Filme do Dia: Garota Sombria Caminha pela Noite (2014), Ana Lily Amirpour

 


Garota Sombria Caminha pela Noite (A Girl Walks Home Alone at Night, EUA, 2014). Direção e Rot. Original Ana Lily Amirpour. Fotografia Lyle Vincent. Montagem Alex O’Flinn. Dir. de arte Sergio De La Veja & Sam Kramer. Figurinos Natalie O’Brien. Com Sheila Vand, Arash Marandi, Marshall Manesh, Mozhan Marnò, Dominic Rains, Rome Shadanloo, Milad Eghbali, Reza Sixo Safai.

Arash (Marandi) é um trabalhador iraniano que tenta, sem grande sucesso, controlar o vício do pai, Hossein, em heroína e o seu credor, o também cafetão, Saeed (Rains), após já ter extraído dinheiro de Arash, agora leva seu carro. Arash, no entanto, rouba um par de brincos de uma rica cliente sua, Shaydah (Shadanloo) e quando se desloca a mansão de Saeed, esse recebeu a visita anterior da garota, que o matou com requintes de crueldade. Arash encontra o cadáver, recupera suas chaves e se apossa da droga e dinheiro que se encontrava em uma pasta no local. Em uma festa, Arash possui uma reação a droga que lhe é incentivado a consumir por Shaydah. Ele sai algo catatônico, ainda travestido de Drácula e fica paralisado pelo efeito da luz de um poste, chamando imediatamente a atenção da garota. Em um encontro seguinte, Arash dá de presente a garota, os brincos que roubara de Shaydah. Arash expulsa o pai de casa, após deixar com ele as drogas e algum dinheiro, e pede que ele leve igualmente o gato, que numa situação de delírio, acredita ser a mulher com o qual foi casado. Houssein se encontra com a prostituta, Atti (Marnò), que trabalhara para Saeed, e a força a usar heroína. O casal recebe a inesperada visita da garota, que mata Houssein e, com ajuda da prostituta, deixa o cadáver ao lado de um conjunto habitacional, sendo observados por um garotinho que a garota já assustara antes. Atti pede que a garota deixe o local e leve consigo o gato. Arash descobre o corpo do pai na manhã seguinte. Ele vai até o apartamento da garota, implorando para que partam juntos. No meio do processo, o gato surge.

Há um peso em quase todos os planos, gestos, figurinos e enquadramentos que transformam a experiência de assisti-lo um tanto penosa. É o mesmo peso que desde os anos 80 ronda como um espectro, por vezes (poucas, é verdade) feliz em sua escolha, que é o da dificuldade de lidar com uma tradição e o de contar uma narrativa, uma história de amor em meio a tantas referências passadas. Sente-se esse peso na câmera baixa no carro de um desesperado. No figurino da jaqueta de couro sobre a blusa branca. Nos planos do céu, diurno ou noturno, em aceleração de imagens.  E o que filme parece ser é uma reciclagem da reciclagem dos anos 80. E na ausência de algo a dizer, apela-se à música, recurso muito utilizado por Wenders, de forma crescentemente maneirista e afetada em suas ficções. Na sequencia final, a troca de olhares do casal é intermediada pelo olhar do gato. Resta dizer que, de longe, o olhar mais expressivo é o felino. Do ponto de vista de uma possível alegoria, fica difícil buscar subsídios no que se assiste, pois a garota (e é assim como é nomeada nos créditos) ataca sem grande discernimento tanto o pai viciado de Arash (se poderia alegar que induziu o uso à força de heroína na prostituta), um cafetão e até mesmo ameaçar um garotinho. E quando ela segue a prostituta que vandalizara o carro de Arash, acreditando ser do cafetão, e se espera algum ataque, ou uma situação de sororidade, finda-se mais próximo da última, na única situação em que a garota demonstra dons de clarividência sobre a interioridade de alguém, e também única cena do filme, aliás, que possui alguma densidade emocional. Mesmo não sendo um filme que possui uma diretriz ideológica fechada, a morte de Saeed possui uma violência a partir de um figura que se identifica com uma “vítima” do cafetão, pois o dedo que lhe é arrancado e enfiado na boca é uma evidente alusão a uma cena anterior, no qual a prostituta chupara seu dedo, antes de partir para seu equivalente, ação “devidamente” interrompida pela própria garota. É uma saída que diz bastante de opções que buscam certo populismo progressista dúbio em relação a questão de gênero, tal como irá efetuar, de forma ainda mais tosca, Bela Vingança e, sob outro viés, o brasileiro Bacurau. Quando Arash abandona o carro e tem os faróis projetados em sua direção, não é exatamente uma dança romântica que convida a garota a fazer (como faz o protagonista de Terra de Ninguém), mas uma encenação de sua própria raiva. É possível que sua referência ao James Dean de Juventude Transviada,  na forma como se veste, saindo em seu carro, transtornado após ter visto o cadáver paterno, seja também atravessada pelo protagonista do filme de Malick, que as pessoas achavam semelhante a Dean. Amirpour surge em uma ponta, como amiga de Shaydah na festa. Uma das “excentricidades” do filme é ser uma produção norte-americana, mas falado em persa, e com elenco predominantemente iraniano ou iraniano-americano. Aliás, o filme se passa em um local não identificado, que pelas locações pode ser os Estados Unidos (e de fato é), embora existam inscrições em árabe nas placas dos carros e todos falem em persa. Longa de estreia da realizadora, após oito curtas. E um deles ter o mesmo título desse longa, diz muito de quão rala é sua história. Say Ahh Prod./SpectreVision/Logan Pictures/Black Light District. 101 minutos.

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