Filme do Dia: A Fábrica de Nada (2017), Pedro Pinho

 


A Fábrica de Nada (Portugal, 2017). Direção: Pedro Pinho. Rot. Adaptado: Tiago Hespanha, Luisa Homem, Leonor Noivo & Pedro Pinho, partindo da ideia de Jorge Silva Melo. Fotografia: Vasco Viana. Montagem: José Edgar Feldman, Luisa Homem & Cláudia Rita Oliveira. Dir. de arte: Luisa Homem. Cenografia: João Calixto. Com: José Smith Vargas, Zé Pedro, Carla Galvão, Njamy Sebastião, Joaquim Bichana Martins, Danièle Incalcaterra, Hermínio Amaro, João Santos Lopes, Paulo Vitorino, Rui Ruivo, Arlino Miguel.

Grupo de operários se divide quando ficam sabendo que a fábrica de elevadores na qual trabalhavam está retirando as máquinas e traçando estratégias que apontam para uma proposta de acordos individuais vinculados ao desligamento da mesma. Com vários colegas aceitando os acordos, um grupo resiste, impede a chegada dos funcionários do alto escalão da mesma e decretam greve de ocupação no espaço. Um pesquisador do assunto se une ao grupo. É alentada a possibilidade de auto-sustentabilidade após meses de máquinas paradas, quando se recebe uma ligação da Argentina com novos pedidos de elevadores.

Pinho, em seu quarto longa, tendo dirigido dois documentários e uma ficção, parece mesclar as intensidades de cada modo narrativo nesse filme que tanto parece ser uma leitura dos valores trabalhistas no capitalismo tardio (distantes da destruição do maquinário do ludismo, os operários agora brigam pela permanência das mesmas) que nem precisava abdicar de sua proposta sério-dramática, algo próxima da dos Irmãos Dardenne, mas pontuada por longas explanações acadêmicas, ao incorporar igualmente tiques abertamente pós-modernistas em seu terço final. Infelizmente a incorporação de números musicais e de uma estéril autoreflexividade (se o acadêmico já demonstrara ser algo como uma espécie de articulador das situações, literalmente dirige o número musical “neorrealista” a determinado momento) soam menos bem vindas que dispersivas, diminuindo e não aumentando a potência do que havia sido exposto. Quase como se o diretor estivesse fazendo uso do acadêmico como uma espécie de alter-ego que colheria seus louros, a partir da aflição alheia, nos festivais de cinema, como o protagonista joga em sua cara, a determinado momento. Por sua vez, não parece haver maiores diálogos entre o mundo do trabalho e a esfera doméstica de seu protagonista, distanciamento talvez proposital. A determinado momento, em uma das falas mais tocantes do filme, alguém alude ao fato que é a diferença de classe, mais que a ideológica ou de gênero que é a mais enraizada na forma social que vivemos, já que as outras duas podem até ser imaginadas extintas mas essa não, num aceno para pautas reivindicatórias anteriores as que se tornaram destacadas com o culturalismo. Numa de suas melhores imagens, observamos um grupo de avestruzes a rodear o protagonista e seu colega. Se as imagens de destruição que abrem o filme e retornam próximo do final sugerem uma melancólica derrota do grupo de idealistas trabalhadores, suas últimas imagens são menos assertivas, apresentando o grupo a bater o ponto e ser observado, aparentemente, pela primeira vez lidando com o maquinário. Sua maior riqueza advém das diversas maneiras que expõe a melancolia de tempos que sobra pouco para que não for da elite ou de uma classe média capaz de consumir, sobretudo através de seus frequentes e longos embates dialógicos, mas também dos respiros em que se observa mais de perto a figura vivida por Smith Vargas, percebendo-se após certo tempo que a configuração coral do elenco é enganosa. Mesmo que se torne fácil imaginar um coletivo teatral encenando boa parte do que é observado em tela isso é menos demeritório que a aludida mudança de chave de um realismo de cunho mais próximo do documental para a aberta fantasia, à qual inclusive proporciona sua longeva extensão. Em última instância, um corajoso enfrentamento de situações potencialmente pouco convidativas para um público mais amplo, vinculadas a própria derrocada de um sistema, o do Bem Estar Social que, como alguém bem lembra, ruiu juntamente com o Muro de Berlim. Dedicada a uma experiência de autogestão realizada em uma fábrica de elevadores portuguesa, entre 1974 a 2016.Terratreme Filmes. 177 minutos.

 

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