Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#50: Animação (Parte II)













 Bolivia. Emeterio, o primeiro longa animado do país, foi realizado em 1965 e é hoje aparentemente de difícil acesso. O curta Paulina y el Condór (1994), de Marisol Barrigán, no qual um condor salva uma garota Aymara de ser forçada a trabalhar como empregada em La Paz, atraiu alguma atenção crítica. Graças à Internet, ainda mais interesse tem sido gerado pelo curta de tema ecológico de 10 minutos Abuela Grillo (2009, Dennis Chapon), uma colaboração entre animadores bolivianos e o Workshop de Animação da Dinamarca. E é interessante tanto por seu conteúdo, que lida, embora suavemente, com uma questão política contemporânea na Bolívia, a privatização dos recursos hidrícos, e torná-lo disponível para um grande público internacional, é um testamento de como a nova tecnologia tem, em alguma medida,  democratizado a produção e a distribuição da produção.

Brasil. Quase ao mesmo tempo que Cristiani realizava seu politicamente motivados filmes de animação pioneiros em Buenos Aires, o proeminente ilustrador e caricaturista carioca Seth (Álvaro Marins) produzia o primeiro curta de animação do Brasil, O Kaiser (1917), um olhar satírico ao imperador alemão. No entanto, foi o único filme de Seth. Esse mesmo ano observou o lançamento de Traquinices de Chiquinho e Seu Inseparável Amigo Jagunço, uma adaptação da popular revista em quadrinhos de aventuras Tico-Tico. Essa foi a primeira animação com personagens e cenários brasileiros, mas nada é sabido sobre quem o realizou, já que nenhum animador é listado nos créditos. Em 1918 adveio The Adventures of Bille and Bolle, produzido e fotografado por Gilberto Rossi, e animado por Eugenio Fonseca. Enquanto Traquinices de Chiquinho apresentava influência dos desenhos de Winsor McCay, Bille and Bolle foi inspirado na tira cômica Mutt e Jeff, de Bud Fischer. 

Esta obra inicial foi seguida por somente um punhado de curtas animados nos anos 20 e 30. O mais proeminente deles sendo Macaco Feio, Macaco Bonito (1933), criado por João Stamato e Luiz Seel ao longo de mais de quatro anos. Apresentando os truques que se seguem à fuga de um macaco do zoológico, esta foi outra animação que demonstrou a influência dos filmes norte-americanos, emprestando muito dos  Irmãos Fleischer. Uma tentativa de obra muito original foi realizada aparentemente pelo artista nordestino Luíz Sá, que utilizou ambientes e sotaques regionais em seu curta As Aventuras de Virgulino (1939). Mas problemas de distribuição levaram Sá a vender a cópia original de seu filme a uma loja que vendia projetores domésticos, que cortou o filme em pedaços e ofereceu tiras dele como presentes aos seus clientes. Após isso, Sá abandonou o cinema e tornou-se um famoso desenhista para jornais e revistas. 

O próximo filme de animação a ser considerado significante é Dragãozinho Manso (1942), um filme de bonecos de 18 minutos de Humberto Mauro. O interesse do filme reside principalmente na participação do pioneiro do cinema brasileiro Mauro, mais que no filme em si, ao qual se pode argumentar não ser realmente animado, já que é um filme de manipulação de bonecos mais que fazendo uso de stop motion. Ainda que originalmente o filme fosse em cores, somente uma cópia em p&b parece ter sobrevivido. O primeiro longa de animação brasileiro foi Sinfonia Amazônica (1953). O filme foi criado ao longo de mais de seis anos por Anélio Lattini Filho e Mário Lattini, irmãos que haviam realizado curtas animados desde a adolescência. Para este filme, Anélio realizou quase meio milhão de desenhos, que foram então filmadas por Mário com uma câmera Ememann-Krupp. O filme em preto&branco, uma adaptação de sete contos do folclorista Joaquim Ribeiro, foi influenciado por Fantasia (1940), de Disney, não somente em seu visual e estrutura (uma série de contos não relacionados ligados por peças musicais), mas na forma como sincronizou música e movimentos dos personagens. Sinfonia Amazônica foi um grande sucesso e lançado amplamente no Brasil, e ao redor do mundo, onde ganhou diversos prêmios, incluindo um da UNESCO. Infelizmente, muito pouco dos lucros foram para os irmãos Lattini,  e eles subsequentemente se concentraram em obras publicitárias. 

Roberto Miller, natural de São Paulo, que treinou na National Film Board of Canada sob a supervisão de Norman McLaren, atraiu a atenção internacional ao final dos anos 50, com uma série de curtas abstratos em cores, registrados e desenhados diretamente na película em 16 mm, que experimenta com a relação entre pintura, ritmo e som. Rumba (1957) ganhou a Medalha de Bronze em Lisboa, em 1957, enquanto Som Abstrato (1957), ganhou prêmios em Bruxelas e São Paulo, assim como uma menção honrosa em Cannes. Outros filmes notáveis, dos mais de 80 que Miller dirigiu estão Boogie Woogie (1957), Alephe (1959), Mundo em 3 Minutos (1969), e Carnaval 2001 (1971), que ganhou um prêmio em Oberhausen. Sócios de Miller, Rubens Francisco Lucchetti (ocasionalmente roteirista para José "Zé do Caixão" Mojica Marins) e Bassano Vaccarini também atraíram a atenção crítica com Fantasmagorias (1961), e venceram um prêmio em San Salvador com Vôo Cósmico (1962). Os três se envolveram em um Centro Experimental de Ribeirão Preto, que foi instrumental para a fundação do Festival Internacional de Animação no Brasil, em 1965, e promoveram a obra deles próprios e de realizadores semelhantes. Ainda que o centro tenha se dissolvido em meados dos anos 60, o momento criado levou a produção de um grande número de curtas por um grupo crescente de realizadores. 

A despeito da quantidade de curtas realizados, o primeiro longa de animação desde Sinfonia Amazônica, e o primeiro em cores, foi lançado somente em 1971. Presente de Natal foi o resultado de três anos do trabalho individual de Álvaro Henrique Gonçalves. Ganhou reconhecimento crítico por suas qualidades incomuns, mas teve poucas exibições fora de São Paulo, e ainda é pouco conhecido. No ano seguinte Yppé Nakashima, um imigrante japonês que havia se tornado destacado por seu trabalho publicitário, apresentou o longa de animação Piconzé (1972). Nakashima passou cinco anos elaborando um longa-metragem em seu estilo de colagem, e recebeu amplo lançamento no Brasil, ganhando dois prêmios do Instituto Nacional de Cinema (INC). Em 1975 a "Nova Lei do Curta" requeria que todo cinema que exibisse um filme importado deveria exibi-lo com um curta produzido localmente, o que levou a uma explosão na já ocupada indústria de animação. Uma figura importante a emergir desse novo clima foi Marcos Magalhães. Aos 19 anos chamou a atenção com Mão-mãe (1979), a que se seguiu Meow (1981), que ganhou um Prêmio Especial do Júri em Cannes. Após uma tarefa no National Film Board of Canada, retornou para montar, com auxílio do NFB, o primeiro curso de animação profissional do Brasil. Em 1993, ajudou a fundar o Anima Mundi, um festival internacional de animação.

A figura mais famosa na história do cinema de animação brasileiro é Maurício de Souza. Iniciou desenhando a tira em quadrinhos Bidu em 1959, mas em 1963 começou a introduzir os personagens, pelos quais seria mais famoso: o grupo de crianças de sete anos, liderados por uma brilhante e incomumente forte garota, protagonista da duradoura revista em quadrinhos Turma da Mônica. De Souza moveu-se para a animação em longa-metragem, escrevendo e dirigindo As Aventuras da Turma da Mônica (1982). Foi bem sucedido o suficiente para levar a mais filmes da turma: A Princesa e o Robô (1983), As Novas Aventuras da Turma da Mônica (1986) e Mônica e a Sereia do Rio (1987). Existem vários desenhos produzidos diretamente para o vídeo depois disso, mas de Souza retornou aos longas para o cinema em 2007, com Turma da Mônica em uma Aventura no Tempo. Clovis Vieira alcançou outro marco, em 1996, ao criar o primeiro longa de animação inteiramente digital brasileiro, Cassiopeia. O longa de animação mais bem sucedido foi O Grilo Feliz (2001), de Walbercy Camargo, que foi exibido nos cinemas por seis meses, uma recompensa pelos vinte anos que levou para fazê-lo. A despeito desse sucesso, existe somente um punhado de filmes de longa metragem de animação no Brasil, onde o foco permanece nos filmes curtos. 

Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014,  pp. 31-4.

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