Filme do Dia: O Garoto (1969), Nagisa Oshima


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O Garoto (Shonen, Japão, 1969). Direção: Nagisa Oshima. Rot. Original: Tsotomu Tamura. Fotografia: Seizô Sengen & Yasuhiro Yashioka. Música: Hiraku Hayashi. Montagem: Sueko Shiraishi & Keichi Uraoka. Dir. de arte: Jusho Toda. Com: Tetsuo Abe, Fumio Watanabe, Akiko Koyama, Tsuyoshi Kinoshita, LoLo Cannon.

Criança de dez anos (Abe) criado por um pai indolente (Watanabe) e uma madrasta igualmente explorada  (Koyama) é treinado para simular atropelamentos nos quais os motoristas, temerosos de envolvimento com a polícia, pagavam alguma quantia, sobrevivendo destes golpes. O garoto possui sonhos com homens vindos do espaço e os compartilha com o irmão mais novo (Kinoshita). A desestruturação familiar faz com que abandone várias vezes a família, sempre retornando a ela. Sua madrasta simula um aborto. As agressões do marido contra ela, simuladas nos falsos acidentes, são constantes igualmente na vida real. O fato de o terem se excedido nos golpes chama a atenção da polícia.

Oshima, em chave completamente oposta ao seu experimental Diário de um Ladrão de Shinjuku (1968), envereda  por um realismo que tampouco descarta a dimensão alegórica e a reflexão sobre o país de modo mais amplo, característica premente na maior parte dos cinemas novos do período.  Dimensão esta igualmente presente na recusa a identificar os personagens com nomes próprios ou de lhes instilar uma dimensão psicológica “profunda”; pelo contrário, eles são apresentados de modo raso e em interpretações (talvez mesmo no caso da impressionante máscara facial quase imperturbável de seu garoto protagonista) que tampouco demandam qualquer “maestria”. Esta desconfiança do estrito realismo também se faz presente no elaborado trabalho de sua fotografia em cores, de tonalidades bastante dissonantes, alternando momentos de intensidade monocromática com contrastes acentuados (já presentes, de modo distinto, em seu filme anterior). Seu retrato de desesperança e pessimismo a partir da ótica infantil, tornado pungente pela recusa acentuada do sentimentalismo, possui seus traços em comum com Os Incompreendidos (1959), de Truffaut, tampouco descartando uma solidariedade construída a partir da aspereza da vida – no momento em que o pai é capturado pela polícia, todos lutam contra sua prisão; se ele próprio significa crueldade e falta de perspectiva, a  intervenção legitimadora do Estado tampouco acena para algo melhor. Porém, a rigor, até mesmo qualquer metáfora para com uma possibilidade de “solidariedade de classe” aqui encontra seus limites e algo que sinaliza de forma marcante nesta direção é o momento no qual o garoto vê um garoto ser espancado por outros maiores e tenta se aproximar condoído e é, ele próprio, tripudiado pelo garoto que havia sofrido a agressão. Há uma sensação de instabilidade que perpassa o filme do início ao final e que é acentuado pelas locações, geralmente em ambientes frios e impessoais, e até mesmo quando se encontram hospedados em locais aparentemente aconchegantes, sabe-se o quanto representam de efemeridade que não se sustenta em nada sólido. Trata-se de um mundo onde impera a lógica do “salve-se quem puder” e onde a sensibilidade aguçada de seu jovem protagonista não pode encontrar acolhida a não ser na fragilidade de seus devaneios com seres intergalácticos, posteriormente destruídos por ele próprio, como se houvesse percebido sua fragilidade tão evidente quanto o boneco de neve que ergueu para representá-los. Art Theatre Guild/Sozosha. 97 minutos.

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