Filme do Dia: Martírio (2016), Vincent Carelli, Tatiana Almeida & Ernesto de Carvalho
Martírio (Brasil, 2016). Direção:
Vincent Carelli, Tatiana Almeida & Ernesto de Carvalho. Rot. Original:
Tatiana Almeida & Vincent Carelli. Fotografia: Ernesto de Carvalho. Música:
Fausto Campoli.
Assiste-se com angústia digna dos mais
elaborados thrillers a esse
documentário relativamente simples, porém que traz um panorama catastrófico das
politicas indigenistas brasileiras e, de forma mais ampla, do convívio com os
indígenas em vários períodos históricos, mas sobretudo em tempos
contemporâneos, que o documentário acompanha mais de perto. Os indígenas, no
caso, não são todos indiscriminadamente, mas os guarani-kaiowá. E a angústia,
evidentemente, torna-se mais acirrada ao se saber que não é resultante de
alguma fabulação genial de algum roteirista e/ou realizador, mas fruto da nossa
própria história de exclusão, marginalidade e não reconhecimento dos povos
indígenas, transcendendo qualquer bandeira ou coloração ideológica –
observa-se, por exemplo, imagens de arquivo de índios chamando a então
presidenta Dilma de “assassina”. Após gerações completas de não legitimação de
suas terras, observa-se a que foram relegados os habitantes originais da terra,
agora considerados como invasores dos grandes negócios capitalistas ao qual a
esquerda no poder (na figura da ministra Gleise Hoffman) lida com cautela digna
de Pôncio Pilatos, a direita esbaforidamente agressiva afirma que somente
ocorrerá novas demarcações sobre seu próprio cadáver e a esquerda idealista mas
confortavelmente distante do poder (representada por Ivan Valente) lembra o
óbvio, que a maior parte da bancada que inclusive acusa a Funai de ser parte
interessada no debate, é não muito menos interessada, já que representante do
agronegócio, demarcado de forma constrangedoramente assumida em mais de um
momento na figura da senadora Kátia Abreu. Vagando em margens de estrada,
assolados pela constante tensão, pelo número exorbitante de suicídios e pelos
assassinatos de suas lideranças, assim como atropelamentos, muitos deles
propositais, seu retrato parece ser o de um triunfo demasiado digno, diante de
tanta aridez e de um continuado diagnóstico que José de Alencar já relatara ao
seu tempo, não nos seus romances evidentemente.
Fazendo uso de várias imagens de arquivo, e de uma narração over em
primeira pessoa que se poderia creditar como do realizador (mas aparentemente
não, e sim do indiginesta Celso Aoki), permanece em aderência completa ao lado
visivelmente mais fraco dessa história, não se dando ao trabalho de
problematizar as tensões internas ao próprio grupo e as acusações de
infiltração do movimento e, por vezes, entuasiasmos que não escondem certo
deslumbramento ingênuo, como o da onda no facebook em que milhares de pessoas
passaram a assinar como guarani-kaiowá, efêmera e cômoda como boa parte dos
“engajamentos” virtuais o são. Infelizmente, numa realidade muito distinta
dessa, a câmera de vídeo que é emprestada aos índios não tem como intuito
explorar (e incentivar) a fabulação, mas sim registrar, como de fato pouco
depois registra, a tensão que lhes é imposta por agentes de segurança privados.
De órgãos públicos, como a Polícia Federal, escuta-se equivalente agressividade
em termos de discurso, afirmando que devem cumprir o mandado de posse, caso não
queiram gerar situação que resultará em mais uma morte. Os rostos, pintados ou
não, jovens ou velhos, traduzem apenas a agônica resistência de puderem apenas
viver a vida seguindo seus costumes. Papo Amarelo Prod. Cinematográficas/Vídeo
nas Aldeias para Vitrine Filmes. 162 minutos.
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