Filme do Dia: Fado, História d'uma Cantadeira (1948), Perdigão Queiroga

 


Fado, História d´uma Cantadeira (Portugal, 1948). Direção: Perdigão Queiroga. Rot. Adaptado: Armando Vieira Pinto, baseado nos poemas de João da Mata, Gabriel de Oliveira, José Galhardo & Silva Tavares. Fotografia: Francesco Izzarelli. Música: Jaime Mendes. Montagem e Dir. de arte: Perdigão Queiroga. Figurinos: Mário Costa. Com: Amália Rodrigues, Érico Braga, João Nazaret, Henrique Santana, Alda de Aguiar, António Silva, Emília Villas, José Vitor.

Ana Maria (Rodrigues) , feirante, pretende se casar em breve com o músico Érico Braga (Braga). Ambos vivendo em um bairro humilde, Braga a convida para cantar fados na casa de espetáculos de Chico Fadista (Silva). Dado o sucesso fenomenal de sua apresentação, Fadista imediatamente vê a possibilidade de faturar com a ascensão da cantora, o que deixa Braga deveras contrariado. Enquanto sua futura carreira ainda se encontra incerta, o acidente com a menina Luisinha, tida como uma filha por Ana Maria, lhe deixa em estado depressivo e resoluta a não mais voltar a cantar. A aceitação do início de uma carreira teatral, agora agenciada pelo empresário Sousa Morais (D´Algy), dá-se justamente por seu desejo em ajudar na recuperação de Luisinha, que se tornou paralítica. Ela se transforma em uma estrela de sucesso. Seu sucesso, no entanto, cada vez mais a distancia dos seus amigos, de sua origem social, de Érico e da menina Luisinha, que cai em estado de prostração mortal. Ana Maria chega já tarde. Desacreditada com sua própria carreira, pois não sente cantar mais com alma. Ela  recebe um convite para casar com Sousa Morais. Pede tempo e viaja ao Brasil. Ao retornar tenta reencontrar amigos do passado, como Rosa (Villas) e Érico, mas é rechaçada por ambos. Decide-se então por casar com  Sousa Morais. Érico, que havia se tornado um alcoólatra, tenta refazer sua carreira no mesmo espaço de Chico Fadista. Quando inicia a apresentação, Ana Maria começa a cantar, para a surpresa de todos.

Esse melodrama rasgado, mesmo com desnecessários apelos de inflexão dramática a partir de uma situação tão piegas quanto a de seu contemporâneo brasileiro O Ébrio (1946) - também veículo para um cantor popular de sucesso estrondoso -  como é o caso da subtrama da menina Luisinha, dramaticamente inexpressiva e apenas subterfúgio para as reviravoltas típicas do gênero, é de longe mais bem sucedido que a produção de Gilda de Abreu. Ancorado em um estilo clássico de modo mais firme, como nos próprios clichês do melodrama, o filme não deixa de contar com um personagem secundário que faz a narrativa avançar, luxuosa e vaporosa fotografia em preto&branco e virtuosa técnica, ressaltada em momentos como o plano-seqüência de mais de três minutos da estréia teatral de Ana Maira, personagem que possui vários pontos em comum com a própria Amália Rodrigues. Esse  estilo clássico – que possui momentos típicos, como o da sucessiva presença de planos de coristas que fofocam invejosas do sucesso da cantoria – e sua opção aberta pelo melodrama acabam provocando um pathos raramente conquistado nas produções portuguesas do período, que geralmente optavam por comédias de costumes mais chinfrins e marcadamente teatrais, inspiradas no histrionismo esquemático dos diálogos de António Silva. Todos os cacoetes dramáticos, já antevistos na declaração do patrão de Érico, alertando-o para que não permitesse que Ana Maria seguisse em sua carreira artístca, já evidenciando a tensão com a possibilidade da figura feminina se sobressair em relação a do homem, reforçam a sensação de culpa que deve carregar uma  mulher que ouse ir além do papel reservado para ela, e mais pateticamente configurado no acidente de Luisinha. Em  certos momentos, quando Ana Maria volta a buscar um embriagado e decadente Érico, que nada faz mais do que empurrá-la para longe, a ênfase nessa culpa injusta para com os autênticos sentimentos da heroína chega a ser patética de tão didática, assim como a cena imediatamente seguinte, que já a apresenta nos preparativos para o casamento com o empresário – situações que Fassbinder saberia explorar tão bem em seus filmes. É sobre o signo de vários ressentimentos que toda a ação dramática gira: de gênero e, posteriormente, de classe social. Amália Rodrigues efetiva uma excelente interpretação para quem se encontrava apenas no segundo filme de uma carreira bissexta no cinema, incorporando um bem dosado meio termo entre a ambição da carreira profissional e a vitimização chorosa habitual das protagonistas do gênero.  Queiroga, revelar-se-ia talento um tanto irregular, como demonstra sua sofrível adaptação de As Pupilas do Sr. Reitor (1961), tendo em sua filmografia documentários de nítida mensagem propagandista simpática ao regime salazarista, como seu  Porto, Metrópole do Trabalho, realizado antes desse.  Infelizmente, a cópia se encontra em péssimas condições de sonorização. Lisboa Filme. 110 minutos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng