Filme do Dia: Tom of Finland (2017), Dome Karukoski
Tom
of Finland (Finlândia/Suécia/Dinamarca/Alemanha/Islândia/EUA, 2017). Direção:
Dome Karukoski. Rot. Original: Aleksi Bardi, a partir do argumento de Bardi
& Dome Karukoski. Fotografia: Lasse Franke Johannensen. Montagem: Harry
Ylönen. Dir. de arte: Christian Olander, Lotta Bergman, Ricardo Molina, Astrid
Poeschke & Riina Sipiläinen. Cenografia: Christoph Merg. Figurinos: Anna
Vilppunen. Com: Pekka Strang, Lauri Tilkanen, Seumas F. Sargent, Jessica
Grabowski, Jakob Oftebro, Martin Bahne, Martin Bergmann, Kari Hietalhathi,
Niklas Hogner.
Traumatizado pelas experiências da Segunda
Guerra, Touko (Strang) trabalha em uma agência de publicidade de dia e à noite
busca investidas de sexo gay anônimo e na distribuição de posters homoeróticos,
que lhe rendem tensões adicionais às memórias da guerra que voltam a emergir em
pesadelos nos quais é desperto pela irmã zelosa, Kaija (Grabowski), com quem
divide moradia. Um terceiro inquilino se junta a eles, o jovem bailarino Veli
(Tilkanen), que desperta o desejo de ambos os irmãos. Touko ganha vantagem e,
por influência de Veli, passa a tentar lançar sua obra gráfica nos Estados
Unidos. Inicialmente ela é impressa em revistas de papel vagabundo, para o
desgosto do esteta que existe em Touko, agora mais conhecido como seu nome
artístico, Tom of Finland, que se torna ícone da cultura gay, ganhando as ruas
da Califórnia de forma completamente distante dos pudores que ainda cercam a
sua Finlândia natal.
Talvez a biografia do artista não propicie um
arranjo mais orgânico de sua vida. Talvez seja culpa de quem a levou às telas.
Ou apenas se preferiu certa proximidade com o que, no final de contas,
representa de fato a vida de alguém, fragmentária e, em última instância,
impossível de ser transformada de fato numa narrativa, senão por uma grande
dose de ficcionalidade. E, apesar ou por conta disso, tem-se um retrato
relativamente sensível, mesmo descontados todos os lugares-comuns que
apresenta. Boa parte disso é possível que se deva à construção de um personagem
que se mantém dignamente perto e distante, ao mesmo tempo, e do qual nunca
conseguimos devassar algo além dos limites de um ser ficcional, com sonhos
menos molhados que de trauma de guerra, do homem que havia assassinado, e
depois tocado seu rosto sensualmente. E também se devemos algo de bom, cabe ao
ator que lhe encarna, sendo devidamente tornado mais feio do que é, como outros
do elenco. Constrói-se uma figura que, a determinado momento, não mais esconde
sua sexualidade, mas que possui sentimentos ambivalentes sobre sua própria obra
e a cultura que dela derivou, sobretudo quando explode a epidemia de AIDS no
mundo. Finland não é uma encarnação autoconfiante da homossexualidade heroica
de um ativista como Derek Jarman. Tampouco é o peso sombrio dos tormentos de
uma sexualidade vivida nos abcessos permitidos pela repressão introjetada e
angústia da experiência biográfica revivida de um Terence Davies. Fica no meio
caminho. Isso, bem entendido, no plano da elaboração do personagem, já que não
se trata de alguém com um perfil autoral à altura dos dois britânicos citados.
E se a Califórnia que Finland conhece é uma caricatura da cultura gay tão
exagerada quanto a estética que tornará o artista mundialmente célebre, numa
aparente oposição da sociedade finlandesa que marcara sua experiência até então,
felizmente tal maniqueísmo é matizado pela declaração derrisória, do próprio
Finland, das facilidades da vida orgíaca lá vivida, para o seu amante fixo. Sua
irmã permanece essa memória viva dos valores familiares para os costumes como
para arte. E o filme tampouco, acertadamente, pretende apresentar alguma
“resolução” para a tensão, que existira, ainda que velada, desde a juventude.
Quando um já maduro Tom, que passara pela graça de sentir a textura de edições
de luxo trazendo sua arte, finalmente se sente seguro a apresenta-la, decorando
as dezenas o quarto de sua ampla residência, apenas colherá comentários
reprovadores da irmã. Assim, certos louros da celebração internacional de sua
obra devem conviver com pessoas próximas que preferem negá-la, com a empatia
ganhando os limites estritamente permitidos pelo ressentimento. Helsinki Filmi
Ou/Anagram/Fridthjof Film/Neutrinos Prod./F&ME/Film i Väst. 117 minutos.
Comentários
Postar um comentário