Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#111: Gabriel García Márquez

 


GARCÍA MÁRQUEZ, GABRIEL. (Colômbia, 1927*). O mais conhecido escritor latino-americano e Nobel de Literatura em 1982, Gabriel García Márquez, conhecido carinhosamente como "Gabo", é também o mais envolvido de forma aproximada com o cinema, tendo co-dirigido um dos mais famosos filmes experimentais sul-americanos, La Langosta Azul (A Lagosta Azul, Colômbia, 1954), escreveu mais de vinte roteiros, e teve inúmeros filmes adaptados de seus romances e contos. Soma-se a isso, ter sido um dos três fundadores e um reiterado patrono da Escuela Internacional de Cine e Televisión de Santo Antonio de los Baños (EICTV), em Cuba, desde 1986.

Gabriel José de la Concordia García Márquez nasceu em Aracataca, uma pequena cidade no norte tropical da Colômbia, próximo ao mar do Caribe. Estudou direito em uma faculdade jesuíta e iniciou carreira como jornalista em 1948, enquanto ainda estudante de direito. De forma destacada, escreveu para o jornal El Heraldo, de Barranquilla, enquanto se tornava membro do celebremente informal  Grupo Barranquilla, de jovens escritores e artistas, dois dos quais, Álvaro Cepeda Samudio e Enrique Grau, uniram-se a ele para realizar La Langosta Azul. Gárcia Márquez posteriormente renegaria o filme, aparentemente por seu roteiro ter sido completamente modificado. Estudou brevemente no Centro Sperimentale em Roma, e também escreveu para outro jornal, El Espectador, em Bogotá, que o enviou para Europa como correspondente estrangeiro, após ter escrito um artigo controverso, contrariando os relatos oficiais do governo sobre um naufrágio.

Nenhuma das obras de García Márquez foi traduzida ao inglês antes de 1968. Por esta época, estava vivendo no México, e em 1964 co-escreveu seu primeiro roteiro com Carlos Fuentes e o diretor Roberto Galvadón, em El Gallo de Oro. Esteve envolvido na escrita de três filmes mexicanos em 1965, e em 1966 escreveu seu primeiro roteiro maior, Tiempo de Morrir, para Arturo Ripstein. Continou a escrever importantes roteiros mexicanos, incluindo María de Mí Corazón (1979), baseado em seu conto original, junto com o diretor Jaime Humberto Hermosillo. Também em 1979, um de seus romances, La Viuda de Montiel (A Viúva de Montiel) foi adaptado pelo cinema mexicano, sendo dirigido pelo realizador chileno no exílio Miguel Littín, sendo selecionado para concorrer no Festival de Berlim de 1980. Em 1983, um filme interessante, Eréndira, foi realizado pelo brasileiro Ruy Guerra, de um conto de 1978 de García Márquez, que havia sido originalmente escrito como um roteiro não publicado. Com o boom  da produção de cinema colombiano dos anos 80, escritos de García Márquez foram finalmente adaptados lá, incluindo Tiempo de Morir (1985), dirigido por Jorge Alí Triana, um filme admirado pelo escritor, e a primeira adaptação de Crónica de una Muerte Anunciada (1981), uma co-produção de 1987 com a França e Itália, dirigida por Francesco Rosi

Por então, o escritor era uma "estrela" maior da literatura mundial e a Televisión Española (TVE, televisão nacional espanhola) bancou a produção de seis filmes baseados em seus escritos como a série de "Amores Dificiles": Fábula de la Bella Palomera (A Bela Palomera), dirigido por Guerra com um roteiro co-escrito e co-produzido com o Brasil; Un Señor Muy Viejo con unas Alas Enormes (Um Senhor Muito Velho com as Asas Enormes, 1988), dirigido por Fernando Birri, de um roteiro original co-escrito e co-produzido com Cuba e Itália; Cartas del Parque (1989), dirigido por Tomás Gutierrez Aléa e co-produzido com Cuba; Milagro en Roma (1989), dirigido por Lisandro Duque Naranjo de um co-roteiro original co-produzido com a Colômbia; El Verano de la Señora Forbes (1989), dirigido por Hermosillo e co-produzido com México e Cuba; e Yo so El que Tú Buscas, dirigido por Jaime Chávarri. Os filmes dirigidos por Duque e Hermosillo são provavelmente os melhores dos seis, ainda que nenhum deles tenha tido boa recepção crítica. No entanto, com o prestígio internacional do escritor crescente, todos foram lançados em vídeo e dvd na América do Norte. Seus livros foram adaptados em filmes no Japão - Saraba Hakobune (Farewell to the Ark, 1984), dirigido por Shuji Terâyama, baseado em Cem Anos de Solidão - e mesmo na China, com Li Shaohong realizando talvez um dos melhores filmes extraídos da literatura latino-americana, Xuese Quingchen (Bloody Morning, 1993), de Crônica de uma Morte Anunciada.

García Márquez e sua família (esposa e dois filhos homens) passaram a maior parte dos anos 70 e 80 fora da Colômbia. Viveram em Barcelona e na Cidade do México. Tornou-se amigo de Fidel Castro e, entre 1968 e 1975 trabalhou no "romance do ditador", El Otoño del Patriarca (O Outono do Patriarca, 1976), inspirado pela queda do ditador venezuelano Marcos Pérez Jiménez. Seu ódio do ditador chileno, General Augusto Pinochet levou García Márquez a escrever uma narrativa em primeira pessoa do perigoso retorno de um diretor chileno exilado a seu país disfarçado, por seis semanas, em 1985, La Aventura de Miguel Littín Clandestino en Chile (1986). O livro é uma significativa contribuição à literatura sobre o cinema sul-americano. Apesar de García Márquez viver sua vida claramente situado à esquerda - apoiando causas esquerdistas na Colômbia, Venezuela, Nicarágua, Argentina e Angola e auxiliando na fundação do HABEAS, uma organização que, dentre outras coisas, apoia à liberdade de presos políticos - seus escritos e filmes adaptados deles são raramente óbvios em suas inclinações ideológicas, exceto pelo livro de Littín e O Outono do Patriarca (que tem sido criticado por fazer uso de sátira cômica ao tratar a séria brutalidade endêmica das ditaduras sul-americanas). 

Uma série de seus escritos se refere a La Violencia, a guerra entre conservadores e liberais no campo nos anos 1950, quando centenas de milhares foram assassinados e quase um milhão de pessoas deslocadas, incluindo El Amor en los Tiempos del Cólera (O Amor nos Tempos do Cólera, 1988), Este romance foi finalmente adaptado pelo escritor britânico Ronald Harwood para um filme de grande orçamento hollywoodiano em 2007. Ainda que seja filmado na Colômbia (a maior parte em Cartagena), foi rodado em língua inglesa. Foi lançado em mais de 40 países, mas apesar de aplaudido por García Márquez em sessão privada, foi muito mal recebido pelos críticos norte-americanos. Ele escreveu seis episódios de uma série de TV colombiana e um longa no país, Oedipo Alcade, em 1996, para Triana, e co-escreveu uma co-produção colombiana-venezuelana, Los Niños Invisibles, em 2001, com o diretor Duque. Também co-escreveu o documentário político cubano-argentino,  ZA 05. Lo Viejo e lo Nuevo (2006), com dois dos co-fundadores do EICTV, Birri e Julio García Espinosa, e o brasileiro Orlando Senna. Entretanto, apesar de muitos filmes continuarem a ser produzidos partindo de seus romances e contos, a contribuição mais significativa do escritor ao cinema, nas duas últimas décadas, tem sido talvez o seu apoio à escola de cinema cubana (EICTV). Ele agora vive a maior parte de seu tempo entre a Cidade do México  e Cartagena, mas tendo sido diagnosticado com câncer linfático em 1999, viaja com frequencia a uma clínica em Los Angeles, onde um de seus filhos, Rodrigo García, vive. 

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American, Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014,  pp. 274-77.

(*) N. do E.: falecido em 2014. 

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