Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#14: Nostalgia de la Luz
NOSTALGIA DE LA LUZ (Chile/Alemanha/França, 2010). Um dos documentários mais originais feito em qualquer parte do mundo, durante o novo milênio, Nostalgia de la Luz (Nostalgia da Luz), dirigido por Patricio Guzmán, combina dialeticamente astronomia com arqueologia, geologia e política. O Deserto do Atacama, no Chile, onde muito da produção é filmada, é o melhor local no mundo para se ver estrelas - um planalto com atmosfera completamente clara - e como local mais seco do mundo - algumas estações não recebem chuva nunca - é um local também onde fosséis e ossos de dinossauros são perfeitamente preservados, e que mulheres buscam pelos ossos de seus entes queridos, "desaparecidos" pelo regime militar brutal de Augusto Pinochet, nos anos 70. O filme é um tratado filosófico e poético sobre a vastidão e mistério do tempo igualmente, bem como em suas minúcias, e nos problemas da ressistênchia chilena de chegar a um acordo sobre a história recente do país.
A "nostalgia" do título possui muitas implicações. Como um dos sujeitos entrevistados pelo filme, o astronômo Gaspar Galaz, conta, o "presente" virtualmente não existe, porque toda luz leva tempo para viajar, mesmo que seja somente um milionésimo de segundo para que se desloque dele à câmera. De fato, todo o filme que assistimos é um registro de eventos, que ocorreram no passado. Para Guzmán, como considerou em uma entrevista a "nostalgia é uma forma de pensamento, uma maneira da alma se relacionar com o passado. Por exemplo, ao conversar com amigos e parentes, sempre falamos no tempo passado. E é também uma análise da memória, uma forma de relembrar o passado com certo afeto."
Nostalgia da Luz começa com fotografias em preto e branco da lua e planos de câmera em movimento de telescópios. Guzmán, o narrador do filme, fala sobre o seu próprio passado e seu interesse inicial em astronomia, acompanhado de imagens de aposentos e objetos, que podem conter suas próprias lembranças. Quando o filme desloca-se para o Deserto do Atacama, inicia-se uma estratégia de montagem de comparar e contrastar diferentes planos, da vasta extensão do universo com pedras minúsculas, da superfície da lua com o topo de um crânio humano, e de estrelas distantes com berlindes de mármore esféricos (que Guzmán fala que brincava quando garoto) - algumas vezes conseguida através de cortes rápidos e outras por dissoluções, e frequentemetne os dois reinos se conectam com imagens sobrepostas de pequenas manchas, sugestivas tanto das estrelas no céu quanto da areia seca, talvez a poeira do tempo. Um arqueólogo, Lautaro Núñez é entrevistado, e após somos apresentados a cidade abandonada mineira de salitre (nitrato), de Chacabuco, que foi utilizada como campo de concentração pelo regime de Pinochet, a partir de 1973, onde dois sobreviventes, Luís Henríquez e Miguel Lawner, contam suas histórias. Henríquez foi membro de um grupo astronômico, que era de alguma forma capaz de rastrear estrelas através de um pequeno buraco no teto de sua cela, enquanto Lawner, conhecido como o "arquiteto", efetuou desenhos detalhados do complexo prisional, que não pôde manter, mas que foi capaz de memorizar e recriá-lo em um período posterior. Ele também avalia as dimensões de sua próprio cela para a câmera.
De modo mais surpreendente, um grupo de mulheres é observado, procurando na superfície do deserto e, quando duas delas, Vicky Saavedra e Violeta Berríos são entrevistadas, aprendemos que procuravam por vestígios de entes queridos a mais de trinta anos, e que se recusavam a dessistir. O filme visita então as instalações de um grande armazém, onde restos humanos não identificados são armazenados em caixas, seguindo a conexão efetuada do período sombrio da história chilena recente e a astronomia, enquanto outra entrevistada, Valentina Rodríguez, nos conta de como foi salva e criada pelos avós, após o "desaparecimento" dos pais. Por fim, Guzmán fala de quanto os astronômos e as mulheres nada sabem das buscas uns dos outros, e sem a necessidade da explicação de uma voz over, observamos as sorridentes figuras de Saavedra e Berríos dentro de um observatório, onde lhes é apresentado um telescópio por técnicos e astronômos.
Um dos mais impressionantes aspectos de Nostalgia da Luz é a beleza absoluta de sua fotografia, a cargo de uma francesa, Kateel Dijan, que desde 1991 tem trabalhado como fotógrafa dos documentários longos de Nicholas Philibert, incluindo o multi-premiado Être et Avoir (Ser e Ter, 2002). Sua obra é abrilhantada pela inclusão da fotografia telescópica e espepetacular, imagens animadas de um imaginário e distante céu noturno. Nostalgia da Luz teve sua estreia mundial em Cannes; após ter sido exibido em diversos outros festivais internacionais, ganhou o European Film Award, o equivalente ao Oscar europeu, de melhor documentário. Também apareceu na lista da revista Sight&Sound do British Film Institute (BFI) dos dez melhores do ano.
Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp.421-3.
Comentários
Postar um comentário