Filme do Dia: State Funeral (2019), Sergei Loznitsa
State Funeral (Holanda/Lituânia, 2019).
Direção e Rot. Original: Sergei Loznitsa. Montagem: Danielius Kokanauskis.
Documentário que faz uso de imagens de
arquivo, dispensando qualquer narração over, sobre os megalômanos funerais de
Stálin, na União Soviética, 1953. Tudo ou quase que é filmado em p&b também
tem uma versão em cores, do mesmo ângulo, e o filme alterna entre essas
imagens, embora as em p&b sejam prevalecentes. Os áudios que surgem são
áudios oficiais do regime, que ajudam a direcionar a comoção nacional que
emerge em imagens tocantes de rostos dos mais diversos tipos, etnias e
categorias sociais do país, com frases pomposas, genéricas, extremamente
grandiloquentes e vazias, nunca apresentando dados ou realizações objetivas –
uma exceção que confirma a regra sendo a vitória contra o fascismo na Segunda
Guerra. E de uma trilha sonora que apresenta temas eruditos bastante
conhecidos, que aparentemente fizeram parte do repertório musical dos funerais.
Loznitsa extrai um efeito quase hipnótico da infinidade de pessoas que atravessam
o salão onde se encontra o corpo de Stálin devidamente mumificado em um caixão
com casquete de vidro que torna seu busto visível, que se assemelha ao capacete
de um astronauta, somado aos temas musicais selecionados, incluindo a
tradicional marcha fúnebre, conquistando um efeito épico. Em termos de imagens,
poucas se equivalem, em filme que parece ter grande protagonismo no trabalho de
sonorização, mas uma delas apresenta vapores subindo sobre o casario por trás
de onde uma das multidões que acorreu ao tributo a Stálin se encontra. Ao
final, segue-se uma tediosa sequencias de discursos das mais altas autoridades
políticas de então, que mais vale pelos contra-planos que mostram as reações,
entre emocionadas e atentas, autoconscientes de estarem vivenciando um momento
histórico, e onde o choro de pessoas mais idosas e visivelmente mais humildes
não deixa de ser ainda mais tocante, tendo em vista muito provavelmente se
encontrar associado a momentos de suas trajetórias pessoais. A câmera que
flagra grupos inteiros que voltam seus rostos para o corpo do líder morto fora
de campo é uma das mais interessantes. E, não falta sequer alguns planos
evocativos da exaltação dos trabalhadores comuns, em nada distantes dos que
povoavam os filmes vanguardistas da década de 1920. Assim, como o momento da
homenagem final, em que o ribombar ensurdecedor dos canhões parece ser ouvido
de qualquer quadrante do país (mais uma evocação das figuras de linguagem
daquele cinema mudo tão distintamente original) e vários planos observam
trabalhadores interrompendo suas atividades e fazendo soar os apitos de
locomotivas e barcos. As imagens se encontram impressionantemente bem
conservadas, como se também tivessem passado pelo processo de mumificação de seu líder ou extraídas de alguma
cápsula do tempo. E, para além dos recortes que efetuou em cima do material
bruto – os funerais aparentemente se estenderam por cinco dias – e do uso da
música, a maior intervenção autoral do discreto Loznitsa, é apresentar ao final letreiros com alguns
lugares-comuns sobre Stálin que se encontram em qualquer fonte tipo Wikipedia.
Chama a atenção, no entanto, para além das informações sobre a suposta
quantidade de milhões executada ou vítima da fome durante o seu governo, o
rápido processo de dessacralização de um líder, já que apenas três anos após
todo esse rebuliço por sua morte, a desestalinização já fazia com que o caixão
futurista de Stálin fosse deslocado do mausoléu que lhe foi erguido para ser
enterrado de forma menos vistosa no Kremlin. Atoms & Void/Studio Uljana
Kim/Nutprdukce. 135 minutos.
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