Filme do Dia: Bodas de Ouro (1956) Tito Davison
Bodas de Ouro (Bodas de Oro, México, 1956). Direção:
Tito Davison. Rot. Adaptado: Tito Davison, Edmundo Báez & Julio Alejandro,
a partir do conto de Ernesto Cortázar & Fernando Galiana. Fotografia:
Agustín Martínez Solares. Música: Manuel Esperón. Montagem: Rafael Ceballos.
Dir. de arte: Jorge Fernández. Cenografia: Florencio Magallon. Com: Libertad
Lamarque, Arturo de Córdova, Martha Mijares, Carmelita González, Alejandro
Ciangherotti, Martha Mijares, José Elías Moreno, Lina Salomé, Luis Aragón.
No dia em que completam suas bodas de
ouro, o casal Carmencita (Lamarque) e António (Córdova) relembram os altos e
baixos pelos quais passaram em sua longa união. Do casamento, devidamente
“arranjado” por Carmen, cantora de vaudeville
por quem António se sente instantaneamente atraído, aproveitando-se do estado
de embriaguez dele no dia que o levou para sua casa, passando pela morte
trágica de um dos filhos e pela perda da fortuna de António no jogo, que o leva
a uma empreitada no mundo da ilegalidade, até o flagra que Carmen dá num
encontro entre o marido e uma amante, separando-se dele com o consentimento dos
filhos, apenas para fazer com que o retorno se dê por pedido do mesmo, ao não
aguentar a tarefa de acumular as funções de pai e mãe da casa ao mesmo tempo.
Orgulhoso, António parece não ceder, após o primeiro encontro com Carmen, mesmo
com a encenação da filha de que havia sido humilhada pelo noivo que não mais
queria casar com ela, por ser filha de pais separados. Porém, um incêndio no
teatro em que Carmen se apresenta é testemunhado por ele que a salva da morte,
reestabelecendo a união do casal.
Tentando ficar mais fiel ao lema da
união na fortuna e na vicissitude que é apregoado no momento do casamento do
que a alguns preceitos dramáticos mais bem lapidados para a construção de uma
obra mais corente, o filme de Davison acaba fugindo dos protocolos da farsa,
bem delimitados desde o início em ao menos dois momentos, com uma intensidade
somente compreensível quando observada sob a ótica do melodrama mexicano. No
primeiro, e mais complicado deles, assiste-se ao episódio no qual Carmen perde
um filho enfermo, enquanto o marido perde a fortuna no jogo. A intensidade de pathos requerida pelo episódio, e
apresentada pelo filme, acaba soando um tanto deslocada com relação ao seu
todo. Algo que também é patente na necessidade de tragédia do incêndio ao
final, inclusive com a morte do amigo mais próximo, para selar um retorno do casal
que já era praticamente dado como certo. Nesse último caso, é pela mesmo lógica
do auto-sacríficio, de arriscar a própria vida para salvar a da amada, como já
fizera anteriormente o personagem, ao se redimir se tornando um contrabandista
e sendo, inclusive, condenado à morte e não pelos pequenos arranjos cômicos que
os filhos pretendem orquestrar para voltar a reunir o casal, marcando sua distinção com o equivalente
norte-americano, que o desfecho se efetua. A influência dos códigos associados
a matriz hollywoodiana encontra-se na emulação do gênero musical de cores
vibrantes e coreografias estereotipadas que evocam a relação entre os gêneros
masculino e feminino, chegando ao ponto de incorporar inclusive o preconceito
contra o negro de uma intensidade que já não mais se via na metrópole (e em
alguns casos, até pelo contrário, problematizava-se em filmes como Imitação da Vida, de poucos anos após);
nesse sentido vai o hediondo número musical em que os bailarinos fazem uma
apologia do café travestidos de negros, que segue Mulher Rendeira, que havia se tornado febre internacional após
incorporar a trilha de O Cangaceiro.
Ainda que o filme, em última instância, indubitavelmente reforce o chauvinismo
masculino marcado pela dupla moral que faz com que António se encontre dividido
ao ralhar contra o filho que corre atrás da empregada, apesar de sentir
intimamente regojizado pela continuidade de sua tradição viril, tampouco ele
deixa de matizar a figura de seu protótipo masculino, capaz de incorporar
modernidades como a de se fingir de modelo para que a filha prove o seu
vestido. Noutros momentos tal incorporação se faz de forma mais velada e talvez
igualmente intensa, por conta da própria Carmen (espraindo-se para o
espectador, mas não para o ingênuo António), que às escusas do recém-amado de
não ter agido como cavalheiro, após se descobrir na cama da mesma no dia
seguinte, recebe como resposta nada
menos que ele já havia demonstrado seu cavalheirismo, numa mais que evidente
alusão a noitada de sexo vivida por ambos, numa demonstração de autonomia do
desejo feminino – nem por isso desvinculado da misoginia do casamento arranjado
sem a consciência do noivo – de dar um nó numa mente anglo-saxã pouco dada às
ambiguidades do imaginário latino. Se a “muralha de Jericó” do célebre Aconteceu Naquela Noite (1934), de
Capra, é erguida a todo momento em que Carmen se encontra indisposta contra o
marido, a constante distinção com relação a Hollywood se faz notar igualmente
na forma demasiado ousada com que assuntos tabus como o sexo são não apenas
referidos como apresentados, caso da
mordida na orelha de António por Carmen. Assim, a própria referência irônica ao
catolicismo desferida por Carmen ao sacramentar a inverossímil união do casal
parece mover para o terreno meramente figurativo a deferência com a simbologia
cristã que tem seu auge ao final, não fosse ela presente de forma mais
substancial nas próprias entrelinhas em que desejo e culpa, masculinidade e
misoginia se entrelaçam sem muita originalidade, ainda que a guerra entre os sexos
aqui apresentada tampouco se encontra destituída do charme trazido justamente
pelo diferencial apimentado mexicano. A dignidade é associada sobretudo com o
caráter privado, algo bem antenado com a lógica melodramática, justificando
assim que António se torne um contrabandista, única forma de conseguir
recuperar rapidamente uma fortuna que jamais o conseguiria pelo padrão do
trabalho formal, já que parece completamente destituído de qualquer habilidade
específica. Cinematográfica Filmex. 105 minutos.
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