Filme do Dia: Filadélfia (1993), Jonathan Demme
Filadélfia (Philadelphia, 1993, EUA). Direção:
Jonathan Demme. Rot. Original: Ron Nyswaner. Fotografia: Tak Fujimoto. Música:
Howard Shore. Montagem: Craig McKay. Dir. de arte: Kristi Zea & Tim Galvin.
Cenografia: Karen O’Hara. Figurinos: Colleen Atwood. Com: Tom Hanks, Denzel
Washington, Jason Robards, Antonio Banderas,
Mary Steenburgen, Joanne Woodward, Charles Napier, Roger Corman, Robert
Ridgely, Ron Vawter, Charles Glenn, Ann Deavere Smith.
Andrew
Beckett (Hanks) em pouco tempo não apenas se descobre portador do vírus HIV
como igualmente demitido de seu importante posto em uma companhia. Após tentar
vários advogados, quem surpreendentemente aceita o caso, após testemunhar uma
constrangedora cena de preconceito na biblioteca, é o homofóbico Joe Miller
(Washington). Juntos entrarão com um processo contra a firma mais reconhecida
de direito de Philadelphia, comandada por Charles Wheeler (Robards).
Uma
distância estelar separa as imagens documentais que acompanham os créditos
iniciais (acompanhados pela canção Streets
of Philadelphia de Bruce Springsteen) e o melodrama de mensagem moral
defendido pelo filme que, pelo bem de sua potencial bilheteria, assim como de
pretensa bandeira de luta contra o preconceito, foca na batalha judicial mais
que na vida íntima de seu personagem principal. Nesse sentido, o Andrew de Hanks é uma figura praticamente asséptica em sua sexualidade, apenas evocada em
um momento no tribunal que Andrew confirma que manteve contatos sexuais em um
cinema quando já encontrava com o companheiro; fora essa referência verbal,
insinuada muito sutilmente em termos de imagens, sua sexualidade soa tão
anódina quase tanto quanto os personagens vividos pelo ator negro Sidney
Poitier no auge de sua carreira. Suas cenas românticas com o companheiro
bastante fakes, e o casal composto
por Hanks-Bandeiras vivido por dois atores conhecidamente heterossexuais são
motivos para afastar o filme dos guetos e se tornar comercialmente viável, e da
mesma forma buscar instilar no espectador uma ideia abstrata de uma causa justa
mais que um retrato mais nuançado do que expõe. O Andrew de Hanks é alguém
polido a exaustão de qualquer característica execrável (excelente profissional,
filho e companheiro, além de combativo por seus direitos) enquanto o eixo do
mal é personificado sobretudo por seu ex-patrão, o mesmo que o havia galgado
hierarquicamente na empresa pouco antes, Charles Wheeler vivido por Robards
(homofóbico, cruel, ganancioso e pragmático). Já o Miller de Washington é o que
rapidamente se converte da homofobia ao compartilhamento da dor e finitude
próxima de seu cliente, efetuando a transição para o eixo do bem. Aliás, o
filme é mais sobre essa relação (e, consequentemente, sobre se angariar simpatia
da parcela da sociedade ainda insensível ao sofrimento e morte social provocado
pela doença) que de se observar a situação a partir do segmento diretamente
atingido, já tido como propenso a ser simpático ao que o filme expõe. Das
facilidades maniqueístas, não seria necessário grande esforço para imaginar que
o perfil de Andrew não era tão distante assim do seu futuro algoz, sendo a
doença um divisor de águas, tal como se pretende que o mesmo seja verdade para
os homossexuais e sua aceitação pela sociedade. A figura de Miller é didática,
passando daquele que teme até o contato físico inicial com seu futuro cliente e
visitando um médico para saber sobre o risco de contágio pela proximidade a
defende-lo, mas não o mundo homossexual (quando do momento em que vira alvo de
piada em bar quando sai matéria a seu respeito na tv ou dando um sopapo em um
estudante negro que flerta com ele em uma farmácia) até de fato abraçar a causa
(não apenas a restrita ao seu cliente) e ir para uma festa gay e ao hospital
onde este agoniza. Didatismo que se estende para os olhares trocados no
tribunal de ambos os lados, assim como daqueles direcionados diretamente ao
espectador por Joe Miller, que faz às vezes de júri popular em alguns momentos.
Desnecessário talvez afirmar que o filme vai se tornando crescentemente presa
de sua manipulação emocional – algo observado, inclusive, em produções bem
posteriores sobre o tema, como 120
Batimentos por Minuto (2017), de Robin Campillo – enfatizando o declínio
físico de seu personagem (por um Hanks crescentemente magro) e também por um
exímio trabalho de maquiagem e chegando a utilização de imagens domésticas do
personagem quando criança (do próprio Hanks) que encerram o filme, ao som da
canção-título composta por Neil Young. Sua tradição de transformação física de
seu ator principal passa por nomes como Robert De Niro (O Touro Indomável) e Gary Oldman (O Destino de uma Nação), sendo seus esforços recompensados pelo
prêmio da Academia. Pode ser pensado igualmente como um
continuador da tradição liberal dos filmes que, em última instância, não deixam
de enaltecer a democracia americana, ao apresentar um passo adiante de sua
consecução e compartilhamento, na linha dos filmes que começaram a surgir após
a Segunda Guerra como os de Kazan (A Luz
é Para Todos), Kramer (Acorrentados),
Mulligan (O Sol é para Todos),
dentre muitos, e a centralidade do tribunal tampouco deixa de ser evocativa
dessa mesma tradição. A referência a cidade
ser um marco importante dos “pais fundadores” da nação, assim como o
destaque dado a imagem da estátua de William Penn, encarapitada no histórico
prédio da prefeitura da cidade, reforçam ainda mais essa tradição. Clinica
Estetico para Tri-Star Pictures. 125 minutos.
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