Filme do Dia: Cabeça de Nêgo (2020), Déo Cardoso

 


Cabeça de Nêgo (Brasil, 2020). Direção e Rot. Original: Déo Cardoso. Fotografia: Roberto Iuri. Música: Hérlon Robson. Montagem: Guto Parente. Dir. de arte: Dayse Barreto. Figurinos: Thaís de Campos.  Com: Lucas Limeira, Nicoly da Silva Mota, José Ilton Rodrigues Neto, Jeff Pereira, Renan Pereira, Mateus Honori, Mayara Braga, Marta Aurélia, Jéssica Ellen, Hiroldo Serra, Clístenes Braga, Val Perré, Galba Nogueira, Vanéssia Gomes dos Santos, Acácio Montes da Costa.

Em um grupo escolar público de Fortaleza, um jovem,  Saulo (Limeira), torna-se pivô de toda uma série de acontecimentos que envolvem as condições precárias da escola, o corporativismo dos professores, a maior parte deles alinhados com o discurso do corrupto diretor da escola e representantes da mídia progressista e conservadora, que possuem tratamento diferenciado ao acesso do estabelecimento.

Mirando a situação política crescentemente conservadora vivenciada no país, desde quase o início da década anterior, consegue bom proveito dos atores amadores que vivenciam os alunos e ser relativamente envolvente em sua trama, embora seja grandemente prejudicado pelo maniqueísmo que  impregna seu tom de denúncia de colorações evocativas de um Sérgio Bianchi, guardadas as proporções, só que aqui vinculadas a um micro-tema e com heroísmo demarcado de um processo social que veio a ser denominado, algo equivocadamente, como de polarização ideológica. Se o tema inicial  que se parece propor é o do racismo, o inequívoco racismo estrutural que aponta no tratamento diferenciado que é sofrido por Saulo, e que vai se tornar fonte para sua postura de resistência contra as adversidades que enfrentará, tornar-se-a grandemente secundarizado pelas manifestações em torno da escola – por mais que boa parte dos pontos reivindicados sejam associados a questão racial, essa não parece emergir organicamente da narrativa; nesse sentido, faz bastante falta que se observe a relação da professora negra engajada com os alunos e a predisposição dos mesmos a questão. Assim, a narrativa parece se dar meio que por soluços, sem que haja pontes que efetuem ligações importantes, como a do quadro inicial que conspira contra o jovem herói, e sua decisão de se tornar resistente, filmando os vídeos que denunciarão a precariedade da escola. Tampouco se tem aqui um “contra-campo” eficaz, que apresente o envolvimento do restante da turma para com um colega que parecia se encontrar longe de alguma unanimidade no episódio envolvendo a discussão com um colega de classe ocorrida. Outros temas são vislumbrados apenas e não chegam a se desenvolver, como o que envolve o irmão morto e o gangster que anda armado, ameaçando Saulo de morte, que já fora expulso da escola, e que vem a ser lembrado pelo manifesto feito por esse, o que faz com que sua companheira o ponha contra o muro. Tal como nos filmes silenciosos da vanguarda soviética, há também aqueles que didaticamente percebem o seu papel de apoiadores da opressão até a “conscientização” emergir, após vislumbrarem a violência e a injustiça, como é o caso do porteiro negro, chamado pelos garotos, a determinado momento, de “capitão do mato”, em mais uma evocação possível de Bianchi (Quanto Vale ou é por Quilo). Destaque para as referências prioritariamente norte-americanas (Angela Davis, Martin Luther King, os Panteras Negras; Adélia Sampaio e Zózimo Bulbul, a quem o filme é dedicado, sequer são citados) do jovem Saulo e de sua mentora intelectual. Há uma alusão evidente a filial da TV Globo local, no nome da emissora de perfil conservador que, inclusive, dá um destaque demasiadamente detalhado do episódio. Pode ser comparado com o grandemente diverso, em termos de produção e estilo, mas que também apresenta um ensaio de revolução por um grupo de estudantes, Rebelião em Vila Rica (1958). Sua verve algo amadora e boa descrição naturalista da sala de aula, que infelizmente fica perdida no momento inicial pode ser um chamariz antecipado pelos realizadores ao público jovem e seu desfecho inconcluso, assim como evocação derrisória da política, uma evocação involuntária dos sombrios tempos que se seguiriam as brutais imagens de repressão às manifestações estudantis em cidades como Recife e São Paulo? Corte Seco Filmes. 86 minutos.

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