Filme do Dia: Rio, Zona Norte (1957), Nélson Pereira dos Santos

 



Rio, Zona Norte (Brasil, 1957). Direção e Rot. Original: Nélson Pereira dos Santos. Fotografia: Hélio Silva. Música: Alexandre Gnatalli &  Zé Ketti.  Montagem: Rafael Justo Valverde. Cenografia: Júlio Romito. Com: Grande Otelo, Jece Valadão, Paulo Goulart, Haroldo de Oliveira, Zé Kéti, Malu Maia, Angela Maria, Maria Petar.

Espírito da Luz (Otelo) é um sambista do morro que acredita que suas dificuldades econômicas irão acabar quando conhece o grã-fino Moacyr (Goulart), músico que acompanha a cantora Ângela Maria (Maria), em suas apresentações na Rádio Nacional. Porém, seus problemas somente crescem. Moacyr acaba se unindo com o agente (Valadão), que se faz passar por amigo de Luz, e conseguem registrar uma canção sem dar crédito ao mesmo. Luz rapidamente vê seus sonhos desmoronarem. Seu filho assalta Figueiredo, um comerciante que desiste de ser seu sócio em um comércio. Posteriormente é morto diante de seus olhos. Sua nova mulher, decide abandoná-lo. A esperança de Luz, que cantou um samba diretamente para Ângela Maria, que resolveu gravá-lo, é interrompida pela incapacidade de transpô-lo para uma partitura, algo que Moacyr relega para depois e, pior, pela própria morte após uma queda do trem.

Navegando por um repertório mais conhecido do melodrama, o filme apresenta uma narrativa em flasback, com o protagonista agonizante nos trilhos do trem ou na mesa de cirurgia evocando momentos-chaves de seu passado. Ainda que a derrocada do protagonista seja excessivamente carregada, sombria e rápida,  o filme sobreviveu melhor ao tempo que sua mais aclamada estréia, Rio 40 Graus (1955), com quem comporia uma trilogia que não chegou a ser concluída. Menos disperso e com uma proposta de crítica social mais focada, centrada aqui na exploração do talento artístico de compositores de origem social modesta pela então nascente indústria cultural. Inspirada na trajetória de Zé Ketti, beneficia-se enormemente de uma das interpretações mais inspiradas de Otelo. Aliás, sua interpretação por vezes comovedoramente realista em sua tradução da dor, certamente carregava muito do que o próprio Otelo experimentara na sua carreira pelo fato de também ser negro. Para tornar o personagem mais simpático junto ao grande público, Nélson Pereira o pole de qualquer aresta de vulgaridade ou vício. Mesmo com o seu mundo ruindo, Espírito da Luz permanece fiel aos seus propósitos até seu trágico fim, em que canta uma ode ao amor que se confunde com a nação, enquanto se vêem planos dos bairros periféricos da zona norte da perspectiva do trem. Apesar de mais ortodoxa que sua produção anterior, considerado um divisor de águas na produção nacional por sua proposta temática abertamente vinculada a questão social e a uma estética herdeira do Neorrealismo, o filme tampouco deixa de enfatizar sua verve crítica. Aqui, critica-se evidentemente a apropriação do samba por elementos da classe média que o “maqueiam” com arranjos que possam ser melhor aceitos por sua classe, desconfigurando sua proposta estética original. E não deixa de existir uma seqüência em que membros da elite econômico-cultural se encontram no apartamento de Moacyr e a caricatura da mesma já antecipa, de forma mais detalhada que no filme anterior, retratos semelhantes que serão apresentados por realizadores posteriores, sobretudo os vinculados ao Cinema Novo. Nélson Pereira dos Santos Prod. Cinematográficas. 90 minutos.

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