O Dicionário Biográfico de Cinema#252: Lena Horne

 


Lena Horne (1917-2010), n. Brooklyn

A ironia final é quando o dia sombrio sobreveio (e Lena Horne não está mais viva ou perigosa), houve um clamor para tornar sua história de vida enquanto filme. Não seria difícil dramatizar. Pode-se apresentar o caso com Orson Welles, assim como seus esforços de estar "nos" filmes. E, naturalmente, você poderia ter as próprias gravações de Lena na trilha sonora. A voz saltando em você como um agressivo tigre na selva de Rousseau. E quem interpretaria Lena? De fato, quem? Quem possui a tristeza e a sensualidade, a classe e a maldade, a dicção de gelar o sangue e o instinto assassino? O café e o chocolate? Seria Lena Horne adocicada?

Houve um sonho, por volta de 2003, com Alicia Keys no papel. Mas a ABC disse preferirem Janet Jackson e este pensamento pesado foi levado a um intervalo da Super Bowl e um lampejo de ação. Nisso, a própria Sra. Horne - imperiosa como sempre - sufocou a empreitada. Possuía 92 anos ao final, e não via muito, mas se conhecia a amargura imperecível - Por que diabos eles pensam que podem buscar outra pessoa agora?

Ao final dos anos 30 poucas coisas eram evidentes: Lena Horne era tão boa cantora quanto possível; era também surpreendentemente bela; mas foi barrada de tudo no cinema a não ser como aparições breves enquanto curiosidade. Ainda não sabemos se poderia ter atuado. Mas sabemos que em sua maturidade era quase impossível escrever um papel para ela. Na verdade, estrelou em The Duke Is Tops (38, William L. Nolte), um filme feito para cinemas frequentados por negros e filmado em dez dias, onde ela era uma cantora descoberta. Não surpreendentemente, sua atuação estava aquém de sua voz - e o filme nada tem a ver com Duke Ellington!

Mas a MGM se excitou o suficiente para pô-la sob contrato. Para dar-lhes o que lhes era devido, lançaram seus discos e lhe deram um papel de fato em Cabin in the Sky [Uma Cabana no Céu] (43, Vincente Minnelli), onde canta "Honey in the Honeycomb", mas senta em um assento atrás de Ethel Waters (que a odiava). Em Stormy Weather [Tempestade de Ritmo] (43, Andrew L. Stone), cantou a canção-título e tentava ter um caso com Bill "Bojangles" Robinson. Nesse momento, necessitava de gênio (e a candidatura a um linchamento) torná-la uma das irmãs Smith em Meet Me in St. Louis [Agora Seremos Felizes]. Foi terrivelmente injusto, e cruel e estúpido, mas dificilmente uma surpresa.

Que qualquer pessoa com gosto gostasse de Lena não há dúvida (apesar de ser irritadiça e difícil mesmo quando jovem). Assim lhe eram propiciados números nos musicais da Metro que seriam elididos quando o filme atingisse os circuitos sulistas: cantou "Jericho" and I Dood It [Muralhas de Jericó] (43, Minnelli); fez "Somebody Loves Me" em Broadway Rythm  [Viva a Folia!] (44, Roy Del Ruth); e em The Till Clouds Roll By [Quando as Nuvens Passam] (46, Richard Worf e Minnelli) fez "Can't Help Lovin' Dat Man", número de Julie LaVerne de Show Boat.

Este foi aparentemente seu maior tormento, o papel que pensava seria seu - porque, antes de tudo, Julie possui sangue mestiço. Na verdade, o estúdio queria Judy Garland para o papel e quando esta desabou,  substituíram por Ava Gardner (e lhe deram filmagens de Lena para estudar). Mas a excelente biografia de Horne de James Gavin torna claro que Horne nunca poderia ter tido o papel. O mesmo destino aconteceu aos pensamentos de Horne de fazer Pinky [O Que a Carne Herda], Uncle Tom's Cabin, ou de interpretar o papel vivido por Ruby Dee em The Tall Target [Conspiração] (51, Anthony Mann). E então, dentro de poucos anos, Dorothy Dandridge faria a transição. Portanto, quando os tempos eram horríveis, Horne não era a melhor amiga deles. Certamente poderia ter interpretado Carmen Jones. Igualmente, poderia ser a garota de língua esperta Prissy em Gone with the Wind [...E O Vento Levou], e feito deste filme outra coisa. 

Posteriormente, Horne trabalhou em apenas dois filmes: Death of a Gunfighter [Só Matando] (69, Allen Smithee - i.e., ninguém admitiria isso); e como Glinda em The Wiz [O Mágico Inesquecível] (78, Sidney Lumet), seu genro então. Suponhamos que pudesse atuar. Imagine Casablanca, se Lena aparecesse nos braços de Paul Henreid, e ninguém se desse o trabalho de perceber. Depois, tente se convencer da velha frase feita de que Casablanca é "sofisticado". 

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1264-66.

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