Filme do Dia: Com a Maldade na Alma (1964), Robert Aldrich

 


Com a Maldade na Alma (Hush...Hush, Sweet Charlotte, EUA, 1964). Direção: Robert Aldrich. Rot. Original: Henry Farrell & Lucas Heller, a partir do argumento de Farrell. Fotografia: Joseph F. Biroc. Música: Frank De Vol. Montagem: Michael Luciano. Dir. de arte: William Glasgow. Ceneografia: Raphael Bretton. Figurinos: Norma Koch. Com: Bette Davis, Olivia de Havilland, Joseph Cotten, Agnes Moorehead, Cecil Kellaway, Victor Buono, Mary Astor, Wesley Addy, Bruce Dern.

Charlotte (Davis) vive solitária e atormentada em uma mansão sulista desde que sua vida se tornou desgraçada com a suspeita de ter matado John (Dern), então seu amante e casado com Jewel (Astor). Seu único apoio é a empregada Velma (Moorehead). Quando as tentativas de venda que sua casa para dê lugar a uma estrada e uma ponte se tornam mais sólidas, chega sua prima Mirian (de Havilland), aparentemente para ajudá-la a resistir. Porém, Charlotte passa a ser vítima do que o Dr. Drew (Cotten) acredita serem alucinações que envolvem o crime ocorrido em 1927. Após ter sido demitida, Velma acaba retornando para buscar Charlotte e, numa discussão com Mirian, morre na queda da escadaria. Atormentada cada vez mais pelas alucinações auditivas e visuais, Charlotte mata o Dr. Drew. Após esconder o cadáver, com ajuda de Miriam, ela voltará a encontrá-lo em sua mansão.  Tida definitivamente como louca, descobrirá todo o mistério que ronda sua vida, tanto no passado quanto no presente e dará cabo dos inimigos do presente.
Tentando capitalizar em cima do sucesso de público e crítica de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), Aldrich realizou esse veículo ainda mais tresloucado e rocambolesco para a dupla do filme anterior, Joan Crawford (que foi substituída por de Havilland por problemas de saúde) e Bette Davis. O resultado final demonstra ser longe de interessante quanto o filme anterior, no qual a dimensão psicológica ganhava ascendência sobre os meros golpes de efeitos narrativos ou mesmo de seu posterior Três Mulheres na Intimidade (1968), onde o ambiente de grotesco gótico, explorado de forma quase auto-derrisiva aqui, vem a ser substituído em grande parte pelas motivações psicológicas de seu triângulo amoroso lésbico em uma Londres vulgarmente contemporânea e filmada em cores. De fato, ao reelaborar o terror gótico dos dramas psicológicos dos anos 1940 a partir de estratégias visuais mais próximas de sua época, como o uso de grandes angulares e jogos visuais herdeiros  da influência de Welles (e o fato de fazer uso de dois dos mais destacados atores de apoio nos filmes daquele, Cotten e Moorehead, não pode ser desprezado) e a presença de elementos a la grand guignol, como o momento no qual John tem sua mão decepada, para não falar de vários outros, o filme nem por isso demonstra superar o seu espectro original, parecendo antes ser um exemplar temporão daquele. No elenco, tão apropriadamente outonal quanto a sua própria narrativa ainda se encontra Mary Astor, em seu último filme. No jogo da encenação operística, sobretudo em sua primeira metade, o filme apela para todo tipos de recursos visuais chamativos, como os personagens observados do alto ou ainda para uma revoada de folhas que invade a mansão no meio da noite (evocativa da seqüência de abertura de Palavras ao Vento, de Sirk). A essa altura do drama, a questão sobre a destruição ou não da propriedade já de muito foi esquecida. E o filme passa a apostar no jogo paranoico de quem de fato é vilão tanto no passado quanto no presente. Porém o demasiado patético e inverossímil já transformou qualquer pretensão de dramaticidade em mera e involuntária ópera-bufa. Destaque para uma quase irreconhecível e “enegrecida” Moorehead, por si só uma referência, enquanto possível vilã, à criada vivida por Judith Anderson em um dos clássicos do filme gótico de duas décadas antes, Rebecca (1940), de HitchcockThe Associates & Aldrich Co. para 20th Century-Fox. 133 minutos.

Postada originalmente em 13/09/2016



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