Filme do Dia: O Pecado de Todos Nós (1967), John Huston
O Pecado de Todos
Nós (Reflections in a Golden Eye,
EUA, 1967). Direção: John Huston. Rot. Adaptado: Gladys Hill & Chapman
Mortimer, a partir do romance de Carson McCullers. Fotografia: Aldo Tonti.
Música: Toshirô Mayuzumi. Montagem: Russell Lloyd. Dir. de arte: Stephen B. Grimes & Bruno
Avesani. Cenografia: William Kiernan. Figurinos: Dorothy Jeankins. Com: Marlon
Brando, Elizabeth Taylor, Robert Forster, Brian Keith, Jullie Harris, Zorro
David, Gordon Mitchell, Irvin Dugan, Fay Sparks.
Numa vila
militar, Leonora Penderton (Taylor) possui uma relação extra-conjugal com o
vizinho, o Tenente-Coronel Morris (Keith). Ela se encontra insatisfeita com o
pouco interesse do marido, Weldon (Brando) por si. Morris, por sua vez, pode dizer o mesmo da esposa, Alison (Harris),
que sofre dos nervos e prefere as fantasias do criado íntimo filipino, Anacleto
(David). Weldon, por sua vez, encontra-se cada vez mais frustrado com a vida
íntima familiar e os códigos que a regem, que acredita tacanhos e pouco
estimulantes, em comparação com que os soldados levam coletivamente. Um desses
soldados, Williams (Forster), objeto de seu desejo, por sua vez costuma invadir
a residência de Penderton, para observar sua esposa dormindo. Weldon sai para passear com o cavalo favorito
de Leonora e, após maltratá-lo, cai. Leonora que oferece um jantar para os
oficiais, sabe do ocorrido e humilha Weldon na frente de todos. Morris manda
sua esposa para uma clínica de repouso juntamente com Anacleto. Essa morre
pouco depois do coração. Sentido-se culpado pelo ocorrido, não consegue mais
manter o mesmo fervor na sua relação com Leonora. Weldon flagra certa noite a
aproximação de Williams de sua casa e um assassinato ocorre.
O modo como
Williams, marginal em termos sociais e de hierarquia, observa todas as
frustrações da família Penderton talvez sugerissem ao início a figura de um
“anjo exterminador” que acabará provocando a catarse de tudo que havia de
recalcado em seus personagens (tal como, de certa maneira, o protagonista do
contemporâneo Teorema, de Pasolini).
Nada mais distante, já que aqui e mais que todos, Williams também possui seus
segredos inconfessáveis. Talvez o que mais chame atenção nesse filme, para além
da grandiosa fotografia em tons sépia,
que em certos momentos se aproxima do preto&branco, seja a difícil equação
entre vida pública e desejos privados. Porém, ao contrário de Tennessee Williams
(ou ainda o Nélson Rodrigues de Toda Nudez será Castigada) não existe uma equiparação entre decadência moral e
econômica ou um extravasamento melodramático dessa tensão – à exceção da cena
em que Leonora chicoteia o rosto e o corpo do marido na festa, tudo é “varrido
para baixo do tapete” e se torna, no máximo, passível de observação pelo olhar
alheio. A impotência provocada pela homossexualidade latente de seu
protagonista de certo modo se espraia para a narrativa como um todo, não
existindo praticamente momentos de gozo – esses, quando ainda existem, entre Leonora
e Morris, nos são suprimidos. Sobram, no entanto, frustrações: a da própria
Leonora, vivida por uma Taylor que acentua a voz aguda na sua representação do
que seria a vulgaridade de uma mulher não amada pelo marido e posteriormente
também pelo amante; a da frígida e infantil Alison; a do assexuado e grotesco criado
filipino; a de Williams, tido como virgem por seus pares, que não vai além do
voyeurismo. Aliás o personagem de Williams talvez seja o mais interessante
dentre todos. Com sua identificação maior com o mundo animal que humano,
cavalgando despido em seu cavalo numa versão masculina de Lady Godiva, e seu
forte teor de anti-sociabilidade descrito sobretudo em um momento no qual
parece contradizer a visão romantizada do protagonista sobre a vida coletiva
entre homens, assim como seu desprezo pela fala – só fala, quando instigado por
outros – Williams parece antecipar um personagem como o de O Fantasma. Por sua vez, os trejeitos do Weldon de Brando diante de sua
própria figura no espelho foram confessa inspiração para o tipo mais caricato
vivido por De Niro em Taxi Driver
(1976), de Scorsese. No seu final, a câmera se movimenta bruscamente flagrando
os três envolvidos na cena do crime. Forster, que foi uma das promessas não
cumpridas de sua geração, aparece igualmente despido em Dias de Fogo (1969). Huston queria que a própria autora escrevesse o
roteiro, o que não pode ser realizado, dado o grave estado de saúde da mesma,
vindo a falecer duas semanas antes da estréia do filme. Warner Brothers/Seven Arts para Warner
Brothers. 108 minutos.
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