Filme do Dia: Ataque dos Cães (2021), Jane Campion
Ataque dos Cães (The Power of the Dog,
Reino Unido/Canadá/Austrália/Nova Zelândia, 2021). Direção Jane Campion. Rot.
Adaptado Jane Campion, a partir do romance de Thomas Savage. Fotografia Ari
Wegner. Música Jonny Greenwood. Montagem Peter Sciberras. Dir. de arte Grant
Major & Mark Robbins. Cenografia Amber Richards. Figurinos Kirsty Cameron.
Com Benedict Cumberbatch, Kodi Smit-Mcphee, Kirsten Dunst, Jesse Plemons,
Geneviève Lemon, Sean Keenan, George Mason, Keith Carradine, Alison Bruce.
Montana, 1925. Os irmãos Phil
(Cumberbatch) e George (Plemons) Burbank são rancheiros bem sucedidos. Phil é
mais truculento que o irmão. No meio de uma refeição na hospedaria da viúva
Rose Gordon (Dunst), hostiliza o filho dela, Pete (Smit-Mcphee), por seus modos
pouco viris. Magoada, Rose chora na cozinha. Quem a consola é George, que se
envolve emocionalmente com ela. Logo vem o casamento, para o notável incômodo
de Phil. Tensa, a partir do momento em que deverá executar umas peças ao piano,
comprado especialmente para a ocasião, para a visita do governador (Carradine),
Rose começa a sucumbir ao álcool. Quando Pete vem morar com a mãe e o padrasto,
no entanto, o que era aberta hostilidade, por parte de Phil, torna-se crescente
companheirismo. O que agrava a situação de Rose, temerosa da proximidade do
filho do desafeto.
Essa acadêmica versão de um romance
que, tirados alguns penduricalhos, bem poderia ter sido alguma realização
europeia centrada em dramas familiares do passado (a exemplo de filmes como o
sueco As Melhores Intenções, dos idos dos anos 90). O toque
contemporâneo vem em uma discreta deflação dos dramas. Não se chega a nenhum
“acerto de contas” entre os personagens, seja de George com Rose, seja de Phil
com George, Phil com Rose ou ainda uma
vez mais Phil com Pete, e, no caso sua própria sexualidade. E o verso, dos
outros personagens para com Phil. O máximo que se chega próximo disso é quase
uma ironia se se espera algo do tipo, o pedido de George para que o irmão se
banhe, tendo em vista a visita do governador.
Nem se tem um retorno dessa mal sucedida tentativa de ingresso na grande
sociedade, quando a visita é atravancada por personagens nada à vontade com a
situação, único momento em que se pode tecer algo em comum entre Phil e Rose.
Embora o próprio George pareça dar um passo maior que as pernas, dada sua
acanhada expressividade e cultura. Tampouco há exatamente um desenlace, por
mais subliminarmente catártico que possa ser seu final. Há uma figura mitológica com quem Phil parece
ter vivenciado uma situação que agora pretende replicar em Pete. Phil teria uma
característica próxima do Riobaldo de Grande Sertão, o que não significa nada sequer equiparável, mesmo em
termos cinematográficos. A mudança de comportamento de Phil para com Pete surge
um tanto brusca. O filme não parece investir tanto no nó quase esquizofrênico
que se aperta cada vez mais em torno do personagem, enquanto esse vai tecendo
uma corda de nós que deixará com Pete. Como posição também contemporânea,
Campion apresenta um Pete efeminado, que pouco mais de um século atrás (em um
filme como Algie, o Mineiro), e até mesmo muito recentemente (os filmes
de veio dramático como O Segredo de Brokeback Mountain trazem homens de
perfil másculo) somente seria observado pelo viés estritamente cômico. No
entanto, e essa é uma virtude que Campion consegue trazer, seu Pete desce o
barranco de cavalo soltando gritinhos de pavor, com a mesma naturalidade com
que disseca (é estudante de medicina) um coelho morto que fora trazido para
casa, como aparente animal de estimação. Enquanto pretensa aproximação
revisionista do western, First Cow é de longe mais radical, assim como
mais enredado em um universo associado ao gênero. O que talvez complique ou, a
depender do olhar, traga charme voluntário ou não a esta produção, é que, numa
linha distante do filme de Kelly Reichardt, o que há de distintivo em relação a
uma narrativa déja vù se mistura com situações um tanto já banalizadas,
como a da inadequação na nova morada (nos remetendo ao melodrama de meados do
século passado de filmes como Rebecca & companhia), e o mesmo
valendo no plano estético, com um uso da música profuso e convencional. |See-Saw
Films/Brighstar/Max Films International/BBC Films/Cross City Films/New Zealand
Film Commission para Netflix. 126 minutos.
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