Filme do Dia: Os Homens que Eu Tive (1973), Tereza Trautman



Os Homens que Eu Tive (Brasil, 1973). Direção e Rot. Original: Tereza Trautman. Fotografia: Alberto Salvá. Montagem: Tereza Trautman. Com: Darlene Glória, Gracindo Júnior, Arduíno Colassanti, Milton Moraes, Ítala Nandi, Annik Malvil, Gabriel Archanjo, Patrícia Andréa, Roberto Bomfim.

Pity (Glória) é uma mulher liberada, cujo marido, Dido (Júnior), não apenas refreia sua sexualidade, como mesmo concorda que ela traga um de seus amantes, Sílvio (Archanjo), para casa. A situação muda de configuração quando ela se apaixona pelo montador de um filme que a chamou para trabalhar e é amigo de Dido, Peter (Colassanti). Embora preocupada com Dido, decide unir-se a Peter. Em pouco tempo, no entanto, confidencia a amiga Bia (Nandi), que os casamentos a entediam e afirma ao próprio Peter que se sente morta. Separando-se de Peter, passa os tempos na casa de Bia, na fossa, e com seus pertences espalhados pelas casas de Dido e Peter. Bia a convida para ir passar uma temporada na casa de Torres (Moraes), onde se encontra um grande grupo de artistas, incluindo Vítor (Bonfim), com quem faz sexo ocasional, no dia seguinte se encontrando na cama de Peter. O grupo de artistas parte para uma viagem pela América do Sul. Pity decide ficar. E estabelece uma relação com Torres, sobre quem sempre falara mal. Quando Dido vai visita-la, ela anuncia sua gravidez a ele. Ele pergunta se o filho pode ser registrado também em seu nome ou se ela ou Torres se incomodariam, o que ambos afirmam que não.

Embora os laivos de contracultura possam sinalizar para uma possibilidade de leitura mais próxima da realista do filme, talvez seja mais produtivo interpreta-lo sobre uma chave de certa suspeição e ironia, em relação a mesma cultura misógina que o interditou por longos sete anos, enfraquecendo uma possibilidade de carreira da realizadora ou, quando menos, de se ter sua repercussão à época (para se ter uma ideia dos efeitos desastrosos da censura, Trautman não é citada no média metragem Mulheres de Cinema e provavelmente não poderia sequer citá-lo sob o risco de também ter sua produção censurada). Trautman quase que completamente inverte os convencionais papéis de gênero – que havia sido motivo para piada já no Primeiro Cinema, com Les Résultats du Féminism (1906), de Alice Guy. E o faz sem fazer proselitismo feminista – talvez mesmo o poético Uma Canta, a Outra Não, de Varda, seja bem mais permeável ao mesmo. Poder-se-ia pensa-lo como uma inversão do que as pornochanchadas faziam a granel à época (e Trautman dirigiu dois filmes nesse filão, provavelmente menos autorais,  que mereciam ser conhecidos para se perceber se uma verve distinta também se encontra neles), porém seria um equívoco. Pity não usa os homens como objetos (e tampouco o filme o faz, sendo, como na pornochanchada, Darlene Glória, no auge de sua carreira, que se despe várias vezes, e uma ou outra cena de Colassanti, numa delas envergonhadamente cobrindo seu sexo), não é cafajeste ou se sente feliz quando sabe do sofrimento dos outros por sua causa, porém tampouco renega seu desejo. Aqui, sua personagem surge bem mais libertária que a vivida por Diane Keaton em outro filme da década, À Procura de Mr. Goodbar. Embora aquela apenas use e seja usada pelos homens que leva para casa, tal comportamento é psicologicamente apresentado como resultante de uma intensa repressão familiar e, mais importante, resulta numa punitiva morte. Aqui, o máximo que acontece com Pity é uns safanões que recebe do marido, demonstrando que havia limites para sua “tolerância” com a esposa, quando passava a envolver mais fortemente afetos. Por mais de um momento, Pity se auto-observa como um tanto perdida, e seu comportamento errante, em termos de amantes, poderia se colar a isso. Mas também não, ao que parece. É justamente quando se encontra dando um tempo de tudo e de todos que essas reflexões assomam. E em um único momento parece mais tensamente enciumada com uma pretensa traição de um amante, sendo o oposto muito mais frequente. Até faz bem ao filme um certo desleixo no seu acabamento e interpretações, e mesmo a presença de personagens que não parecem ter outra função que apresentar já de início o mundo casal, ou “trisal”, como é o caso do personagem Sílvio. Trazem frescor antes. Há um breve olhar sobre o próprio cinema brasileiro, e seu momento então – a tentativa de um produtor de fazer com que Peter desista de seu projeto antropológico e o transforme numa pornochanchada parece fazer eco a proposta similar presente em Meteorango Kid, dentre outras. Retrospectivamente se perceberá que a cena que abre o filme é também o seu fecho e Trautman deve ter sido fundamental também nessa decisão, já que de forma um tanto incomum, inclusive para os realizadores homens, conquistou sua autoria ao acumular a tripla função de diretora, roteirista e montadora. Trata-se, tudo indica, de uma versão incompleta, com sete minutos a menos de sua metragem original, o que pode ter a ver com cortes iniciais da censura e podem explicar algumas passagens um tanto abruptas.  Produções Cinematográficas Herbert Richers/Thor Filmes Lmtd. para Ipanema Filmes. 85 minutos.

 


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