O Dicionário Biográfico de Cinema#129: Spike Lee

 

Spike Lee (Shelton Jackson Lee), n. Atlanta, Georgia, 1956

1982: Joe's Bed-Stuy Barbershop: We Cut Heads (c); 1986: She's Gotta Have It [Ela Quer Tudo]. 1988: School Daze [Revolução Estudantil. 1989: Do The Right Thing [Faça a Coisa Certa]. 1990: Mo' Better Blues [Mais e Melhores Blues]. 1991: Jungle Fever [Febre da Selva]. 1992: Malcolm X. 1994: Crooklyn [Uma Família de Pernas pro Ar]. 1995: Clockers [Irmãos de Sangue]. 1996: Girl 6 [Garota 6]; Get on the Bus [Todos no Ônibus]. 1997: 4 Little Girls [Quatro Meninas] (d); 1998: He Got Game [Jogada Decisiva]; Freak (TV); 1999: Summer of Sam [O Verão de Sam]. 2000: The Original Kings of Comedy [Os Verdadeiros Reis da Comédia] (d); Bamboozled [A Hora do Show]; 2001: A Huey P. Newton Story  (TV); Come Rain or Come Shine (d) (c); Jim Brown All American (TV) (d); 2002: "We Wuz Robbed", episódio de Ten Minutes Older: The Trumpet; 25th Hour [A Última Noite]. 2003: S.F.C. [Código das Ruas] (TV). 2004: She Hate Me [Elas Me Odeiam, Mas Me Querem]. 2006: Inside Man [O Plano Perfeito]; When the Leeves Broke [Os Diques se Romperam] (d); 2008: Miracle at St. Anna [Milagre em Sta. Anna]. 2009: Passing Strange (TV); Kobe Doin' Work. 2010: episódio de If God is Willing and da Creek Don't Rising (d). 2011: Da Brick. 2012: Red Hook Summer [Verão em Red Hook]; Bad 25 (d); 2013: Oldboy [Oldboy: Dias de Vingança]; Mike Tyson: Undisputed Truth (TV).

Não me aproximei de Malcolm X com grandes expectativas. Dez minutos antes de seu início, eu tinha acabado de sair de A Few Good Men [Questão de Honra], um filme empolgantemente prostituto, vazio de ideias e de propósito, mas um bocado divertido. Sabia o quão longo Malcolm X seria. Um cinema sem aquecimento, o que fortemente indicava um degrau declinante do público ao filme, após o evento de "estreia". Mais que tudo isso, não sou um fã de Spike Lee. Sua pose de empresário carrancudo e sua inclinação a não ter ninguém que não fosse negro escrevendo sobre Malcolm X, eram cúmplices na minha mente de seus limites como diretor. Os primeiros filmes de Lee me pareciam opostunistas, estilisticamente irregulares, ingênuos, ainda quando imprudentes (Faça a Coisa Certa). Febra da Selva, eu senti, falhava em lidar com a verdadeira história humana e os motivos múltiplos do amor ou sexo interracial. Pude perceber o quão difícil era ser um diretor de cinema negro, sem ter que assumir o perfil do Diretor de Cinema Negro. Mas nem sempre admirei as respostas de Lee a esta dificuldade, ou sua implacável insistência que um branco não teria direito a dizer isso, ou acreditar. Estava tão frio na sala, e Malcolm X foi tão longe na noite.

É um filme que necessita de mais de três horas, porque diz respeito a mudança e a necessidade de gradação. Malcolm X é uma obra que o homem Lee não tinha tido confiança de revelar. Ele é calculado, cuidadoso, até mesmo um pouco distanciado; em grande parte, distante dos fogos de artifício; quase que, como se estudando Malcolm, Lee próprio se desenvolvesse. Há uma tentativa em Faça a Coisa Certa de que todos possuem suas razões, mas é frustrada pela estrutura agitprop. Em Malcolm X, no entanto, o alargamento das próprias perspectivas de Malcolm se torna a estrutura do filme - sem qualquer necessidade de tratá-lo como Helen Keller ou Rocky Balboa. O melodrama foi embora. 

Não é pouca coisa para um filme americano que leva seus públicos rumo a uma religião não familiar, e então sai dela, sem nunca cair em fanatismo ou desprezo. No entanto, Malcolm X é um filme sobre a busca por religião, ou firmeza moral; e enquanto seu personagem central complexifica seu pensamento, ao mesmo tempo ele refina seu comportamento, e o esquerdismo flamejante da primeira metade se resolve na extraordinária e meditava interpretação de Denzel Washington.

Pode-se argumentar que os filmes anteriores de Lee foram seu período "esquerdista", com um olho na arte, o outro no representativo e um terceiro em como realizar o filme seguinte. Isso já são olhos individuais o suficiente, no entanto pôs Lee no contexto de qualquer outro realizador - o que fazer a seguir? Como conseguir fazê-lo? E como fazê-lo pelo menos 50% meu?

O Malcolm de Lee se digladia através de muitos tipos de fúria até um espécie de humanismo liberal. Se o próprio Lee realizou tal jornada - e no filme isso parece alcançado - então ele poderia tentar fazer Febre da Selva novamente, ou realizar um filme, ou dois, ou três, com material branco, ou histórias que não dependam somente das cores. Neste caso, seu continuado interesse no estilo, sua verve com os atores, seu ouvido e seu olho poderiam ser a base para uma carreira extraordinária. Malcolm X realizou sérias demandas em seu público - mas as mais graves ainda em Lee. 

A grande coisa a respeito de Lee é que ele não cansou ou vacilou. O ponto de interrogação ainda paira sobre o grau de seu talento. Então, tem se tornado uma presença crescente, produzindo filmes tais como Tales from the Hood [Contos Macabros] (95, Rusty Cundieff); New Jersey Drive [Ladrões de Carro] (95, Nick Gomez); The Best Man [Amigos Indiscretos] (99, Malcolm D. Lee); Love & Basketball [Além dos Limites] (00, Gina Prince) e 3 A.M. [Madrugada Mortal] (01, Lee Davis). Mas, na verdade, nenhum destes filmes é notável, ou tão ousado e bem reailzado quanto Faça a Coisa Certa.

Como diretor, igualmente, Lee não tem se equiparado às suas próprias melhores obras. Irmãos de Sangue é um bom filme sobre drogas em uma cidade, porém mais obstinado que brilhante. A Hora do Show - uma tentativa de sátira - caiu raso. Melhor de todos foi O Verão de Sam, grande em sua elaboração, mais um que cedeu seu próprio controle a muita conversa crua, improvisações para seu próprio benefício, uma acomodação para a atmosfera urbana e um tratamento duro às mulheres. Mas Lee está produzindo tanto, e ainda somente em seus cinquenta e tantos anos. Ele é capaz, penso, de um grande filme sobre Nova York - e seria melhor se ele a observasse como seu tema, e deixasse a responsabilidade de ser o melhor diretor negro de lado para cuidar de si. 

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alexander A. Knopf, 2014, pp. 1444-46. 

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