Filme do Dia: A Fortuna é Mulher (1957), Sidney Gilliat
A Fortuna é
Mulher (Fortune Is a Woman, Reino
Unido/EUA, 1957). Direção: Sidney Gilliat. Rot. Adaptado: Sidney Gilliat, Frank
Launder & Val Valentine, a partir do romance de Wisnton Graham. Fotografia:
Gerald Gibbs. Música: William Alwyn.
Montagem: Geoffrey Foot. Dir. de arte: Wilfred Shingleton. Figurinos: Anthony
Mendleson. Com: Jack Hawkins, Arlene Dahl, Dennis Price, Violet Farebrother,
Ian Hunter, Malcolm Keen, Geoffrey Keen, Patrick Holt, Greta Gynt, John Phillips,
Christopher Lee, Patricia Marmont.
Trabalhando
para uma companhia de seguros Oliver vai até a mansão dos Moreton, e se depara
com um amor do passado, Sarah (Dahl), da época em que viveram em Hong Kong,
ninguém menos que a esposa do dono da casa, Tracey (Price). Ele tenta uma
aproximação, negada por Sarah. Porém, tempos depois, Tracey tem uma crise forte
de asma e pede que Oliver leve Sarah ao teatro, em seu lugar. À saída do
teatro, Sarah se molha, e Oliver a leva para casa, onde voltam a vivenciar o
seu amor. Oliver será testemunha ocular do cadáver de Tracey, em meio a mansão
que começa a pegar fogo. Ele percebe que há mais alguém na edificação, mas não
consegue descobrir quem. Unido a Sarah, com quem se casa, o passado se torna um
empecilho para a felicidade de ambos, sendo evidentemente suspeitos de
envolvimento na morte de Tracey e no resgate das 30 mil libras deixadas por
esse.
Curiosamente,
quando a câmera que se paralisa sobre um quadro parece antecipar o clichê da
imagem da pintura se transformando em seu equivalente “real”, para que
adentremos de vez no universo ficcional sem mais delongas, algo ainda mais
credível quando se observa o herói acordando assutado de um pesadelo em sua
cama, aí então é que emergem os créditos. O tema musical parece apropriado ao
prólogo pré-creditos e não a banal cena de acordar, acompanhada logo após pela
voz over de Hawkins. Gilliat tira partido da força dos olhares (nada discretos)
do cinema de então. Percebe-se de cara que houve algum tipo de envolvimento de
Oliver com Sarah no passado e que essa não deseja que ele permaneça para
jantar, quando convidado, seus olhos praticamente falando nesse sentido. Em
vão, embora sua mensagem tenha sido plenamente captada. Desnecessário dizer que a forma como Oliver
adentra os aposentos alheios é herdeira de um clássico do noir do outro
lado do Atlântico, Pacto de Sangue (1944),
de Billy Wilder, com outro corretor de seguros no papel principal
masculino. Se na representação dos
costumes parece mais avançado que os noirs em que se inspira, e talvez até
mesmo dos seus contemporâneos norte-americanos à época (que o diga a figura
lasciva e oferecida de Vere, que não se escusa em tascar um beijo na boca de
Oliver na noite em que comemora seu casamento com um tipo pacato e avoado) e se
a trama ainda é mais sofisticada que muitos daqueles, sofisticada inclusive ao
abdicar de grandes efeitos envolvendo corridas, perseguições, tiros ou murros
(aqui apenas um é desferido em todo o filme), perde-se no aspecto da construção
visual. Falta uma encenação mais vibrante para um enredo e interpretações do
elenco que criam um clima de paranoia tão intenso que, a determinado momento,
pode-se até desconfiar do próprio Oliver, mesmo tendo testemunhado sua presença
enquanto observador da morte do obstáculo para que saia do mundo ressentido e
solitário dos solteiros – solteiros de idade provecta, diga-se de passagem.
Arlene Dahl explora com sucesso a efígie ambígua da feminilidade (será ela
sincera ou uma farsa e a responsável pela morte do próprio marido? Entregará o
título já sua verdadeira face?). Somada ao mistério insondável do rosto
feminino (que o contemporâneo Um Corpo Que Cai soube tão bem explorar), constrói-se uma variação mais que
interessante sobre a culpa pós-crime do casal principal, quando, a determinado
momento, praticamente se torna eles contra a sociedade. Christopher Lee, que por
esses anos ganharia a fama que praticamente o restringiria ao universo dos
filmes de horror de baixo orçamento da Hammer, faz um pequeno papel. É uma
pena, pois se o seu talento parece ir muito além do requerido nesses filmes, é
impossível não olharmos para si sem imaginarmos que, a qualquer momento,
mandíbulas proeminentes podem saltar de sua dentição e olhar mortiço. Também
conhecido como She Played with Fire,
seu título norte-americano. John Harvel Prod. para Columbia Pictures Corp. 95
minutos.
Comentários
Postar um comentário