Filme do Dia: Sem Piedade (1948), Alberto Lattuada
Sem Piedade (Senza Pietà, Itália, 1948). Direção: Alberto Lattuada. Rot.
Original: Federico Fellini, Alberto Lattuada, Tulio Pinelli, a partir do
argumento de Fellini & Pinelli, a partir de uma ideia de Ettore Maria
Margadonna. Fotografia: Aldo Tonti. Música: Nino Rota. Montagem: Mario Bonotti.
Cenografia e Figurinos: Piero Gherardi. Com: Carla Del Poggio, John Kitzmiller,
Giuletta Masina, Folco Lulli, Pierre Claudé, Lando Muzio, Daniel Jones, Enza
Giovine.
Angela (Del
Poggio) se encontra em dificuldades financeiras desde o desaparecimento do
irmão. Viajando de trem, testemunha uma perseguição a um ladrão por um policial
negro norte-americano, Jerry (Kitzmiller), a quem ajuda. Angela é sempre assediada
pelo contrabandista e cafetão Pier Luighi (Claudé) para se prostituir para ele.
Ela reencontra Jerry, que é preso numa ação criminal por conta dela. Angela
sucumbe aos apelos de Pier Luighi. Jerry arrisca a vida e foge da prisão. Os
dois voltam a se encontrar e contra tudo e todos pretendem fugir para um local
onde ninguém os conheça, tendo como fim um destino trágico.
Já de início fica
demarcada uma apropriação de motivos tenuemente sociais (aqui de longe ainda
menos presentes que na obra neorrealista de Giuseppe De Santis ou no próprio O Moinho do Pó, de Lattuada) apenas
como pretexto para uma história de apelo emocional e de amour fou bem mais convencional e próxima do Realismo Poético
francês, assim como do próprio cinema norte-americano de gênero. Seja nas
imagens iniciais de uma Del Poggio nada convincente enquanto passageira
clandestina de um trem (algo ainda mais ressaltado pelo abismo visual entre as
imagens feitas dela em estúdio e as externas que acompanham as margens dos
trilhos) evocativas de filmes americanos de pretensões realistas ou, indo mais
longe, dos próprios melodramas de Griffith, seja na figura de Pier Luighi, vestido à caráter como gangster
de uma produção da Warner. Um dos trunfos do filme é a abordagem de uma questão
relativamente tabu então, do amor inter-racial, que não se encontra presente
num dos episódios de Paisà, no qual
tanto o soldado americano quanto a garota italiana são brancos e observado de
forma marginal e como produto de uma relação não consentida em filme posterior
que pretende abordar justamente a questão racial (Ângelo, O Mulato). Não se encaminha a narrativa aqui para o “filme
de mensagem” como aquele, flertando-se – talvez em demasia – com o velho clichê
de personagens de bom coração cuja situação social os torna vítimas de algo com
o qual não se identificam e a fuga para uma utopia sonhada que resulta na não
menos previsível morte trágica. Dito isso, há um apuro visual presente em
algumas sequencias específicas, como a que ocorre em uma praia próximo ao final
que valem mais que qualquer elemento romanesco apresentado. A determinado
momento a personagem de um capitão “sul-americano” que fala espanhol insiste
para que seja tocada Brasil, que vem
a ser Aquarela do Brasil, trazendo
uma dimensão de certo exotismo nada incomum ao cinema italiano da época (como é
o caso ainda mais forte da presença de Vanja Orico em Mulheres e Luzes, estréia de Fellini como diretor e co-roteirizado
por Lattuada, dois anos após). Lux Film. 90 minutos.
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