Filme do Dia: Os Tratoristas (1939), Ivan Pryev
Os Tratoristas (Traktoristy,
URSS, 1939). Direção Ivan Pyrev. Rot. Original Evegeniy. Fotografia Aleksandr
Galperin. Música Danill Pokras & Dmitri Pokras. Montagem Anna Kulganek.
Dir. de arte Vladimir Klapunovskiy. Com Marina Ladynina, Nikolai Kryuchkov,
Boris Andreyev, Stepan Kayukov, Pyotr Aleynikov, Vladimir Kolchin, Olga
Borovikova, R. Dneprova-Chajka.
Desmobilizado
da “Frente Oriental”, Klim (Kryuchkov) comenta para seus dois companheiros de
viagem, um casado, outro noivo, que não se encontra vinculado a ninguém, mas
possui uma grande admiração por uma tratorista de sua terra, Ucrânia, Maryana
(Ladynina). E é para lá que pretende voltar, não para Moscou ou Geórgia, como
os amigos o desejam respectivamente. Ao aproximar-se das cooperativas
ucranianas já se depara com Maryana, acidentada em sua moto e a leva para casa,
assumindo algumas de suas tarefas. Porém, Maryana, devido o intenso interesse
de entusiastas masculinos por ela, forjou um acordo com o amigo Nazar
(Andreyev) para se fazer passar por seu noivo. O líder do kolkhoz, Kirill
Petrovich (Kayukov), estranha seu interesse por uma liderança de grupo não tão
destacada, e que virá a ser substituído, por Petrovich, pelo próprio Klim.
Este, no entanto, tenta abandonar o kolkhoz e partir para a cidade vizinha,
quando descobre que Maryana se encontraria noiva.
Pyrev,
quando não se encontrava vinculado a adaptações (a exemplo de O Idiota,
lançado duas décadas após este) parece se render plenamente ao filme de
propaganda associado à comédia musical (gênero prolífico e popular na União
Soviética de então, como abordado no documentário Assim Dançou o Comunismo).
Embora raras vezes ocorra o proselitismo mais explícito nas falas, o contexto
mais amplo é o das maravilhas da economia, e do crescimento da nação a partir
de grupos repletos de amor pelo trabalho, pela nação e entre si. Porém, no miúdo, quando o político vem a ser
discutido na reunião do comitê, chamado pelo líder do mesmo, após observar a
efusividade de todo o grupo, a respeito da declaração de noivado de Nazar para
Maryana, um fade o interrompe estrategicamente para a cena seguinte, na
qual se retorna ao...pessoal: conselhos do líder para que Maryana não se una a
Nazar. Há uma condescendência excessiva em relação a postura de tudo e todos e
se Maryana é um exemplo de Nova Mulher, virtuosa em produtividade e vestindo um
macacão e boné, ao ponto de ser
confundida com um rapaz por Klim em um primeiro contato, não se deve confundir
tal postura com ausência de feminilidade; rapidamente, uma convenção também
ocidental, essa aflora quando se sente verdadeiramente interessada por um
homem, e uma empatia passa a se sobrepor a dureza entrevista antes. Sua fama é tão demarcada, ao ponto de Klim
não conhece-la pessoalmente, mas já se encontrar apaixonado por ela, o resto
ficando por conta das licenças poéticas do gênero, ao encontra-la de imediato,
com o verossímil sendo seletivo, pois quando ela lhe indaga se conheceu o irmão
na frente de batalha oriental, Klim lhe diz que são muitos combatentes e não
teria como. Enquanto as características positivas dos pares dos musicais
ocidentais se vinculam a perícia da dança ou ao charme da conquista, além dos
atributos pretensamente estéticos, aqui somam-se a estes – Klim seria um exímio
dançarino, e convence os seus subordinados após um número musical, enquanto as
mulheres suspiram por ele quando tem em suas mãos um acordeom, a cantar sobre
suas aventuras “orientais” – uma virtuosidade no trabalho a fazer par com a de
sua amada, ela produzindo, ele como engenheiro; a excluir por seleção natural,
a terceira ponta, aliás falsa, do triângulo, indo contra os ditames marxianos
de “de cada qual segundo sua capacidade; a cada qual segundo suas
necessidades”. E Nazar será tocado pela expertise de Klim, que o transformará
de preguiçoso e negativo em um operário do campo padrão. Porém há limites para
a identidade entre produtividade e liderança e ascensão na hierarquia, pois se
indaga por qual motivo Klim não teria usurpado o posto do falastrão e pouco
ágil líder Petrovich, com quem troca um beijo ao final, o que não flagramos
fazê-lo sequer com sua recém-esposa? Talvez por ele representar algo mais
próximo do real e não se poderia dar asas demasiadas aos subordinados? Quem assisti-lo ficará com impressão do
campesinato ucraniano nada dissimilar dos moradores da favela do Rio em Orfeu do Carnaval, ambos vivendo o paraíso na terra, com o diferencial das músicas do
filme de Camus serem de longe mais interessantes. A cantilena de propaganda é
sobretudo militarista, e traz uma previsão cumprida. A de derrotarem os alemães
como na I Guerra Mundial, na II que ainda apenas se delineia. E as invectivas
infelizmente não se resumem às palavras, na analogia entre tratores e tanques,
seguidas de várias imagens de arquivo aceleradas de tanques, recurso
anteriormente utilizado em relação aos tratores. Antes houvesse ficado em sua
insípida trama amorosa. Difícil engolir o número musical-marcial nos tratores,
fazendo as vezes de tanques, e numa letra triunfalista-bélica. Parodiado em
1991, por Tratoristas 2. |Mosfilm. 86 minutos.
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