Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#16: Carlos Sorín
Carlos Sorin (Argentina, 1944-). Ambientando quase todos os seus filmes na remota província sulista da Patagônia, Carlos Sorín é um dos mais bem sucedidos diretores de cinema sul-americano, tanto crítica quanto comercialmente, especializando-se em charmosas comédias ligeiras "road movies". Nascido em Buenos Aires, ganhou um projetor de cinema de brinquedo quando crianças, mas queria um verdadeiro, ganhando uma câmera de 16 mm aos 12. Estudou na Escola de Cinema de La Plata e começou trabalhando como assistente para Albert Fischerman. Durante 20 anos realizou comerciais, que lhe proporcionaram valorosa experiência, mas deliberadamente produziu um estilo diferente ao seu fazer cinematográfico em longas-metragens - não o formalismo"barroco" deslumbrante dos anúncios - começando com La Película del Rey (1986). Sorín também trabalhou como diretor de fotografia em uns poucos filmes experimentais nos idos da década de 1970 para Edgardo Cozarinsky e Miguel Bejo, e filmou dois projetos nunca completados, incluindo La Nueva Francia de Juan Fresán e Jorge Goldenberg. Após o golpe militar, em 1976, Sorín retornou a realizar exclusivamente comerciais.
Sorín teve dificuldade de conseguir financiadores para La Película del Rey, o que levou 18 meses para concluí-lo, trabalhando somente aos finais de semana. Pergunta-se o quanto o filme pode ter mudado nesse processo, desde que incorporou La Nueva Francia como o filme-dentro-do-filme e proporciona uma análise das dificuldades de se realizar um filme de longa-metragem "real". O filme de Sorín se inicia com febris atividades de pré-produção, seguidas pelo jovem diretor David Bass (Júlio Chavez) discutindo em uma entrevista de TV o tema de seu filme, baseado em uma história real. Em 1860 um francês, Orélie Antonie de Tounens, declarou-se a si próprio rei da Araucânia, uma região remota da Argentina, povoada principalmente por indígenas e sem ser juridisção do Chile ou da Argentina. Ele sobreviveu por 17 anos nesse papel, antes de retornar à França. Coincidindo com a própria prática de Sorín, David, abandonado por um financiador, passa a empregar não-atores, incluindo um vendedor de carros de Buenos Aires, como o rei (Miguel Dedovich), e filmando em silêncio, para posterior dublagem. A equipe do filme move-se de um hotel para um orfanato e eventualmente em tendas na planície varrida pelo vento, antes de finalmente serem interrompidos pelo Exército. A farsa de Sorín termina com filmagens melancólicas e experimentais que havia efetuado para La Nueva Francia e a última tentativa de David de resgatar seu filme: planos de manequins de arame fazendo as vezes de atores, que abandonaram a produção.
Ainda que La Película del Rey não tenha sido bem sucedido nas bilheterias na Argentina inicialmente, foi muito bem no estrangeiro, conquistando um Leão de Bronze de Melhor Primeiro Filme em Veneza, e também o primeiro prêmio Grand Coral no Festival Internacional del Nuevo Cine Latino Americano de 1987 em Havana, após vencer o Goya de Melhor Filme Espanhol Estrangeiro da Academia de Cinema. A obra de Sorín também foi apreciada pelos críticos de cinema argentinos, com seu filme ganhando cinco Condores de Bronze em 1987, incluindo melhor roteiro original, com Jorge Goldenberg, e Melhor Primeiro Filme.
O próximo projeto de Sorín foi um documentário fake para a TV sobre uma droga milagrosa feita da glande do grande pássaro ñandú, Le Era del ñandú (1986). Após o sucesso desses dois primeiros projetos lhe foi oferecido um acordo de co-produção com o Reino Unido em um filme predominantemente de língua inglesa, Eversmile, New Jersey (1989), estrelado por Daniel Day-Lewis como um dentista viajando pela Patagônia numa motocicleta. A película estreou no prestigiado Festival de Cinema de Toronto, e a co-estrela de Day-Lewis, Mirjana Jokovic, ganhou o Prêmio de Melhor Atriz no Festival Internacional de San Sebastián, na Espanha, mas Eversmile, New Jersey nunca foi lançado na Argentina.
Não fica claro porque Sorín levou tanto tempo (treze anos) para concluir seu próximo longa, Histórias Mínimas (2002). No início dos anos 1990 houve uma crise na indústria de cinema argentina, ainda que existam rumores dele ter realizado um filme em 1993, intitulado Fast Forward. Histórias Mínimas é talvez o melhor filme do diretor. Após sua estreia em San Sebastián, ganhou o Prêmio Especial do Júri e os prêmios FIPRESCI e SIGNIS, sendo lançado na Argentina e ganhando outros oito prêmios em festivais internacionais, antes de vencer oito Condores de Bronze dos críticos de cinema argentinos, dentre eles o de melhor filme e diretor, em 2003. Novamente ambientado na Patagônia, Histórias Mínimas, como o título sugere, combina três "pequenas" histórias simultâneas: Don Justo, de oitenta anos, busca seu cachorro desaparecido; um vendedor viajante na faixa de seus quarenta, Roberto, está carregando um bolo de aniversário para o filho de uma viúva, que está cortejando; e Maria, de vinte e cinco anos, que é pobre, está pegando um ônibus com sua filha para competir em um concurso de televisão que oferece um processador de comida. Todos os protagonistas estão viajando pelo sul da Patagônia, e suas histórias se entrelaçam.
Com a exceção principal de Javier Lombardo, que interpreta Roberto, quase todos os atores que Sorín elenca em Histórias Mínimas são não-profissionais, padrão que repetirá em seu filme seguinte, El Perro [O Cachorro], também conhecido como Bombón: El Perro (2004). Juan Villegas é um mecânico que perdeu seu emprego em um posto de gasolina. Como pagamento pelo reparo em um carro, lhe é oferecido um dog argentino pura raça chamado Gregorio. Villegas descobre que pode viajar ao longo da Patagônia com Gregorio e inscrevê-lo em concursos de cachorros. Uma vez mais, Sorín participou de San Sebastián e Toronto em setembro, e conquistou um punhado de prêmios no festival espanhol. Mais importante, talvez é que Bombón: El Perro foi lançado em muitos países, incluindo França, Itália, Canadá, Bélgica, Holanda, e Austrália e foi um êxito em um país amante de cachorros como o Reino Unido. Em 2004, Sorín também participou do filme coletivo 18-J, um tributo às 85 vítimas da explosão na Associação Mútua Argentino-Israelense em 18 de julho de 1994.
Para seu próximo filme, Sorín finalmente se afastou das paisagens notavelmente planas da Patagônia varrida pelo vento para filmar El Camino de San Diego (2006). Outro road-movie charmoso e comédia leve, esse seguindo Tati Benitez, fanático fã de futebol, vivendo na floresta de Misiones com sua esposa grávida - ambos não-atores representando basicamente a si próprios - que viajam a Buenos Aires para visitar o enfermo Diego Maradona. O "deus" do esporte, Maradona, recupera-se de um ataque cardíaco sofrido em 2004, ainda que a visita de Tati e o "presente" que leva, a raiz de uma árvore esculpida, sejam claramente ficcionais. Ao longo do caminho Tati encontra muitas pessoas que o ajudam, até mesmo um motorista de caminhão brasileiro, cujo ídolo, naturalmente, é o maior jogador de futebol do país, Pelé, e único rival de Maradona como o "maior futebolista" de todos os tempos. Mesmo que essa história tivesse maior resonância com os públicos de cinema em geral e o teve, ganhando prêmios em San Sebastián, como muitos outros filmes do diretor, El Camino de San Diego não foi lançado em muitos países. Sorín continua a realizar leves e charmosos filmes de longa-metragem, bem sucedidos comercialmente, incluindo La Ventana [A Janela] (2008), apesar de El Gato Desaparece (2011), que lhe proporcionou seu quarto Condor de Bronze, terminar em um tom bem mais sombrio.
Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp.537-40.
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