Filme do Dia: Acorrentados (1958), Stanley Kramer
Acorrentados (The Defiant Ones, EUA, 1958). Direção:
Stanley Kramer. Rot. Original: Harold Jacob Smith, a partir do argumento de
Nadrick Young. Fotografia: Sam Leavitt. Música: Ernest Gold. Montagem: Frederic
Knudtson. Dir. de arte: Rudolph Sternad & Fernando Carrere. Cenografia:
Joseph Kish. Figurinos: Joe King. Com: Tony Curtis, Sidney Poitier, Cara
Williams, Theodore Bikel, Charles
McGraw, Lon Chaney Jr., King Donovan, Claude Akins, Kevin Coughlin.
Quando um
veículo da polícia tomba em uma curva, dois dos prisioneiros que nele se
encontravam, John Jackson, mais conhecido como Joker (Curtis) e Noah Cullen
(Poitier), aproveitam a oportunidade para fugir. Uma grande dificuldade que
enfrentam é que um está acorrentado ao outro. Após muitas vicissitudes chegam a uma pequena vila, onde acabam sendo
presos, após quase terem sido linchados. Um ex-condenado como eles, Big Sam
(Chaney Jr.) solta-os no meio da noite. Eles passam a ser perseguidos pelo
xerife Max Muller (Bikel), que não raras vezes entra em desacordo com o mais
truculento Capitão Frank Gibbons (McGraw). Joker e Cullen encontram abrigo na
cabana da mãe (Williams) de um garoto
(Coughlin) que caçava. A mulher, solitária e desesperada para abandonar o ermo
local, tenta convencer Joker a fugir com ela e abandonar Cullen. Porém, quando
esse fica sabendo que existem poucas chances de Cullen sair vivo do pântano que
ela indicara como rota de fuga para a ferrovia, Joker a abandona e consegue
alcançar Cullen no pântano. Próximo da linha do trem, que haviam sem sucesso
tentado embarcar, são encontrados pelo xerife.
Contém
todas as qualidades e limitações da produção “engajada” que o realizador Kramer passou a explorar com maior intensidade justamente a partir desse filme, em que
além da dimensão moral já entrevista em sua produção anterior, incorpora
temáticas sociais bastante candentes à realidade norte-americana contemporânea,
como a do racismo (que voltaria a ser explorada pelo realizador em Adivinhe Quem Vem para Jantar, com o
mesmo Poitier) e que ele já incentivara enquanto produtor (Espíritos Indômitos, dentre muitos outros). Na verdade, bem mais
limitações que qualidades. Se a quase explícita dimensão alegórica da
convivência forçada entre um branco e um negro involuntariamente acorrentados
pode soar original, sobretudo no momento em que foi produzido, talvez de fato
isso se deva menos ao talento particular de Kramer, que a de seus roteiristas.
Enquanto realização cinematográfica, esse filme apresenta muitos dos cuidados
dispensados a uma produção de custo, incluindo elaborada fotografia em
preto&branco e atores do primeiro escalão (ainda que o destaque vá para o coadjuvante
Bikel vivendo o xerife “humanista”) somente se diferenciando do mais aberto
entretenimento, que Kramer voltaria a explorar com a mega-produção Deu a Louca no Mundo) por suas implicações
sociais. Porém, até mesmo quando pretende soar pouco esquemático, o filme
resvala para o oposto como, por exemplo, na apresentação de tipos mais humanos
e compartilhadores da índole liberal de Kramer, como o delegado ou o
ex-condenado que enfrenta toda a vila exaltada pelo desejo de linchar a dupla.
E o que é pior, para um sentimentalismo rasteiro em que o convívio odioso do
início se transforma quase num caso de amor ao final, numa opção bastante fácil
e edificadora diante de toda a complexidade da história americana; nesse
sentido, talvez o bem menos politicamente correto Rastros de Ódio, mesmo que ambientado no passado, faça bem mais jus à mesma. Para além da própria
temática, outro elemento que demonstra uma sensibilidade diferenciada com
relação ao auge dos filmes de gênero de Hollywood é a forma intensa como
explora o corpo masculino, como na cena em que um Joker sem camisa é velado
pela mãe do garoto. Young, teve seu crédito restabelecido como co-roteirista,
já que na época teve que assinar sob pseudônimo por fazer parte da lista negra
do Macarthismo, somente em 1993. A situação inicial de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000), dos Irmãos Coen, foi
francamente inspirada nesse filme. Curthleigh Prod./Stanley Kramer Prod. para
United Artists. 97 minutos.
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