Filme do Dia: Decisão de Partir (2022), Chan-wook Park
Decisão de Partir (Heojil Kyolshim,
Coreia do Sul, 2022). Direção Chan-wook Park. Rot. Original Chan-wook Park
& Seo-kyeong Jeong. Fotografia Kim Ji-Yong. Música
Jo Yeong-wook. Montagem Kim Sang-beom. Dir. de arte RYU Seong-hie. Com
Park Hae-il, Tang Wei, Lee Jung-hyun, Go Kyung-Pyo, Kim Shin-young, Jung Young
Soo, Yoo Seung-mok, Teo Yoo, Seo Hyun-woo.
Jang Hae-joon (Hae-il) é um detetive
de carreira brilhante e que passa a comandar as investigações sobre a morte de
um alpinista, envolvendo-se emocionalmente com a viúva do mesmo, Song (Wei).
Mesmo tendo Song, cuidadora de idosos,
sob forte suspeita, Hae-joon a inocenta e auxilia, inclusive, no
apagamento de várias pistas incriminadoras. Desalentado ao sucumbir em relação
a sua grande paixão pela profissional, muda-se para viver em um cidade
provinciana com a esposa (Jung-hyun). Pouco tempo depois, para sua grande
surpresa, reencontra Song por lá com um outro marido (Hyun-woo), também morto
em situação de violência. Jang é chamado para assumir o caso.
A releitura feita por Park do noir
é uma que leva algumas das situações daquele às suas últimas consequências,
incorporando fortes doses de humor e um diálogo igualmente com um realizador
não associado ao noir, o Hitchcock de Um Corpo que Cai. É a
figura desejante masculina diante das incertezas dilacerantes (e numa das
mensagens endereçadas a Song, não por acaso Jang faz uso do termo “dilacerado”)
do feminino. Será Song uma assassina compulsiva ou é verdade o que diz sobre a
mãe lhe ter pedido para morrer? Nutrirá de fato amor por ele ou apenas o
utiliza para seus propósitos torpes? O
filme trabalha com um rigor quase capitulesco, em termos machadianos, este
segundo, talvez o mais fundamental de todos, a desestruturar o sujeito (em um
modo que possui seus pontos de contato com O Anjo Azul), ao mesmo tempo
que paradoxalmente lhe proporciona o sono negado. Sua ambiguidade é tão bem
urdida, que de alguma maneira lastimamos quando a narrativa, em um de seus
poucos lapsos, afasta-se do ponto de vista do detetive, e proporciona acesso a
um choro sincero de Song consigo própria e não se dirigindo a ele. E sua
consideração, nada incomum nos relacionamentos, onde atesta o momento que Jang
teria deixado de amá-la, fazendo surgir o amor dela. Embora se esteja
fortemente fincado nos diálogos, e diálogos maravilhosos, transitando entre o
policial, o romanesco e o simplesmente trivial pós-modernista, e muitas vezes
longas cenas restritas aos mesmos, há também rompantes de ação, brutalidade e
imagens impactantes, mas talvez nada que se equipare a descrição sobre o
banquete dos insetos diante de um cadáver humano, enquanto Jang prepara o único
prato chinês que diz conhecer para Song, chinesa. A Quinta Sinfonia de Mahler,
para sempre identificada no cinema com Morte em Veneza, surge como o
tempo que Song subiria o íngreme pico do qual o marido dela cairá, embora volte
novamente a aparecer na banda sonora. Ao contrário do filme de Sternberg
citado, o incômodo gerado pela figura de mulher não provocará a degradação
social de uma figura até então respeitável. A situação é vivenciada no modo de
uma depressão introspectiva, sem a pressão ou dúvidas sobre sua atuação
profissional nos casos. Já no que diz
respeito a sua relação com o noir, há uma atualização da Femme fatale,
entre o cinismo e a vulnerabilidade, assim como
das reviravoltas rocambolescas deste, com direito a digressões de outros
crimes investigados por Jang e rompantes engenhosos discretos ou não, caso do
plano do alto do carro dos dois às margens de uma praia e cuja cena justificará
o título da película – embora, sob outra perspectiva, também fora a de Jang ao
mudar de cidade. Prêmio de direção em
Cannes. |CJ Ent./Moho Film. 139 minutos.
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