Filme do Dia: Chamas de Verão (1966), Tony Richardson
Chamas de Verão (Mademoiselle,
Reino Unido,
1966). Direção: Tony Richardson. Rot. Adaptado: Marguerite Duras, a partir do
conto de Jean Genet. Fotografia: David Watkin. Música: Antoine Duhamel.
Montagem: Sophie Coussein & Antony Gibbs. Dir. de arte: Jacques Saulnier.
Cenografia: Charles Merangel. Figurinos: Jocelyn Rickards. Com: Jeanne Moreau, Ettore Manni, Keith Skinner,
Umberto Orsini, Georges Aubert, Jane Beretta, Paul Barge, Pierre Collet.
Num vilarejo francês, jovem
professora proveniente de Paris, conhecida apenas como Mademoiselle (Moreau)
sente-se atraída pelo imigrante italiano Manou (Manni), viril e que não se
escusa em fazer sexo com boa parte das garotas do lugar. Seu filho, Bruno
(Skinner), que inicialmente havia recebido os cuidados de Mademoiselle, agora
sofre cada vez mais com seus destratos. Mademoiselle costuma sorrateiramente
provocar inundações, incêndios e o envenanamento de animais, sendo que a
suspeita sempre recai na dupla de imigrantes italianos, que inclui além de
Manou seu amigo Antonio (Orsini). Cansados de tanto sofrimento, os moradores da
vila se demonstrarm dispostos a fazer justiça com suas próprias mãos. Quando
encontram Mademoiselle com as roupas
estropiadas por finalmente ter satisfeito seu desejo por Manou, logo imaginam
ter sido vítima de agressão sexual do mesmo. Quando o encontram, matam-no.
Enquanto Antonio e Bruno abandonam a vila a pé, Mademoiselle parte de carro.
Mais convencional e talvez
também mais interessante que seu filme anterior, O Ente Querido, Rchardson aqui apresenta dois seres, à sua maneira,
marginais à sociedade que os circunda. Um por se encontrar aquém, estrangeiro e
que só consegue ser visto como portador de algo interessante no momento do
desejo. A outra por se encontrar além, versada em letras, algo que a maior parte
dos próprios adultos do vilarejo desconhece. Com todas suas eventuais virtudes,
que vão de sua bela fotografia em preto&branco até o modo relativamente
distanciado com que tudo é narrado, passando pela interpretação de Moreau, que
antecipa a maldade de alguns dos personagens vividos por uma Isabelle Huppert,
assim como o próprio final, que se recusa a seguir uma linha compensatória
convencional ou sua relativa independência dos diálogos, o filme tampouco está livre de não poucas
fraquezas. Uma delas, sem dúvida, é o quão pouco elaborada se torna a relação
entre Mademoiselle e o garoto Bruno. Outra, a interpretação pouco convincente
de Manni o que, diga-se de passagem, talvez não comprometa tanto assim seu
personagem, rude e iletrado. Uma terceira, por fim, diz respeito ao cineasta,
ao contrário de sua filmografia anterior, ter deslocado seus personagens de um
momento histórico concreto. Mesmo que o
filme possa ser situado vagamente por volta da década de 1920 ou 30, tudo
parece indicar que a única coisa que importa, ao final, são generalidades
abstratas e atemporais, como a xenefobia
associada, inclusive, ao rancor pela pretensa fúria sexual do imigrante (algo
bem melhor trabalhado por Fassbinder em seu O Machão). Por outro lado a narrativa, a certo momento, desliza em
discreto flashback, juntamente com a
cobra que passa da mão de Manou para Mademoiselle. A visão que essa possui de
seu homem, enquanto mero objeto para saciar seu desejo ocasional, representado
pela perspectiva com que se delicia com seu corpo, ao observá-lo agindo para
combater os incêndios, ou repousando durante o serviço, é muito próxima da de
um homossexual masculino, o que não é mera coincidência em se tratando de uma
adaptação de Genet. Dada a natureza patológica de sua repressão sexual, talvez
soe um pouco estranho o modo como Mademoiselle rapidamente se entrega a Manou,
mas não resta dúvida que essa entrega fácil é igualmente fruto da mesma
repressão que não a faz se sentir à altura do campônio, preferindo cheirar suas
botas a beijá-lo na boca. Procinex/Woodfall Film Corp. para United Artist. 101
minutos.
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