Filme do Dia: As Invasões Bárbaras (2003), Denys Arcand
As Invasões
Bárbaras (Les Invasions Barbares, Canadá/França, 2003). Direção e Rot.
Original: Denys Arcand. Fotografia: Guy Dufaux. Música: Pierre Aviat. Montagem:
Isabelle Dedieu. Dir. de arte: François Séguin & Caroline Alder.
Cenografia: Patrice Bengle & Annika Krausz. Figurinos: Denis Sperdouklis.
Com: Rémy Girard, Stéphane Rousseau, Dorothée Berryman, Louise Portal,
Dominique Michel, Yves Jacques, Pierre Curzi, Marie-Josée Croze, Marina Hands.
A mãe de Sébastien (Rousseau), que é um
bem sucedido homem, de negócios em Londres, avisa-lhe que seu pai se encontra
em situação complicada de saúde em Montreal. Sébastien parte com a esposa de
volta ao Canadá e, através do dinheiro, consegue reunir desde os amigos de
juventude do pai, como heroína para atenuar a dor sentida por Rémy, transmissão
de mensagens via satélite pela Internet da sua irmã, que se encontra de férias
e uma visita de cortesia de seus ex-alunos. Consegue, inclusive, aproximar-se
afetivamente do pai, ainda que com muita dificuldade. O choque de gerações e
maneiras de encarar a vida, no entanto, não se dissolve de todo. Embora a
barreira que Sébastien criou para se tornar um bem sucedido profissional, que
inclui sua relação morna com a esposa, ameace se romper após a morte do pai e a
aproximação de uma viciada, Nathalie (Croze), que se interessa para cuidar do pai no hospital, a razão fala mais mais alto e ele retorna para a
Inglaterra.
Com uma sutil ironia, Arcand, que
retorna aos personagens de seu mais famoso filme, O Declínio do Império Americano,
realiza um filme sobre amizade e amor que, apesar de uma certa dose de
sentimentalismo e manipulação emocional, consegue ir além do lugar-comum ao
atrelar a esse drama de despedida uma reflexão sobre os valores de duas
gerações bem diferentes. Assim, se a geração rebelde de Rémy afundou-se na
auto-condescendência e na fuga dos valores familiares, a de seus filhos
apresenta uma reaproximação dos velhos padrões morais, sendo o casal
representado por Sébastien e sua esposa o maior exemplo. Enquanto Sébastien é o
oposto do pai, conhecido por sua vida libertina, ao se dedicar de corpo e alma
a sua carreira, sua esposa renega o trauma da separação que vivenciou dos pais
e sonha com uma vida de fidelidade ao marido. No plano social, o individualismo
dos novos tempos gera uma situação em que a saúde pública se encontra caótica
(os corredores do hospital público em que Rémy é atendido nada ficam há dever
aos seus semelhantes do Terceiro Mundo) e os sindicatos são celeiros de
corrupção, atestando um Estado do Bem Estar Social à beira da falência.
Ironicamente, no entanto, tudo o que provoca a felicidade de Rémy nos últimos
dias de sua vida provém justamente do dinheiro proveniente dos valores que o
professor humanista mais detesta. Nesse sentido, o filme vai muito além dos
filmes de reencontro de amigos, centrados apenas em uma indulgente e nostálgica
revisão do passado, tais como Nós que Nos Amávamos Tanto, de
Ettore Scola. Apesar de não descuidar de tal nostalgia, presente sobretudo na
seqüência em que Rémy rememora as personalidades por quem foi apaixonado,
destacando atrizes do cinema, talvez o mais interessante do filme se encontre
presente na própria leitura subliminar das mudanças ideológicas, nunca
analisadas de uma forma meramente maniqueísta. Assim, se Rémy faz um mea
culpa, a certo momento, dos excessos da ideologia em sua geração, tendo
como matriz o próprio cinema (ao encontrar uma chinesa que vivenciara os
horrores da Revolução Cultural, sentira-se estúpido ao elogiar o movimento,
pois o conhecia somente através dos filmes de Godard), é a semente desse
passado utópico que irá provocar uma influência para que a jovem drogada
abandone o processo de auto-destruição e niilismo absoluto. O filme que Rémy é
obcecado pelas pernas de Ines Orsini é uma produção italiana de 1949, dirigida
por Augusto Genina, Céu Sobre o Pântano.
Prêmios de melhor atriz e roteiro no Festival de Cannes. Astral Films/CNC/Cinémaginaire/Harold Greenburg
Fund/Le Studio Canal +/Production Barbares/Pyramide Productions/Sociéte
Radio-Canada/SODEC/Téléfilm Canada. 99 minutos.
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