Guia Crítico de Diretores Japoneses#11: Kinji Fukasaku

 





FUKASAKU, Kinji

(3 de julho de 1930 - 12 de janeiro de 2003)

深作欣二

Um especialista em cinema de ação, do início dos anos 60 em diante, Fukasaku havia adquirido um perfil internacional dentro da indústria tão cedo quanto nos anos 70, tendo assumido o comando da metade japonesa da saga de Pearl Harbour Tora!Tora!Tora! (uma co-produção Toei-20th Century Fox) após Akira Kurosawa ter sido removido do projeto. Apesar de suas duas últimas ficções científicas serem co-produções - Uchū kara no messēji (Mensagem do Espaço, 1978) e Fukkatsu no Hi (Virus, 1980) - com elencos internacionais, ele ironicamente conquistou uma reputação entre as plateias internacionais somente no final de sua vida. Uma retrospectiva em Roterdã, em 2000, foi seguida por uma distribuição ampla de seu último longa, Batoru Rowaiaru (Batalha Real, 2000), que cortejou certa controvérsia no Japão, com sua história de uma classe de adolescentes impelidos a lutar até à morte, a partir de uma medida radical do governo de lidar com o crime juvenil. De fato, esta sátira selvagem foi atipicamente elaborada em sua concepção, comparadas aos filmes de gêneros, que constituem o grosso da obra de Fukasaku. Baseado em sua maior parte na Toei, nos anos 60 e 70, trabalhou primordialmente com filmes de Yakuza, distintos por suas ambientações no pós-guerra (ao contrário de filmes de Yakuza  da Toei das eras Edo e Meiji de colegas como Tai Katō) e pela urgência estilística que iria tipificar a especialidade da Toei dos anos 70, o jitsuroku-ega.

Fukasaku reconheceu a influência da Nouvelle Vague francesa, uma influência mais obviamente visível em Kyōkatsu koso ga Waga Jinsei (Blackmail is My Life, 1968), com seu uso de cortes abruptos e mudanças do preto-e-branco a cores, e na audaciosa estilização de Kurotokage (Black Lizard, 1968) e Kurobara no Yakata (Black Rose Mansion, 1969), veículos altamente kitsch para a estrela travesti Akihiro Miwa. De uma maneira geral, Fukasaku optou por um estilo hiperrealista, fazendo uso de câmera na mão e lentes zoom para dar ao seu trabalho a urgência das filmagens de cinejornais. Este estilo atingiu o apogeu em seu mais famoso filme de gangster Jingi naki Tatakai (Luta Sem Código de Honra, 1973), o primeiro de uma longa série, a qual Fukasaku dirigiu todos menos um. Aqui, uma meticulosa recriação da Hiroxima da era da ocupação, captura o zeitgeist pós-apocaliptíco e demonstra como o crime floresceu no quase vácuo político do Japão do pós-guerra.

O trauma da Segunda Guerra, geralmente um pano de fundo na obra de Fukasaku, foi o tema de seu melhor filme, Gunki Hatameku Moto Ni (Sob a Bandeira do Sol Nascente, 1972), uma investigação ao estilo de Rashomon, sob as circunstâncias de uma execução militar, reveladas em flashbacks, através dos diferentes relatos de quatro testemunhas. Livre das convenções do cinema de gênero, Fukasaku produziu uma análise subversiva de um tema tabu, e um reconhecimento que o registro histórico, marcado pelo testemunho pessoal parcial, é inevitavelmente não confiável. Outro politicamente consciente filme afastado dos gêneros foi Kimi ga Wakamono Nara (If You Were Young: Rage, 1970), no qual as experiências melancólicas de cinco trabalhadores em Tóquio foram utilizadas com alguma inteligência e plausibilidade, enquanto microcosmo dos problemas do proletariado japonês como um todo. No entanto, os admiradores de Fukasaku tendem a localizar uma ênfase excessiva em elementos de crítica social em seus filmes de gênero, da descrição da vida nos cortiços em filmes de início de carreira como Hakuchū no Buraikan (Greed in Broad Daylight, 1961) e Ōkami to Buta to Ningen (Wolves, Pigs and Men, 1964), à exposição da corrupção política em Blackmail is My Life, as associções implícitas da Yakuza com os pró-militaristas da extrema-direita em Nihon Bōryokudan: Kumichō (Japan Organized Crime Boss, 1969) e os vínculos explícitos entre a máfia e a polícia em Kenkei tai Soshiki Bōryoku (Policiais x Bandidos, 1975) e Yakuza no Hakaba: Kuchinashi no Hana (Yakuza Graveyard, 1976). Jasper Sharp e Tom Mes tem louvado o modo pelo qual os filmes de Yakuza de Fukasaku tem explorado o submundo sombrio do Japão da reconstrução do pós-guerra, mas a apresentação de pequenos criminosos como rebeldes heróicos contra o establishment, meramente sugerem uma preferência pela violência anárquica sobre a autoritária. Mesmo nos mais interessantes destes filmes, os efeitos de Fukasaku foram calculados para colocar ênfase sádica nos detalhes físicos dos banhos de sangue. Em Sob a Bandeira do Sol Nascente, os flashbacks monocromáticos se dissolvem em cores para apresentar os assassinatos de forma mais gráfica; planos congelados mantém membros decepados de perto em Luta Sem Código de Honra; e textos na tela registram os números de mortos em Batalha Real. A limitação da obra de Fukasaku foi nem tanto seus personagens não possuírem honra e humanidade, mas que o próprio diretor raramente adotou uma perspectiva moral compensadora em sua brutalidade.

Mesmo continuando a realizar intermitantemente thrillers criminais tais como Itsu ka Giragira suru Hi (Máxima Voltagem, 1992), até o final de sua carreira, Fukasaku também realizou jidai-geki em seus últimos anos. Alguns foram puramente comerciais: Satomi hakkenden (Legend of the Eight Samurai, 1983), consiste quase completamente de efeitos especiais e emoções geradas por ações, prestando pouca atenção à plausibilidade narrativa ou realidade histórica. Não obstante, o característico anti-autoritarismo de Fukasaku se tornou visível em obras como Yagyū Ichizoku no Inbō (A Conspiração do Clã Yagyu, 1978), que reescreve iconoclastamente a história, ao descrevere o assassinato fícticio do Shogun Iemitsu e Hissatsu 4: Urami Harashimasu (Sure Death: Revenge, 1987), que retrata o mau tratamento na era Edo dispensado aos moradores dos cortiços pelos samurais. Ainda que estes filmes sejam mais estilo que substância, granjearam a Fukasaku uma reputação de diretor comercial confiável, o que lhe possibilitou a liberdade de montar alguns projetos excêntricos como Kamata Kōshinkyoku (Fall Guy, 1982), uma sátira sobre a indústria de cinema, descrevendo a relação entre uma estrela arrogante e seu devotado dublê, e posteriormente Batalha Real. Morreu dirigindo uma sequencia a este filme; completado por seu filho Kenta, foi mau recebido pela crítica. Após anos de negligência, no entanto, a  reputação do próprio Fukasaku é hoje mais alta que a merecida.

1961 Fūraibō tantei: Akai tani no sangeki / The Drifting Detective: Tragedy of the Red Valley

 Fūraibō tantei: Misaki o wataru kuroi kaze / The Drifting Detective: Black Wind across the Cape 

Fankī hatto no kaidanji / Vigilante in the Funky Hat 

Fankī hatto no kaidanji: Nisenman-en no ude / Vigilante in the Funky Hat: The 20 Million Yen Arm 

Hakuchū no buraikan / Greed in Broad Daylight 

 1962 Hokori takaki chōsen / The Proud Challenge 

Gyangu tai G-men / Gang vs. G-Men

 1963 Gyangu dōmei / Gang Alliance 

1964 Jakoman to Tetsu / Jakoman and Tetsu 

Ōkami to buta to ningen / Wolves, Pigs and Men 

1966 Odoshi / Threat Kamikaze yarō: Mahiru no kettō / The Kamikaze Guy: Duel at High Noon 

Hokkai no abareryū / Exploding Dragon of the North Sea 

1967 Kaisanshiki / Dissolution Ceremony 

 1968 Bakuto kaisanshiki / Gamblers’ Dissolution Ceremony 

Kurotokage / The Black Lizard

 Kyōkatsu koso ga waga jinsei / Blackmail is My Life 

 Ganma 3-gō: Uchū daisakusen / The Green Slime

 1969 Kurobara no yakata / Black Rose Mansion 

Nihon bōryokudan: Kumichō / Japan Organized Crime Boss 

1970 Chizome no daimon / Bloody Coat of Arms 

Kimi ga wakamono nara / If You Were Young: Rage 

 Tora! Tora! Tora! (co-direção) 

1971 Bakuto gaijin butai / Gambler: Foreign Opposition 

 1972 Gunki hatameku moto ni / Sob a Bandeira do Sol Nascente

 Gendai yakuza: Hitokiri yota / Street Mobster

 Hitokiri yota: Kyōken sankyōdai / The Code of the Killer: Three Mad Dog Brothers 

1973 Jingi naki tatakai / Luta Sem Código de Honra

 Jingi naki tatakai: Hiroshima shitō hen / Battles without Honor and Humanity: Fight to the Death in Hiroshima 

Jingi naki tatakai: Dairi sensō / Battles without Honor and Humanity: Proxy War 

1974 Jingi naki tatakai: Chōjō sakusen / Battles without Honor and Humanity: Police Tactics

 Jingi naki tatakai: Kanketsu hen / Battles without Honor and Humanity: Final Episode

 Shin jingi naki tatakai / New Battles without Honor and Humanity 

1975 Jingi no hakaba / Graveyard of Honor 

Kenkei tai soshiki bōryoku / Policiais x Bandidos

 Shikingen gōdatsu / Theft of Capital 

Shin jingi naki tatakai: Kumichō no kubi / New Battles without Honor and Humanity: It’s Time to Kill the Boss 

1976 Bōsō panikku: Daigekitotsu / Violent Panic: The Big Crash 

Shin jingi naki tatakai: Kumichō saigo no hi / New Battles without Honor and Humanity: The Boss’s Final Day 

Yakuza no hakaba: Kuchinashi no hana / Yakuza Graveyard 

1977 Hokuriku dairi sensō / Hokuriku Proxy War

 Dōberuman deka / Detective Doberman 

1978 Yagyū ichizoku no inbō / A Conspiração do Clã Yagiū 

 Uchū kara no messēji / Mensagem do Espaço

Akō-jō danzetsu / The Fall of Ako Castle 

1980 Fukkatsu no hi / Virus  

 1981 Seishun no mon / The Gate of Youth (co-diretor) 

Makai tenshō / Samurai Resurrection 

1982 Dōtonborigawa / Lovers Lost 

Kamata kōshinkyoku / Fall Guy 

 1983 Jinsei gekijō / Theater of Life (co-diretor) 

Satomi hakkenden / Legend of Eight Samurai 

1984 Shanhai Bansu Kingu / Shanghai Rhapsody 

1986 Kataku no hito / House on Fire

1987 Hissatsu IV: Urami harashimasu /  Sure Death: Revenge 

1988 Hana no ran / Rage of Love 

 1992 Itsu ka giragira suru hi / Máxima Voltagem

 1994 Chūshingura gaiden: Yotsuya kaidan / Crest of Betrayal 

1999 Omocha / The Geisha House

 2000 Batoru Rowaiaru / Batalha Real

 2003 Batoru Rowaiaru II: Chinkonka / Battle Royale II: Requiem (co-diretor)

Texto: Jacoby, Alexander.  A Critical Handbook of Japanese Film Directors. Berkeley: Stone Bridge Press, 2008, pp. 58-52.

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