Filme do Dia: Amor Eterno (1925), Cecil B. DeMille

 


Amor Eterno (The Road to Yesterday, EUA, 1925). Direção Cecil B. DeMille. Rot. Adaptado Beulah Marie Dix, Howard Hawks & Jeanie Macpherson, a partir da peça de Evelyn Greenleaf Sutherland. Fotografia J. Peverell Marley. Montagem Anne Bauchens. Dir. de arte Anton Grot, Paul Iribe, Mitchell Leisen & Max Parker. Cenografia Mitchell Leisen, Clare West & Adrian. Com Joseph Schildkraut, Jetta Goudal, Vera Reynolds, William Boyd, Casson Ferguson, Julia Faye, Trixie Friganza, Clarence Burton, Josephine Norman, Charles West.

O casal Kenneth “Ken” Paulton (Schildkraut) e Malena (Goudal) vai passar sua lua-de-mel no Grand Canyon. Malena, atormentada por seus medos, não deixa o recém-marido se aproximar dela. O marido conhece um líder de escoteiros, o reverendo Jack Moreland (Boyd), que lhe incute a possibilidade da cura de seu braço adormecido nas mãos do divino. O jovem casal moderno Beth “Bess” Tyrell (Reynolds) e Adrian Thompkyns (Ferguson) tira no cara ou coroa se devem ou não casar. A volumosa tia de Beth, Harriet (Friganza),  chama o grupo para a excursão pelo Canyon. Beth tem seu chapéu de penas arremessado para uma árvore, por um dos aprendizes de arco e flecha de Jack. Um enlaço amoroso se inicia a partir do muito breve contato, para o desespero de Adrian. E que se descobrirá já ser centenário, talvez milenar. Beth rompe o noivado com ele e lhe devolve o anel. A cerimônia de casamento entre Ken e Malena. Uma das convidadas é Beth que comenta a respeito de como jamais esquecera Jack. Porém, ela descobre ele ser ministro, e sente-se constrangida e motivo de chacota em seu círculo de íntimos. Jack decide se retirar.  Ken, por sua vez, separa-se de Malena, após suas insistentes recusas em se relacionar com ele. Desiludida, Bess decide casar com o até então noivo, Adrian, e também pega o mesmo trem, no qual se encontram Ken e Malena. Um outro trem em alta velocidade se choca com o que eles se encontram. Eles são transportados para o século XVII, onde o arrogante Ken se vê obrigado a casar, por interesses pecuniários, com Bess, enquanto na verdade ama a cigana Malena, e Bess é fortemente amada pelo valente e pobre Jack. E vice-versa. Jack tenta livrar Bess das mãos de Ken. Quando ele anuncia publicamente seu casamento, Malena diz já ter sido casada com ele, e é escorraçada. Jack é torturado e já se encontra moribundo, enquanto Malena está sendo queimada na fogueira. Ken é esfaqueado pelo já quase morto Jack. Retorna-se às ferragens fumegantes dos trens.

Há algo de intensamente libertador em se assistir uma produção mainstream hollywoodiana de qualquer época e não se encontrar nenhum vestígio de reconhecimento de seu elenco como um todo, para não dizer, principalmente, de seus pares principais, que provavelmente não sobreviveram ao diabólico teste do tempo, nem de longe necessariamente justo. E que apenas tem já em seu décimo crédito, e último, a figura de alguém que trabalhou na prolífica trupe de Griffith, nos primórdios do cinema narrativo. E mesmo de um outro que já se viu como ator principal em um longa não há qualquer vestígio de memória de si ou de sua interpretação. A posteridade seria mais generosa com dois nomes do outro lado da câmera e talentosos cineastas posteriormente (Howard Hawks, Mitchell Leisen). Schildkraut seria uma tentativa de galã assemelhado, porém mais másculo que Valentino, então em seu auge. O prosaico motivo da ausência de estrelas é que se trata do primeiro longa de DeMille em seu próprio estúdio, e nenhuma estrela estabelecida trocaria o certo pelo duvidoso. Os títulos brasileiro e original são uma aposta desafiadora ao início. O primeiro reserva um lugar à morte e o segundo uma viagem ao passado, sem necessidade de túnel do tempo? Ou com, já que o filme é indexado no IMDB como fantasia também? Infelizmente a trama no Canyon se esgota com meia hora de filme e somos transportados a um universo elegante mais convenientemente (para os produtores) filmado em estúdio. Terá Buñuel assistido e incorporado, a seu modo, em Um Cão Andaluz, o rompante do marido que quebra a porta, não sabendo lidar com a negativa da esposa em não abri-la? Há momentos em que a disposição de seu corpo, filmado em silhueta, é muito próximo de um homem alucinado que irá tentar achacar a moça no célebre curta.  Há inesperados toques cômicos em meio ao drama-romance-fantasia com o qual é rotulado ao todo pelo mesmo IMDB. É o caso da cena em que Beth, capturada, clama por Jack – nada difícil de se perceber por uma leitura labial básica – de que se fosse homem, ele iria salvá-la, ao que ele replica que “se fosse quatro homens” o faria, pois luta contra quatro mosqueteiros, antes de atravessar uma janela de vidro nitidamente de plástico ou outro material não cortante e sumir. Isto já se dá com um ainda mais disruptivo corte para um medonhamente desnecessário ambiente de torres, mosqueteiros e vil nobreza. Seu cansativo espalhafato, com cenários grandiloquentes simulando inatingível pé direito é uma demonstração de atração por uma visualidade que não consegue gestar no plano formal das imagens. Há um evangelismo pueril, quando Ken, deixa de ser “I’m just Ken” e se transforma, invocando Deus, numa espécie de Hulk, salvando Malena, mesclado com espiritismo, na evocação de almas gêmeas de outra encarnação do outro casal, Jack e Beth. Seu nível de rocambolesco chega ao extremo shakespeariano de seus dois galãs mortos, ao menos no núcleo histórico. O porquê desta passagem para o passado (do ponto de vista de Bess) e o seu retorno não são exatamente explicáveis. Que não seja o de explicitar uma espécie de comprovação das encarnações anteriores. É difícil chegar até o fim desta produção, após tantos rebaixamentos, da história no Grand Canyon ao da elite decadentista e desta para o alucinatório mundo da corte.|DeMille Pictures Corporation para Producers Distributing Corps. 125 minutos.

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