Filme do Dia: O Preço da Verdade (2019), Todd Haynes

 


OPreço da Verdade (Dark Waters, EUA, 2019). Direção: Todd Haynes. Rot. Adaptado: Mario Correia & Matthew Michael Carnahan, a partir do artigo do The New York Times, The Lawyer Who Became Dupont’s Nightmare. Fotografia: Edward Lachman. Música: Marcelo Zarvos. Montagem: Affonso Gonçalves. Dir. de arte: Hannah Beachler & Jesse Rosenthal. Cenografia: Helen Britten. Figurinos: Christopher Petterson. Com: Mark Ruffalo, Anne Hathaway, Tim Robbins, Bill Pullman, Bill Camp, Victor Garber, Mare Winningham, William Jackson Harper, Louisa Krause.

O advogado Rob Billot (Ruffalo), após receber uma inusitada visita de Wilbur Tennant (Camp), morador da mesma zona rural de West Virginia onde nasceu, descobre uma série continuada de atentados ao meio-ambiente e à saúde humana praticados pela poderosa megacorporação da indústria química Du Pont. Um longo processo, que leva décadas, inicialmente desprezado por seu chefe, Tom Terp (Robbins), leva-o a uma situação quase obsessiva, que interfere bastante em sua vida privada, com a esposa Sarah (Hathaway).

Há algo de irritantemente devoto aos protocolos da boa causa liberal norte-americana nessa produção para que o filme desperte o mínimo de vivacidade além da calculada sensação de indignação que pretende construir, que cai como uma luva dentro dos preceitos de uma narrativa clássica, pois possibilita uma leitura inescapavelmente maniqueísta, ainda trazendo a face humana à tragédia – a história da família afetada; sua vinculação afetiva à terra natal do herói. E assim se segue a mesma via crucis que também aqui é praticamente reduzida a figura de Rob em sua luta por justiça (não por acaso o título brasileiro de outra produção contemporânea, sobre um condenado à morte por erro). E dentro da utilização que vai do idealista individual até a catártica “vitória” (ainda que parcial) final, passa-se por todas as estações até se chegar à graça (nem todas doloridas, como a de Cristo), inclusive com a utilização de imagens de arquivo de programas de apelo nacional que começam a tornar público os malefícios do teflon (como os de Barbara Walters, Anderson Cooper, dentre outros). Ou outros lugares comuns de narrativas que demonstram o esforço obsessivo, como o da sequência em que Billot começa a etiquetar o material que estava em caixas e mais caixas de documentação da empresa, com a facilidade esperada da edição e da câmera alta para o “apoteótico” efeito. Porém, o filme se retrai da caricatura ao deixar de fora da diegese às vitórias finais do herói, reconhecidas a partir apenas de letreiros, assim como se tratar de apenas a ponta de um iceberg de infestações químicas que atingem nada menos que 99% da humanidade, resultantes de 600 produtos químicos não regulados. O maior momento de reconhecimento de Billot é ouvindo uma ligação de retorno, anos após o exame coletivo de sangue de 69 mil pessoas expostas aos malefícios químicos da empresa. O que não o livra, por outro lado, de ter que lidar com o ressentimento de diversos parentes e vítimas do mesmo, pela demora e atropelos que o processo lhes provocou individualmente – os milhões ganhos pelo advogado em prêmios de sua categoria profissional também ficam de fora das imagens. Talvez amenize igualmente um pouco a sensação do modelo liberal no estilo Stanley Kramer & cia., uma fotografia de tons esmaecidos, soturna, e nada incomum nas produções dirigidas por Haynes, que não possui propriamente um repertório de temas aos quais seja fiel. Outro diferencial em relação ao modelo liberal em sua caracterização mais engessada é o fato de se tratar de algo em processo, mais que resolvido ao final, muito pouco resolvido no geral como se observa pelos comentários finais, e não situado em um distante e apaziguador passado já superado e livre do peso da continuidade do presente no qual foi produzido o filme.  Willi Hill/Killer Content para Focus Features. 126 minutos.

 

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