O Dicionário Biográfico de Cinema#130: Mel Gibson
Mel (não Melvin) Gibson, n. Peekskill, Nova York, 1956
Um dentre onze filhos, Gibson foi o filho de um frenador ferroviário e de uma cantora de ópera australiana. Porém, ambos os lados da família possuíam origens na católica Irlanda (Santo Mel foi um santo irlandês). O ator, no entanto, destacou-se como um brutamontes com senso de humor irreverente. Gibson aparenta advir do lado errado dos trilhos, uma qualidade que poucos atores americanos hoje esperam possuir. Aparentam serem produtos do seguro de saúde, boas dietas e ternos cuidados, não importando as histórias de casas destruídas e tempos difíceis. Há algo de selvagem nos olhos de Gibson - um sentimento de farsa perigosa. Talvez seja Peekskill, ou o crescimento na Austrália, para onde sua família mudou quando tinha doze anos. Talvez seja apenas Mel. Seja qual for a resposta, seria maravilhoso pensar que algum papel poderia capturar o demônio melhor que um saco cheio de Lethal Weapons (Máquinas Mortíferas) e Hamlet. Mel poderia terminar rico e deprimido. Ele é melhor que um policial astuto, mas esteve lamentavelmente perdido como um dinamarquês. Se somente existissem comédias malucas na cabeça de alguém - imagine Gibson tentando It Happened One Night [Aconteceu Naquela Noite] ou The Miracle of Morgan's Creek [Papai por Acaso].
Em Sidney, frequentou o Instituto Nacional de Arte Dramática e, quando rapaz, até mesmo interpretou Romeu para uma Julieta de Judy Davis - imagine-os juntos em Aconteceu Naquela Noite! Estreou em Summer City [Verão de Fogo] (76, Christopher Fraser), como o tímido em um bando de surfistas. Mas George Miller escalou-o como o plenamente robusto Max Rockatansky, no melhor material que Gibson jamais teve: Mad Max (79), The Road Warrior [Mad Max 2: A Caçada Continua] (81) e Mad Max Beyond Thunderdome [Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão] (85). Foi bem como o retardado em Tim [Tim - Anjos de Aço] (79, Michael Pate) e esteve em Attack Force Z [Força de Ataque Z] (81, Tim Burstall). Mas foi o Gallipoli (81) de Peter Weir que o desenhou para atenção de Hollywood como herói romântico.
Trabalhou novamente para Weir em The Year of Living Dangerously [O Ano que Vivemos em Perigo] (83) e lutou contra a lenda de Gable interpretando Fletcher Christian no calmo The Bounty [Rebelião em Alto Mar] (84, Roger Donaldson). Seu melhor trabalho como ator, no entanto, é em Mrs. Soffel [Mrs. Soffel - Um Amor Proibido] (84, Gillian Armstrong), um papel que fez uso de sua imprudência, e que cortejou e aqueceu Diane Keaton para além do maneirismo. The River [O Rio do Desespero] (84, Mark Rydell) foi tedioso e Tequila Sunrise [Conspiração Tequila] (88, Robert Towne), um grande desapontamento.
Por então, Gibson estava em Lethal Weapon [Máquina Mortífera] e suas sequencias (87, 89, 92), com Danny Glover e Richard Donner - o filme equivalente a um futebol americano escolar no primeiro dia do ano. Fez seu Hamlet (90, Franco Zefirelli), mas por outro lado vagou em um truque de bilheteria, como equivalente ao homem de Goldie Hawn, em Bird on a Wire [Alta Tensão] (90, John Badham), um professo pirata do desencantamento no demasiado brega Air America [Air America: Loucos Pelo Perigo] (90, Roger Spottiswoode), e Forever Young [Eternamente Jovem] (92, Steve Miner). Teria sido melhor se Goldie tivesse feito Ofélia (com Judy Davis como Gertrude) em um Hamlet dirigido por John Cleese.
Em 1993, atuou e dirigiu The Man Without a Face [O Homem sem Face], um diligente e respeitável drama lacrimoso sobre filhos e pais. Também interpretou Maverick (94, Donner).
Mas estava se preparando para um grande risco, e este veio a ser Braveheart [Coração Valente], a história do rebelde escocês William Wallace. O filme ganhou mais Oscars que seria decente (incluindo melhor filme e diretor - um sinal de que a definição de direção havia se deslocado de direção à produção). Não merecia Oscars, mas é uma excitante aventura à moda antiga, com uma adorável princesa e um rei malvado (Sophie Marceau e Patrick Macgoohan respectivamente), e um ótimo negócio de sangue e membros perdidos. Foi também um retrato verdadeiramente acurado da ultra ingenuidade política de Gibson.
Foi a voz de John Smith em Pocahontas (95, Mike Gabriel e Eric Goldberg); Ransom [O Preço de um Resgate] (96, Ron Howard); bastante ruim em Conspiracy Theory [Teoria da Conspiração] (97, Donner); Lethal Weapon 4 [Máquina Mortífera 4] (98, Donner); tentando fazer Lee Marvin em Payback [O Troco] (99, Brian Helgeland); muito estranho em The Million Dollar Hotel [O Hotel de um Milhão de Dólares] (00, Wim Wenders); uma voz em Chicken Run [Fuga das Galinhas] (00, Peter Lord e Nick Park); assumindo o inglês, como inimigo outra vez, em The Patriot (00, Roland Emmerich); divertido, ainda que também auto-congratulatório em What Women Want [Do que as Mulheres Gostam] (00, Nancy Meyers); e bastante pró-exército americano em We Were Soldiers [Fomos Heróis] (02, Randal Wallace); Signs [Sinais] (02, M. Night Shyamalan).
Produziu e atuou em The Singing Detective [Crime de um Detetive] (03, Keith Gordon). Some a este Fomos Heróis, Sinais e O Patriota e um grande direitista aparece, um DeMille com verdadeira fé. E então, em 2004, numa Quarta-Feira de Cinzas, com profecias e advertências o suficiente para serem uma campanha, Gibson estreou The Passion of Christ [A Paixão de Cristo], a melhor demonstração já feita pelo cinema sobre como executar uma flagelação e crucifixação. O filme rendeu 20 milhões por dia, em cinco dias; não parecia aumentar o número de cristãos convertidos; nenhum milagre foi reportado nas salas onde foi exibido. E foi simplesmente - e presumivelmente, deu a Gibson um recorde - um passo confiante na nobre crueldade do cinema. Mas, feito com seu próprio dinheiro, prometeu trazer a Gibson meio bilhão.
Continuou a ser uma figura bastante controvertida - quase histericamente ele mesmo. Apocalypto foi um filme que ninguém teria feito - com exceção, talvez, de Terrence Malick. Foi bastante violento, embora se sentisse a autenticidade, estranheza e beleza - por vezes evocativa do Herzog de início de carreira. Não gosto muito dos filmes de Gibson, mas penso que eles merecem serem mais analisados que a maior parte dos diretores americanos de sua idade. Alguns pensam que Mel é louco; alguns dizem louco como uma raposa. Pense uma coisa: ele é ele próprio. Atuou em Edge of Darkness [O Fim da Escuridão] (10, Martin Campbell); alarmantemente depressivo em The Beaver [Um Novo Despertar]; Get the Gringo [Plano de Fuga] (12, Adrian Grunberg); Machete Kills [Machete Mata] (13, Robert Rodríguez).
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1021-23.
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