O Dicionário Biográfico de Cinema#83: David Hare
David Hare, n. St. Leonard's-on-Sea, Inglaterra, 1947
1977: Licking Hitler (TV). 1980: Dreams of Living (TV). 1985: Wetherby [Sombras do Passado]. 1988: Paris by Night [Uma Voz na Noite]. 1989: Strapless. 1991: Heading Home (TV). 1992: "Paris, May 1919", episódio de The Young Indiana Jones Chronicles [O Jovem Indiana Jones] (TV). 1997: The Designated Mourner. 2008: "Paris", epísódio de Young Indiana Jones: Winds of Change (TV). 2011: Page Eight [A Oitava Página] (TV). 2014: Turks & Caicos [Caribe: A Trajetória de Worricker] (TV). 2014: Salting the Battlefield [Europa: A Trajetória de Worricker] (TV).
Após uma educação no Lancing College e Cambridge, Hare se tornou um dos melhores dramaturgos interessados no senso britânico de declínio nos anos 70 e 80. Suas peças incluem Fanshen (75); Plenty (78); Pravda (85), escrita com o seu colaborador ocasional Howard Brenton; The Secret Rapture (88); e, mais recentemente, uma trilogia sobre a Igreja, o direito e a política. Sua carreira no cinema não pode ser descolada de sua vida no teatro; ambos os meios tem compartilhado seus projetos e temas, e Hare começou a dirigir somente as suas próprias peças, estimulado pela companhia dos atores. Ele tem sido bem menos feliz com o impacto de seus filmes - enquanto diversas de suas peças tem tido grande sucesso crítico e comercial - mas é provável que Hare se movimente com fluência de um meio ao outro tão longo seja seu interesse, e os problemas britânicos, persistam.
Isso é particularmente bem vindo para que os três filmes que Hare realizou para lançamento nos cinemas no final dos anos 80 - Sombras do Passado, Uma Voz na Noite e Strapless - sejam insuperáveis na Inglaterra daqueles anos. No mundo como um todo, é difícil pensar em filmes tão focados em dilemas sociais e políticos reais, mas que aparentem serem tão inclusivos, tão prontos a serem sobre tudo e qualquer coisa. Hare é longe de teatral em seus filmes. Sua direção de atores trabalha através da observação íntima do gesto, e mesmo nesses tipos de pausa, passividade ou vivência interior que seriam impossíveis no palco. Na estrutura, nunca emprega nada tão óbvio como atos ou cenas; ao contrário, alinha fragmentos, pedaços quebrados de ações, e gosta de se mover para diante ou para trás no tempo. Tão cedo quanto em Plenty, parecia influenciado pela montagem e forma de estruturar um filme. No momento, seu senso de estrutura parece tão excitante no cinema como no teatro.
Se ainda há um componente de severidade em sua encenação, essa pode ser de cautela com o puro deleite de filmar. Mesmo então, qualquer ameaça de composição esquemática é removida pelo seu fascínio por mulheres complicadas e pelas atrizes que as interpretam. Existe nos filmes de Hare até agora algo da tensão intelectual de um monge falível analisando mulheres maravilhosas.
No entanto, a mulher que paira acima e além dos três filmes de Hare, é um monstro, o buraco negro da liberdade, a Sra. Thatcher. Foi o regime e o espírito dela, Hare acredita, que minou não apenas as instituições inglesas mas o gosto pela tolerância, a argumentação, a diversidade e a vida interior no país. Portanto, provavelmente, seus filmes signifiquem mais aos britânicos (e talvez os ingleses) que poderiam significar aos estrangeiros. O que contraria a particularidade é a vastidão arejada de disposição espiritual que permeia esses filmes inteiramente agnósticos. Por que não é apenas o sistema educacional, o Serviço Nacional de Saúde, ou o linguajar dos administradores Tory que estão sob escrutínio. Hare é tocado pela memória, laços, perda, e esperança, em modos que o vinculam aos romances de Hardy, George Eliot e Henry James. Ele é o mais pedante (*) dos realizadores cinematográficos.
Sombras do Passado, penso, é seu melhor filme, em grande parte porque leva ao suicídio se pensar quando, como e se a paixão precisa ser modificada ou libertada; e porque Vanessa Redgrave nunca fez nada melhor. Uma Voz na Noite é seu grande fracasso (nunca foi lançado nos Estados Unidos): se aproxima da implausibilidade por vezes, e Charlotte Rampling não é alertada de ser agradável como sua heroína. Ainda assim, a velocidade das consequencias em sua história é fascinante, e o filme desenvolve a fé de Hare na pressa do melodrama sob os modos e propriedades ingleses. (Plenty é repleto do mesmo esforço).
Strapless possui Blair Brown como uma médica americana em Londres que se desequilibra por um homem misterioso e infiel, assim como atormentada por sua própria desenraizada irmã. O título é muito direto, pois o argumento do filme é que a vida se levanta por conta própria, apesar de nossas preocupações. Dificilmente há outro filme moderno que se possa dizer, que seu tema é, simplesmente, a força da vida, a permanência que passa pelo erro, a morte, o desastre.
Os filmes de Hare não são fáceis - ele trabalha com a sutileza de um romancista. Mas eles retribuem visões repetidas e estou confiante que sobreviverão como obras marcantes dos anos 80. Quanto ao futuro, dependerá bastante do que acontecerá com a Inglaterra. Ele está para hoje algo como o documentarista Humphrey Jennings ao final da guerra. Qual é seu tema?
Como em seus próprios filmes, Hare realizou os roteiros para Saigon - Year of the Cat [Tragédia no Vietnã (Stephen Frears, 83), uma brilhante invasão do território americano, e a melhor das evidências de que ele poderia ir além de casa; Plenty [Plenty, o Mundo de uma Mulher] (85, Fred Schepisi); e Damage [Perdas e Danos] (92, Louis Malle), a primeira coisa que Hare fez que soa como um coro oportunista - as pessoas em Perdas e Danos nunca nos convencem que merecem uma vida moral. Ele também adaptou a sua própria peça, The Secret Rapture [Entusiasmo Secreto] (94, Howard Davies).
Os esforços principais de Hare são para o teatro -e por que não? - mas ele também tem roteirizado e aparecido em Via Dolorosa (00, John Bailey), e adaptou o romance de Michael Cunningham para The Hours [As Horas] (02, Stephen Daldry). Como diretor, sua nova obra mais significativa é The Designated Mourner, que foi melhor recebida por alguns outros que por esse escriba.
Porém, como roteirista, continua a se envolver em projetos importantes: Pogled u Nebo (07, Milivoje Milojevic), uma versão de sua peça Skylight; My Zinc Bed [Minha Cama de Zinco] (08, Anthony Page), para a TV; e uma adaptação magistral para as telas de The Reader [O Leitor] (08, Daldry).
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1144-1147.
(*) O intraduzível termo "leavisite", cunhado pelo crítico literário F.R. Leavis, é utilizado de forma frequentemente pejorativa a uma abordagem da literatura e da cultura associada ao elitismo cultural, a alta cultura, a nostalgia por uma sociedade tradicional pré-industrial, julgamentos morais e hostilidade ao marxismo, "comercialismo" e a cultura de massas.
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