Filme do Dia: A História Oficial (1985), Luis Puenzo
A História Oficial (La
Historia Oficial, Argentina, 1985). Direção Luis Puenzo. Rot. Original Aída
Bortnik & Luis Puenzo. Fotografia Félix Monti. Música Atilio Stapone.
Montagem Juan Carlos Macías. Dir. de arte Abel Facello. Cenografia Adriana
Sforza. Figurinos Ticky García Estévez. Com: Norma Aleandro, Héctor Alterio,
Chunchuna Vilafañe, Hugo Arana, Guillermo Battaglia, Chela Ruíz, Patricio
Contreras, Maria Luisa Robledo, Analia Castro.
Alicia
(Aleandro) é uma professora de história que ensina adolescentes em um colégio.
Sua vida começa a virar de ponta-cabeça, quando recebe a visita de uma amiga,
Ana (Vilafañe), que em meio a uma noite de conversas divertidas e leves, lhe
revela sobre as torturas sistemáticas que sofreu da ditadura argentina. O tema
das crianças desaparecidas ou sequestradas e adotadas pelos próprios
torturadores, que se torna bastante presente em um momento que a sociedade
argentina se redemocratiza, faz-lhe
desconfiar que sua filha adotiva, Gaby (Castro), possa ser um destes casos.
Quando sonda com o marido, Roberto (Alterio), que enriqueceu ao contrário de
sua família de convicções à esquerda, sua reação irritada faz com que perceba
que se encontra na direção certa. Certo dia, surge diante dela Sara (Ruíz), uma
das avós da Praça de Maio, acreditando que Gaby possa ser sua neta. Mesmo
aflita com o temor de perder sua filha, Alicia pretende ir adiante com sua
investigação.
Há
muito que pode ser dito sobre este filme e muito provavelmente ficará de fora
desta resenha. Primeiro, um detalhe trivial,
mas nem tanto. O nome de Héctor Alterio surge diante da verdadeira
presença principal do filme, Norma Aleandro, quando ele só terá alguma cena de
relevância, breve que seja, aos 40 minutos de filme. O que há de mais óbvio, e
crítico, em relação ao filme é o “mito da inocência” encarnado sem peias na
figura de Alicia, vivida bravamente por Aleandro, e para o qual se busca o
anteparo psicológico da crença irrestrita no que os outros dizem, já que
mentiram durante anos sobre a morte de seus pais, o que estranhamente não lhe
provocou um efeito posterior inverso. E é a tomada de consciência, apanágio dos
filmes da vanguarda russa muda, que aqui é tratada. Por mais inverossímil que
seja, é fácil compreender o arranjo feito, pois o filme foi realizado ainda no
calor do final da ditadura – inclusive sofrendo ameças, dirigidas sobretudo à
família da atriz-mirim; para efeito comparativo nenhuma produção brasileira
faria algo similar, com exceção parcial de Pra Frente Brasil. E em um
momento no qual o país se encontrava tão polarizado provavelmente, quanto a
Itália de Roma: Cidade Aberta, que tampouco deixa de maquiar, ainda
mais, as cisões dentro da comunidade imaginada nacional. Mas até mesmo a
inocência de Alicia pode ser negociada na recepção do filme como uma camuflagem
daquele mesmo não saber que no fundo se sabe, que vale para quase tudo que é
socialmente considerado tabu à época. E
logo uma professora de história! Dramaticamente, no entanto, beneficia-se da
situação paradoxal de quanto mais investiga, mais Alicia sabe que está pondo em
risco sua estabilidade e, em última instância, a própria guarda da filha
adotiva. E seu casamento. Há falta de
sutileza em vários momentos, mas o pior nesse sentido é a cena em que um grupo
de crianças entra em um quarto como se fossem carrascos de militantes
esquerdistas, apavorando a pequena Gaby, como se a fazendo viver reviver o
imemorial trauma de seu passado. E, ainda mais, a que emerge o monstro
torturador do marido, próximo ao final. Cópia restaurada em 2015, com
colaboração do próprio Puenzo, que nem de longe conseguiria outro tento similar
em sua carreira. Se o roteiro pode ter seus furos, mesmo tendo sido indicado ao
prêmio da Academia, e mais que isso, haja controvérsias em sua representação
dos personagens envolvidos- o que não deixa de ter tido um potencial papel na
discussão de um momento histórico traumático para o país, a fotografia e
trabalho de câmera a cargo de Félix Monti são de uma virtuosidade irrepreensível,
sempre a serviço do enredo. Oscar de filme estrangeiro e talvez o filme mais
premiado de toda história da cinematografia argentina, recebendo Aleandro o
prêmio de atriz em Cannes.| Historias Cinematograficas Cinemania/Progresss
Comunications. 115 minutos.
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