O Dicionário Biográfico de Cinema#180: Steven Spielberg
Steven Spielberg, n. Cincinnati, Ohio, 1947
1971: Duel [Encurralado]. 1974: The Sugarland Express [A Louca Escapada]. 1975: Jaws [Tubarão]. 1977: Close Encounters of the Third Kind [Contatos Imediatos do Terceiro Grau]. 1979: 1941 [1941: Uma Guerra Muito Louca]. 1981: Raiders of the Lost Ark [Os Caçadores da Arca Perdida]. 1982: E.T., the Extra-Terrestrial [E.T.: O Extraterrestre]. 1983: um episódio de Twilight Zone - the Movie [No Limite da Realidade]. 1984: Indiana Jones and the Temple of the Doom [Indiana Jones e o Templo da Perdição]. 1985: The Color Purple [A Cor Púrpura]. 1987: Empire of the Sun [Império do Sol]. 1989: Always [Além da Eternidade]; Indiana Jones and the Last Crusade [Indiana Jones e a Última Cruzada]. 1991: Hook [Hook, a Volta do Capitão Gancho]. 1993: Jurassic Park [Parque dos Dinossauros]; Schindler's List [A Lista de Schindler]. 1997: The Lost World [O Mundo Perdido: Jurassic Park]; Amistad. 1998: Saving Private Ryan [O Resgate do Soldado Ryan]. 2001: A.I. [A.I.: Inteligência Artificial]. 2002: Minority Report [Minority Report: A Nova Lei]; Catch Me If You Can [Prenda-me se For Capaz]. 2004: Terminal [O Terminal]. 2005: War of the Worlds [Guerra dos Mundos]; Munich [Munique]. 2008: Indiana Jones and the Kingdom of Crystal Skull [Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal]. 2011: The Adventures of Tintin [As Aventuras de Tintin]; War Horse [Cavalo de Guerra]. 2012: Lincoln.
Schindler faz potes e panelas; e então compra as vidas dos judeus que, de outra forma, morreriam nos campos. Os números são precisos - como em qualquer negócio sério. E assim, em um único ano, 1993, Steven Spielberg entregou às telas Parque dos Dinossauros e A Lista de Schindler, louça esmaltada e carne humana, se você preferir. Parque dos Dinossauros, parece-me, foi de má qualidade, tolo no enredo e nos personagens, e quase imediatamente esquecível. Foi também, por um momento, a maior receita de cinema de todos os tempos por um curto período; os números são precisos, embora ainda estejam crescendo. Parque dos Dinossauros é um soberbo golpe de produtor, de acordo com o princípio "mostre-me algo que ainda não vi." E na sua revelação compreensiva natural, parecida com filme, fluência pelo irreal, coisas não nascidas que podem se provar mais influentes que qualquer filme desde The Jazz Singer [O Cantor de Jazz].
A Lista de Schindler é o filme mais comovente que jamais assisti. O que não quer dizer que seja ausente de falhas. Pegando somente um ponto: a vermelhidão do casaco de uma garotinha em um filme em preto e branco me impressiona como um erro, e um signo de quão calculista Spielberg é enquanto diretor. O calculismo se revela por si próprio nestes poucos erros que escapam. Não acredito realmente em Spielberg enquanto artista: não acredito que haja muito espírito ou dúvida nele, ou aquela confiança sincera no significado orgânico do estilo. Mas A Lista de Schindler é como um terremoto no cultivo de jardins. E ajuda a persuadir este espectador que o cinema - ou o cinema americano - não é lugar para artistas. Ele é um lugar para produtores, homens de espetáculo, e Schindlers. O mais próximo que A Lista de Schindler chega de ser arte é ajudando Spielberg a voltar a manter o casaco de sua própria natureza misteriosa, brilhante e atuante. O filme opera tão bem, porque ele é Schindler, e 1993 foi seu 1944.
A partir de meados dos anos 70, há uma sabedoria aceita que Spielberg foi o mecânico aprendiz enquanto diretor de cinema. Ele cresceu do interesse em carros e caminhões em seus primeiros dois filmes; um tubarão motorizado no terceiro; e alguns dos mais elaborados efeitos especiais jamais realizados em Contatos Imediatos. Até o próprio Spielberg reconheceu a proeminência das peças artesanais em seus filmes, e olhou em direção a filmes menores, mais intimistas e, por implicação, mais humanos. Não há nada de se envergonhar, mesmo se ele proferiu a lamentável homilia da indústria, de apreciar "ideias cinematográficas que possam caber em suas mãos" - tão opostas àquelas que habitam sua mente.
A rivalidade entre carro e caminhão em Encurralado é uma vívida alegoria do homem comum enfretando uma ameaça de terror e destruição. As colunas motorizadas de A Louca Escapada nunca obscurecem as emoções frenéticas de uma mãe caipira cega por tudo, menos preservar sua criança. O tubarão mecânico nas mãos de Spielberg foi uma versão engenhosa do caminhão de Encurralado, e os meios para uma autêntica pop art de Moby Dick. E Contatos Imediatos foi uma impecável maravilha, tal que parece ser o primeiro filme jamais realizado. Seus efeitos de laboratório e seus modelos são todos aproveitados em uma incomum estrutura de enredo, uma visão de histórias pessoais que é um detalhe notável para os filmes americanos, mas nunca fria, e uma espécie de temor inquisidor pelo desconhecido que transcende a paranoia e o melodrama tão disseminados na ficção científica. Contatos Imediatos é um tributo à riqueza da imaginação do homem comum. A inevitável comparação de Star Wars [Guerra nas Estrelas] e Contatos Imediatos revela Lucas enquanto uma realizador de brinquedos, e Spielberg como uma explorador admirado do poder da mente.
Filho de um engenheiro elétrico e especialista em computação, Spielberg começou realizando filmes de 8 mm na escola com a câmera de seu pai. Nesta época vivia em Phoenix, Arizona, e aprendeu e comandou o hobby de seu pai. Firelight foi um épico de vinte e uma horas, segundo seu realizador, antecipando alguns dos temas e das imagens levados a fruição em Contatos Imediatos. Formou-se em inglês no California State College, Long Beach, mas estava sempre trabalhando no cinema. Amblin' foi um curta que ganhou prêmios e mereceu um lançamento junto com Love Story [Love Story: Uma História de Amor] - evidências precoces da habilidade de Spielberg em unir boa sorte e perspicácia comercial.
Moveu-se para a TV e rapidamente ganhou a reputação de um diretor eficiente, à altura das necessidades da TV. Trabalhou no piloto de Night Gallery [Galeria do Terror], e contribuiu com episódios para Columbo, Marcus Welby, The Name of the Game [Os Audaciosos], The Psychiatrist, e Owen Marshall. Nesta base, realizou Encurralado como o filme da semana para a ABC. Seu impacto foi tal, que ganhou lançamento nos cinemas fora dos Estados Unidos. Merecidamente, pois se destaca como uma das mais atrativas espirais do mundo do suspense. A simplicidade do personagem de Dennis Weaver e a maldade monstruosa do caminhão se confrontam um ao outro com uma assertividade narrativa que nunca busca nos lembrar do elemento da fábula. O final não é satisfatório, em parte por conta do resto do filme ser tão centrado no momento, mas também porque a pura habilidade precisava de mais filosofia para uma resolução adequada.
A Louca Escapada é outro épico de estrada - rouco, febril, e baseado em um incidente real. O que torna sua busca e jornada tão tocante é o tratamento dos personagens principais. Eles não são autoconscientes, cultos ou estereótipos, e o filme nunca os trata de forma paternalista. A esposa de Goldie Hawn é uma mulher vibrante e desleixada, um afastamento considerável da distinção social que geralmente encapsula as mulheres hollywoodianas. Ela é genuinamente vulgar, mas nunca é satirizada por conta disso.
Tubarão é o filme mais antiquado de Spielberg, e numa ocasião que se encontrava sobre maior pressão comercial. Mas, como Coppola em The Godfather [O Poderoso Chefão], Spielberg afirmou seu próprio papel e organizou habilmente os elementos do entretenimento de parque de diversões sem sacrificar sentidos interiores. O suspense do filme adveio da técnica meticulosa e bom humor sobre sua própria montagem cirúrgica. Você somente precisa se submeter a imitação grotesca de Jaws 2 [Tubarão 2] para se dar conta de quão muito mais engajadamente Spielberg observa o oceano, os perigos e a sinistra beleza do tubarão, e a vitalidade de seus oponentes humanos. O terror de seus filmes é saudável e catártico porque sua fé no desconhecido é tão generosa e sensível, e sua confiança na ingenuidade e coragem simples do homem tão precisa.
Contatos Imediatos é tão próximo de uma experiência mística quanto um blockbuster possa ser, mas é um misticismo do senso comum. Não acredito que Spielberg creia em UFOs ou respostas específicas do universo. Mas acredita na visão do homem e na determinação que confia na sua experiência mais que nas versões oficiais da verdade. O personagem de Dreyfuss não é um fanático; ele é outro homem comum cuja vida é interrompida pelo que acredita. O modo como sua vida doméstica é violada pela obsessividade crescente dá ao filme um aroma surrealista. Porém os personagens são menores que os acontecimentos que os inspiram. E a pequenez nunca os diminui. Não há violência há oprimi-los, somente um convite aos píncaros da fantasia. O filme pode ter sido ingênuo e sentimental -e foi inspirado por Disney - mas Spielberg nunca abre mão de sua praticidade e de seu olho para o detalhe cotidiano. E é extraordinário que um filme tão grande e popular tivesse um fio dramático tão tênue, e que ao casamento central fosse permitido o rompimento sem desculpas, adultério ou promessa de nova união. E é a essência da atitude de Spielberg que, quando Dreyfuss e Melinda Dillon se abraçem, não o seja como amantes reunidos pela trama, mas como companheiros crédulos.
À primeira impressão, o Spielberg dos anos 80 aparenta mais um empresário - ou mesmo um estúdio - que um diretor. Ainda que tenha dirigido sete filmes na década, incluindo a trilogia Indiana Jones, o fênomeno de E.T. e O Império do Sol (uma bela obra, bastante explicada por A Lista de Schindler), uma adaptação de um livro de J.G. Ballard sobre infância em Xangai, após a invasão japonesa. Império do Sol se encontra entre os fracassos de bilheteria de Spielberg. No entanto, combina a vida de uma criança, com momentos do universo dos adultos de uma forma escassamente tentadas em seus outros filmes. Tão ocupado, tão empreendedor, Spielberg ainda teve tempo para pisar em três filmes ruins - A Cor Púrpura, Além da Eternidade e Hook, a Volta do Capitão Gancho (advertência suficiente para qualquer crítico que parecia pronto a categorizar Spielberg como o mestre do controle e das forças do mercado).
Ao mesmo tempo tornou-se um incansável mestre de muitas cerimônias, e muitas delas simultaneamente. Mesmo E.T. se sente calculado - para estes olhos, não é tão inspirado ou involuntário quanto o prodigioso Poltergeist [Poltergeist - O Fenômeno] (82, Tobe Hooper), do qual Spielberg foi produtor, autor do argumento e refilmador. Alguns defendem que Hook foi pessoal; achei-o sentimental, espalhafatoso e mal calculado. Pode ser que o julgamento de Spielberg abafe os vestígios de expressão pessoal que ele pode reunir? Ou é mais verdadeiramente ele próprio quando satisfaz um público amplo? É um tipo de magnata que poucos podem compreender. Fez coisas surpreendentes; tornou-se vital para o negócio. E como Schindler, fez a todos nós pensar profundamente sobre a natureza do negócio. Como diretor, tirou férias depois de 1993 - e então voltou com um novo e aperfeiçoado Parque dos Dinossauros, Amistad e O Resgate do Soldado Ryan, todos no espaço de um par de anos. Ryan transformou os filmes de guerra: combate, choque, tiros e medo nunca haviam sido apresentados de forma tão gráfica; e, no entanto, há também um senso verdadeiro sobre o que deveres e ideias pareciam em 1944. Não gostei de como foi disposto o enquadramento. Havia admirado um diretor que nos ganhara confiança sem precisar disso. Não importa - Ryan é um filme magnífico. O que é muito mais do que eu poderia dizer de I.A., que me parece demasiado autoconsciente em seu pensamento. De fato, suspeito que, por todo o seu poder com a tecnologia futurista, a mente de Spielberg tenha sido forjada nos anos 40 ou 50. Houve tempos piores para crescer.
De qualquer jeito, a filmografia seria incompleta sem a lista de trabalhos que produziu: I Wanna Hold Your Hand [Febre de Juventude] (78, Robert Zemeckis); Used Cars [Carros Usados] (80, Zemeckis); Continental Divide [Brincou com Fogo...Acabou Fisgado!] (82, Michael Apted); Poltergeist - O Fenômeno; Gremlins (84, Joe Dante); Back to the Future [De Volta para o Futuro] (85, Zemeckis); The Goonies [Os Goonies] (85, Richard Donner); Young Sherlock Holmes [O Enigma da Pirâmide] (86, Barry Levinson); The Money Pit [Um Dia a Casa Cai] (86, Richard Benjamin); a animação An American Tail [Um Conto Americano] (86, Don Bluth); ...batteries not included [O Milagre Veio do Espaço] (87, Matthew Robbins); Innerspace [Viagem Insólita] (87, Dante); Who Framed Roger Rabbit? [Uma Cilada para Roger Rabbit] (88, Zemeckis); Back to the Future II [De Volta para o Futuro II] (89, Zemeckis); Dad [Meu Pai, Uma Lição de Vida (89, Gary David Goldberg); Joe Versus the Volcano [Joe Contra o Vulcão] (90, John Patrick Shanley); Arachnophobia [Aracnofobia] (90, Frank Marshall); Gremlins 2: The New Batch [Gremlins 2: A Nova Geração] (90); Back to the Future III [De Volta para o Futuro III] (90, Zemeckis); e An American Tail: Fievel Goest West [Fievel e o Novo Mundo 2: O Velho Oeste] (91, Phil Nibbelink e Simon Wells).
Em The Flinstones [Os Flinstones] (94, Brian Levant), foi creditado como Steven Spielrock; Twister (96, Jan De Bont); Men in Black [Homens de Preto] (97, Barry Sonnenfeld); Deep Impact [Impacto Profundo] (98, Mimi Leder); The Mask of Zorro [A Máscara do Zorro] (98, Martin Campbell); Shrek [01, Andrew Adamson e Vicky Jenson); Jurassic Park III (01, Joe Johnston); e a minissérie para a HBO Band of Brothers [Irmãos de Guerra] (01), no qual ele e Tom Hanks partiram de O Resgate do Soldado Ryan.
Na verdade, seu arco de produção se tornou ainda mais amplo com a formação da DreamWorks em 1995. Com o negócio (formado com Jeffrey Katzenberg e David Geffen), Spielberg era parte de um novo estúdio, envolvido em decisões de onde construir o espaço do estúdio, assim como cada projeto individual que levaram adiante. Então é mais uma medida do desumano - ou de um nível de performance para além da humanidade comum - sendo Spielberg também roteirista e diretor. Mais que tudo, manteve seu próprio nível de excelência por aproximadamente vinte e cinco anos. Nunca teve um fracasso significativo ou prolongado. Nos últimos anos, pode o ter costeado (na verdade O Terminal é mais ousado que Munique). Tintin e Cavalo de Guerra foram ambos caros e rasos, mas Lincoln foi uma façanha maior, não importa o quão foi temido previamente.
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2507-12.
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