Filme do Dia: Woody Allen: Um Documentário (2014), Robert B. Weide

 


Woody Allen: Um Documentário (Woody Allen: A Documentary, EUA, 2014). Direção e Rot. Original: Robert B. Weide. Fotografia: Neve Cunningham, Anthony Savini, Nancy Schreiber, Bill Sheehy & Buddy Squires.  Montagem: Karoliina Touvinen & Robert B. Waide.

Documentário algo burocrático sobre a prolífica carreira de Woody Allen cobrindo desde a sua precoce vinculação a nomes da comédia como Sid Caesar, passando pelo stand up e as dezenas de convites para participações em televisão, incluindo o célebre Dick Cavett, que se tornou seu amigo pessoal, todas orquestradas pelo seu longevo produtor e antes empresário, o centenário Jack Rollins até as suas primeiras participações no universo do cinema, com comédias que estabeleceram de vez sua persona clownesca, para seu próprio desgosto. O divisor de águas que foi Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), não apenas para a filmografia do realizador, mas para a própria comédia cinematográfica americana. O retumbante (e algo exagerado) fracasso de público e crítica de Memórias (1980), que para alguns poderia sinalizar algo como o final da carreira do realizador. Porém, esse ressurge com a parceria com Mia Farrow em inúmeros filmes criativos como Zelig ou A Rosa Púrpura do Cairo. O processo de seleção de elenco, ao qual Allen mal fala com os atores que se candidatam a participar de seus filmes. O escândalo de seu envolvimento com a sua enteada, Soon Yi-Previn, e a ruidosa separação de Mia Farrow. Uma nova possibilidade de final de carreira é seguido por outros filmes que receberam aclamação irrestrita da crítica como Ponto Final. A “globalização” da carreira do realizador, que troca Nova York pela Europa. Sua algo forçosa participação no Festival de Cannes. Ou folclórica seria a aparente tortura que tudo isso representa para ele no esforço de divulgar seus filmes? Essa quase hagiografia de Allen acaba contando com tantos depoentes jogando confetes sobre o realizador que seus discursos parecem fazer eco aqueles que se aproximam de Allen durante os festivais para elogios vazios que ele não deixa de ocasionalmente revidar de forma irônica, como o sujeito que afirma que toda a Alemanha o ama e ele indaga algo como: “Não é gente demais?” Não se pode imaginar que o documentarista que pretensamente teve maior proximidade com o cineasta até hoje fosse trazer uma perspectiva negativa, o que não é tão difícil, dado o carisma de seu protagonista. Imagens dos pais de Allen mortos aos 96 e 100 anos respectivamente são seguidos de comentários dele e de sua irmã de que eles passaram a vida toda brigando. Allen revisita o pequeno edifício onde nasceu, no Brooklyn, um sobrado em que embaixo vivia o proprietário e também a escola em que ia sendo atropelado propositalmente certo dia. Centrado, de forma leve em seu trabalho, mas não se evadindo por completo da vida privada, sinônimo do escândalo já referido. Esse ganha, evidentemente, uma relação inversamente proporcional a que teve pela cobertura midiática e mesmo inicialmente parece ter sido erradicada juntamente com a parceria com Farrow, já que a segunda parte do documentário (ao menos nessa versão, mais longa, lançada somente em DVD e exibida pelo canal PBS nos EUA) que vinha acompanhando cronologicamente a filmografia do realizador, subitamente parte para sua produção mais recente realizada na Europa, esquecendo temporariamente justamente sua parceria de 12 anos com a atriz de O Bebê de Rosemary, a quem o cineasta consegue se referir de forma equilibrada, talvez um pouco tensa, mas longe de expressar qualquer emoção maior, inclusive elogiando seu talento. Talvez um pouco mais de ternura seja traída nas suas lacônicas observações sobre outra de suas companheiras do passado, Diane Keaton, referindo-se sobretudo ao fato dela ser uma pessoa que o faz rir – algo comprovado nos bastidores de um dos filmes que fizeram juntos, quando Allen simplesmente desiste de filmar a cena pois sempre acaba estourando em risos. Sua vulnerabilidade melancólica surge mais desarmada quando, seguindo-se o comentário de Chris Rock sobre quão mais sensual é Ponto Final para um cineasta da sua idade então que a maior parte das produções de diretores de metade da sua idade, e Allen afirma que ainda é algo que consegue falar por ainda sentir, o que certamente acredita em algum momento já não ocorrerá mais. Outro momento que se destaca em meio a lugares algo comuns como o de ninguém acreditar, inclusive ela própria, Dianne Wiest de que seria convincente como neurótica atriz de teatro em Tiros na Broadway, que proporcionaria o segundo Oscar de coadjuvante da atriz e novamente em um filme de Allen (o primeiro havia sido por Hannah e Suas Irmãs). O documentário encerra com a constatação típica do realizador de que mesmo tendo alcançado tudo o que sonhara, de tocar jazz em New Orleans, a ser comediante e ator e realizador de cinema ainda se sente algo sacaneado sem saber exatamente o porque. A resposta, em parte, talvez seja dada no corpo do próprio documentário, quando ele afirma sobre a prisão que sua persona de palhaço inviabilizava qualquer chance de ser levado a sério em papeis efetivamente dramáticos, tolhendo uma parcela significativa de expressão de seu próprio ser. A estrutura do documentário reforça essa ideia de alguém que consegue driblar o que parecia significar o final de sua carreira em mais de um momento, também trazendo uma resposta praticamente pronta para tais situações: a incrível capacidade de compartimentalização de áreas diferentes de sua personalidade (algo referido em uma montagem sucessiva de planos por diversos depoentes), capaz de fazê-lo dirigir uma cena, por exemplo, poucos minutos antes de ir ao tribunal para se defender das acusações de Farrow.  De seu processo criativo algumas referências esparsas: notas em papéis soltos; colagens em folhas de papel; a velha máquina de escrever que funciona a décadas; uma senhora que costumava visitar o restaurante com Mia Farrow e que Mia pediu para encarna-la, o que visualmente se tornou a inspiração para sua personagem em Broadway Danny Rose. Destaque para o momento em que Allen, com seu passo apressado e nervoso, caminha pelas ruas de Nova York, com seu inconfundível chapéu afundado na cabeça e não muito distante de seus personagens em várias cenas semelhantes, despertando a atenção de seus transeuntes. Whyaduck Prod./Rat Ent./Mike’s Movie/Insurgent Media/B Plus Prod. 180 minutos.              

 

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