Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#109: Peru
PERU. À parte um breve período no final dos anos 30, a produção do cinema peruano nunca rivalizou com os países de cinema mais relevante da América do Sul - Brasil e Argentina, ou mesmo Venezuela e Chile até muito recentemente. Tipicamente, como no resto do continente, as primeiras exibições cinematográficas peruanas ocorreram recentemente após o surgimento do cinema, em 1897, e as primeiras cenas de "atualidades" de Lima foram realizadas aparentemente no mesmo ano. Mas também tipicamente em relação ao continente, onde projetores e câmeras de cinema foram trazidos de vários lugares por estrangeiros, o primeiro filme verdadeiramente peruano somente surge em 1908. O primeiro filme narrativo peruano registrado foi Negocio al Agua (1913), uma comédia, e o primeiro longa, Luis Pardo, foi realizado em 1927. Pardo foi um bandido famoso,e o diretor do filme, Enrique Cornejo Villanueva, também interpretou o papel principal. Somente fragmentos deste filme sobreviveram e, no entanto, estes não foram postos juntos em uma restauração coerente. O que sobreviveu demonstra que foi realizada uma tentativa de produzir uma aventura/western inspirada em Douglas Fairbanks. Foi filmada integralmente em locações pelo cinegrafista nascido na Itália Pedro Sambarino, que havia previamente filmado o primeiro longa boliviano.
Então seguiu-se um período relativamente estável da produção de cinema mudo no Peru até 1933. Mais de dez longas e uns poucos documentários foram realizados, incluindo dois dirigidos pelo chileno Alberto Santana, Como Chaplin (1930), uma paródia da grande estrela, e Como Serán Vuestros Hijos (1932), um filme de educação sexual. Resaca (1934), o primeiro filme sonoro peruano, e o últmo filme silencioso, Yo Perdi Mi Corazón en Lima (1935), também dirigido por Santana. Dois outros estrangeiros, o fotógrafo espanhol Manuel Trullen e o diretor-montador-roteirista Siegfried Salas, realizaram cinejornais para Noticiero Heraldo, em meados dos anos 30, e os dois foram os mais importantes na formação da casa produtora mais bem sucedida do Peru, Amauta Films, em 1937. Antes disso, Salas dirigiu o primeiro filme sonoro ótico do Peru, Buscando Olvido, mas não foi antes de 1937 que a tecnologia do cinena, incluindo o som, foi apropriadamente desenvolvida na Amauta Films, em parte por conta do trabalho do sonoplasta argentino Francisco Diumenjo. Em somente quatro anos, 14 filmes foram produzidos na Amauta, e seis outras companhias com nomes tais como Condor Pacific Films e Nacional Films, que também realizaram longas, levando o período entre 1937 e 1940 a ser declarado como a "era de ouro" do cinema peruano. Talvez este seja um exagero, ao menos em termos de qualidade. Muitos filmes imitavam os melodramas e musicais argentinos e mexicanos, mas houve boas tentativas de realizar filmes costumbristas, que representassem a vida e o entretenimento creole locais, incluindo Gallo de Mi Galpón (1938).
Com a Segunda Guerra Mundial e as restrições comerciais e cotas estadunidenses, o cinema peruano quase desapareceu. Entre 1943 e 1956, basicamente, os únicos filmes realizados foram os cinejornais da Nacional Films, Leo Films e Productora Huascarán. Os anos 40 e 50 foram politicamente turbulentos. A Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), um partido de centro-esquerda, que havia sido suprimido nos anos 30, mas ajudou a eleger José Luis Bustamante y Rivero em 1945. Houve um golpe militar em 1948, depois do qual o novo presidente, General Manuel A. Odria, mudou de uma direita severa a uma postura mais populista e permitiu eleições em 1956. O patriarca conservador Manuel Prado y Ugarteche, que havia governado entre 1939 e 1945, foi reeleito.
Geograficamente, o Peru pode ser dividido em três regiões: a costa do Pacífico, colonizada por imigrantes europeus e dominada pela capital, Lima; a região montanhosa central andina, antigamente povoada pelos incas e onde hoje vivem populações indígenas que falam quíchua e aymara; e há ainda grandemente inexplorada região chuvosa de floresta amazônuica ao nordeste. Até a formação do Cineclube de Cuzco, em 1955, quase toda a produção cinematográfica peruana estava centrada em Lima. Hoje, a paisagem natural e a cultura e história dos povos indígenas se encontram finalmente representados no cinema. Inicialmente em documentários e posteriormente em longas ficcionais, incluindo Kukuli (1961) e Jarawi (1966), ambos falados em quíchua. Por volta desta época o escritor e diretor de teatro Armando Robles Godoy começou a realizar produções que eram estruturalmente "filmes de arte", mas advogavam a sustentabilidade das florestas úmidas tropicais e das culturas indígenas. Os filmes de Robles Godoy e aqueles do Cineclube de Cuzco foram os primeiros a serem percebidos fora do país, e enquanto um grupo eles permanecem um modelo positivo inicial para a representação dos nativos americanos, mesmo que possamos hoje compreender que suas abordagens eram negativamente "indigenistas", ao condescederem na romantização e exotização do povo e de suas práticas culturais.
Após outro período de turbulência política, Fernando Belaúnde Terry, liderando seu próprio Partido da Ação Popular, foi eleito em 1963. Ele construiu uma importante auto-estrada e inaugurou projetos de irrigação e hidrelétricos, mas além de iniciar um acordo de co-produção com o México e possivelmente estimular a difusão da televisão, que serviu de escola para novos trabalhadores de cinema, seu governo meramente proporcionou um ambiente liberal no qual a cultura cinematográfica prosperou. Jovens cinéfilos, sob a liderança de Isaac Léon Frías, fundaram uma importante revista de cinema, Hablemos de Cine, em 1965, mesmo ano em que a Cinemateca da Universidade foi inaugurada, ambas em Lima. Em 1968 houve um golpe militar; talvez surpreendentemente o novo governo, sob a égide do General Juan Velasco, nacionalizou as principais companhias e expropriou terras. De fato, uma nova lei de cinema (n. 19.327) foi apresentada em 1972 e introduzida em 1973, eliminando tarifas de importação sobre materiais e equipamentos cinematográficos, obrigando os cinemas a exibirem filmes peruanos e tributando as entradas a uma taxa de 40% para apoiar a produção cinematográfica local.
Inicialmente muito mais filmes documentais de uma variedade informacional e outros curtas foram realizados, que longas, e não antes de 1976-77 houve um verdadeiro revival do cinema de longa metragem ficional peruano, quando quatro longas foram realizados, três dos quais constituíram uma espécie de nova onda nacional: Los Perros Hambrientos (Os Cães Famintos), dirigido pelo veterano membro do Cineclube de Cuzco Luis Figueroa; Kuntur Wachana (Onde os Condores Nascem, 1977), dirigido por Federico García; e o primeiro longa dirigido por Francisco Lombardi, Muerte al Amañecer (1977), visto por meio milhão de pessoas no Peru. Comparados aos filmes anteriores peruanos, todos os três variam nos níveis de abordagem de questões políticas reais: Figueroa aborda a relação entre latifundiários e camponeses de um modo não romantizado, García apresenta as reformas da terra didaticamente, e Lombardi utiliza uma história verídica de pedofilia para criticar à classe dominante.
A democracia foi restaurada no Peru em 1980 com a eleição de Belaúnde Terry para um segundo mandato, mas a economia tropeçou, situação que foi piorada pelos padrões climáticos do El Niño, provocando vastas enchentes em algumas áreas do país e seca em outras em 1982-83. Acrescente-se a isso as guerrilhas marxistas do Sendero Luminoso ao longo dos anos 80 enfrentando os militares peruanos e facções rivais pelo controle dos campos, e o comércio de cocaína se desenvolvendo simultaneamente, causando grandes perturbações na vida das regiões do norte. Com a lei cinematográfica de 1973 obrigando a exibição de um curta peruano antes de um longa, a produção de curtas continuou a florescer, e alguns importantes filmes de longa-metragem, incluindo o épico histórico de grande orçamento Tupác Amaru (1984), dirigido por García, e co-produzido por Cuba, e dois filmes dirigidos por Lombardi, La Ciudad e los Perros (A Cidade e os Cachorros) e La Boca del Lobo (1988). Mas o desenvolvimento mais significativo no cinema peruano foi a formação e operação da produção e distribuição independente do grupo Chaski, inicialmente realizando documentários e posteriormente se lançando na produção de longas ficcionais com o docudrama em 16 mm Gregorio (1985), dirigido por Fernando Espinosa. Todas as produções do grupo foram motivadas por problemas sociais, e toda sua obra fincada na realidade.
Em 1985 a APRA finalmente venceu as eleições por si mesma, com Alan García como presidente. O Peru enfrentou inflação crônica e a moeda local teve de ser trocada. Duas vezes! Com o crescimento das atividades terroristas do Movimento Revolucionário Tupác Amaru (MRTA) e do Sendero Luminoso, assim como turbulência econômica, um novo governo foi eleito em 1990, com Alberto Fujimori como presidente. Apesar de Fujimori se debater com a inflação, ele achou por bem tomar o controle total em 1992, dissolvendo o congresso e temporariamente suspendendo as atividades das cortes. Uma nova lei do cinema que havia sido escrita em 1986 e nunca efetivada foi posta de molho e, em dezembro de 1992, a Lei de Promoção Cinematográfica de 1972 foi repelida. Em resposta, García, Robles Godoy, Fernando Espinosa e Marianne Eyde formaram a Sociedade de Produtores e Diretores Peruanos (SOCINE) para pressionar o governo. Os membros da SOCINE se uniram para avaliar o estado do cinema peruano desde 1972 e descobriram que nos últimos 18 anos 60 longas, 250 cinejornais e 890 curtas (160 de ficção, 30 de animação e 700 documentários) haviam sido realizados.
Dentre os filmes mais notáveis dos primórdios dos anos 90 estavam o drama prisional Alias 'la Gringa', de Alberto Durant e o controverso La Vida es una Sola de Marianne Eyde, que lidam com as operações do Sendero Luminoso e do exército, criticando severamente ambos. A bela direção de fotografia, com câmera na mão, de César Pérez e as fabulosas locações andinas de Rayopompa algumas vezes obscurecem a mão pesada da ficção, ainda que não haja dúvida que a representação dos povos indígenas habituais sendo pegos entre as atividades dos militares e rebeldes é autêntica. Como La Boca del Lobo, o filme de Eyde foi baseado em relatos das atrocidades cometidas por ambos os lados, em 1983.
Em 1994, a nova lei, n. 26. 370, a Lei Geral da Cinematografia Peruana, foi finalmente aprovada. Isto possibilitou o Conselho Nacional de Cinematografia (CONACINE) a ser criado, em 1995, para distribuir fundos de produção a cineastas de curtas e longas após concursos para os projetos cinematográficos. Ironicamente, quando a lei estava começando a ser implantada, a produção de longas metragens ficcionais peruanos havia praticamente cessado. Somente um filme foi lançado em 1994, Sn Compassion, de Lombardi, embora mais de 80 mil peruanos o tenham visto, tornando-se o oitavo maior sucessos nas bilheterias locais. Novamente em 1995, somente um filme peruano foi lançado, e em 1996 somente dois. O primeiro prêmio beneficiando longas ficcionais distribuiu fundos a três projetos em 1996, mas somente um destes foi realizado (em 1997), e pela primeira vez desde 1979, não houve filmes peruanos lançados em 1997. Ainda que alguns curtas continuassem a ser realizados, a nova lei não elaborou políticas para que fossem lançados no cinema. O CONACINE continuou a selecionar três projetos de longas ficcionais para financiamento em 1997 e 1998, mas com a continuada recessão no país, não houve fundos para competição em 1999. Novamente em 1995, somente um filme peruano foi lançado, e em 1996 somente dois
Três longas ficcionais foram lançados em 1999, incluindo Pantaléon e las Visitadoras (Pantaleão e as Visitadoras), baseado no romance de Mario Vargas Llosa, que facilmente se tornou o filme peruano de maior sucesso de todos os tempos quando liderou as bilheterias do ano. Conflitos entre os grupos insurgentes e as forças do governo e, em 1997, o chefe de segurança de Fujimori parece ter ordenado o assassinato de rebeldes capturados do MRTA. Depois disso, Fujimori parece ter forjado uma eleição para seu terceiro mandato, em 2000; posteriormente partiu para o Japão em auto-exílio. A despeito das turbulências e das severas restrições econômicas, o CONACINE escolheu três novos projetos de longas para financiar em 2001. Muitos novos cinemas foram construídos e o total de ingressos em 2002 foi de 11 milhões, a cifra mais alta em 15 anos. No entanto, a produção dos longas ficcionais permaneceu na média de três filmes por ano, mesmo seis tendo sido lançados em 2003. O ano seguinte testemunhou o lançamento do melhor filme peruano em mais de dez anos, Días de Santiago, estreia no longa-metragem de José Mendez, que não poupa esforços em retratar de forma realista a vida da classe trabalhadora contemporânea.
Em 2005, a CONACINE recebeu mais de 30 roteiros de cinema, a mais alta submissão por fundos, mas tendo somente três selecionados, os outros conseguiram fundos de co-produção da Ibermedia e outras agências estrangeiras para fazer-lhes saírem do papel. Na segunda metade da década a produção de longas ficcionais peruanos cresceu exponencialmente por conta do crescente número de produções filmadas digitalmente, envolvendo menores custos. Uma tendência positiva é que mais e mais realizadores estreantes estão tendo oportunidade de dirigir longas. Outra é o influxo de mulheres realizadoras. A ùltima categoria inclui Judith Vélez, com La Prueba; a baseada na Holanda, Heddy Honigmann, que retornou a Lima após 14 anos para realizar El Olvido, um retrato das pessoas que trabalharam nas cercanias do Palácio Presidencial e, mais significativamente, Claudia Llosa. Llosa teve um primeiro longa de bastante sucesso, Madeinusa, lançado em 2007, que muito sensacionalmente venceu o prêmio principal, o Urso de Ouro, e o prêmio FIPRESCI, no Festival de Berlim, com seu segundo longa, La Teta Asustada (A Teta Assustada), ambos os filmes lidando com a chegada à vida adulta de mulheres andinas.
A Teta Assustada foi o primeiro filme peruano a vencer um dos três mais importantes festivais de cinema no mundo. No entanto, outra realizadora peruana, Rosario García-Montero teve seu primeiro longa aceito em Berlim em 2011, Las Malas Intenciones, que interessantemente segue as aventuras de uma garota de nove anos da alta classe média bastante raivosa, Cayetana (Fátima Búntix), vivendo em Lima em 1980, que fantasia interações com heróis e vilões do passado do Peru. Enquanto produções de diretores estreantes, Paraiso, de Héctor Gálvez, participou do Festival de Veneza e venceu os prêmios dos críticos peruanos para Melhor Filme Peruano, em 2010, Octubre (Outubro, 2010), recebeu o Prêmio do Júri na mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes. Com estes sucessos recentes nos três principais festivais europeus, e com uma produção de longas ficcionais agora se aproximando dos dez filmes por ano, ao contrário de três, o futuro do cinema peruano parece radiante ver também ETNOGRÁFICO, CINEMA; EXPERIMENTAL, CINEMA; RAMIREZ, JUAN ALEJANDRO.
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