão distintamente pessoal e de humor corrosivo de um mundo fraturado do que aparenta ser. Seu estilo, crucialmente, em parte surreal, em parte expressionista, não é questão de afetação, mas parecendo brotar de um modo inato de observar as coisas. O cinema, sobretudo, depende parcialmente da criação de texturas coerentes, hipnóticas e significativas - visuais como aurais - para seu efeito: uma condição que Lynch preenche com aparente facilidade.

Cronologia
Ainda que o débito de Lynch tanto com o Expressionismo alemão quanto com o surrealismo seja evidente, a sombra de diversos diretores americanos como Griffith, Browning e Corman podem ser discernidas. De seus contemporâneos, o animador tcheco Jan Svankmajer talvez se aproxime da mistura de fantasias, visuais grotescos e agudo humor negro de Lynch.

Destaques
1. Eraserhead, EUA, 1976 c/Jack Nance, Charlotte Stweart, Jeanne Bates

2. O Homem Elefante, Reino Unido, 1980 c/John Hurt, Anthony Hopkins, Freddie Jones

3. Veludo Azul, EUA, 1987 c/Kyle MachLachlan, Isabella Rossellini, Dennis Hopper

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 180-1.


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