Filme do Dia: A Morte do Caixeiro Viajante (1951), Lazlo Benedek

 


A Morte do Caixeiro Viajante (Death of a Salesman, EUA, 1951). Direção: Lazlo Benedek. Rot. Adaptado: Stanley Roberts, a partir da peça de Arthur Miller. Fotografia: Franz Planer. Música: Alex North. Montagem: Harry W. Gerstad & William A. Lyon. Dir. de arte: Rudolph Sternad & Cary Odell. Cenografia: William Kiernan. Com: Fredric March, Mildred Dunnock, Kevin McCarthy, Cameron Mithcell, Howard Smith, Royal Beal, Don Keefer, Jesse White.

Willy Loman (March) sempre possuíra sonhos de grandeza que também projetara no filho Biff (McCarthy) que, sem aguentar tanta pressão, torna-se errante em sua trajetória afetiva e profissional. Biff retorna a morar com os Loman e com o irmão Happy (Mithcell) e a mãe Linda (Dunnock), que procura com todas as suas forças não ser uma caixa de ressonância para as tensões familiares. Willy não aguenta mais o seu cotidiano e passa a ter alucinações visuais e auditivas. Biff não é bem sucedido na entrevista de emprego que o pai lhe sugerira. Os filhos marcam um jantar em um restaurante, porém nem Biff tem boas notícias a dar ao pai, nem tampouco o pai, recém-demitido e dependente da ajuda do amigo Charley (Smith) para quitar suas dívidas, aos filhos. Ambos somem, enquanto o pai alucina no banheiro e quando sai, os filhos haviam abandonado o local. Linda não perdoa e aquiesce com o desejo de Biff de abandoná-los e nunca mais dar notícias. Biff diz a verdade do que pensa sobre tudo que sempre fora calado na família Loman e chora. Willy, tocado pelo choro do filho, dirige desgovernado e morre em um acidente de automóvel. Linda afirma que pela primeira vez não possuem dívidas em 35 anos, e a hipoteca da casa foi finalmente quitada, embora agora não exista mais Willy para testemunhar o fato.

Com uma interpretação afiadíssima de March ao início, observamos o retrato do ressentimento americano ganhando força até dominar psiquicamente seu sujeito. Praticamente podemos sentir a desesperança que o acomete quando retorna para casa confuso, relatando à esposa a beleza do que via pela estrada e que quase o faz perder o controle da direção. A encarnação ficcional do que depois será testemunhado – com mais rigor ainda – no documental Caixeiro-Viajante (1969), a obra-prima dos Irmãos Maysles.  Infelizmente seu relativo ascetismo é prejudicado por soluções dramáticas que vão na contramão desse ascetismo, como se o cineasta tivesse sido picado pelo mosquito da desconfiança quanto a prender a atenção do espectador somente pela força de seu elenco, como é o caso das gargalhadas ouvidas a representar o estado no limite da psicose de Loman. E a máscara de alucinado que assoma ao rosto de March, demasiado explícita. Noutros momentos, quando talvez assuma sem remorsos sua origem teatral mais plenamente consegue, inclusive, esquecendo-se momentaneamente de todo e qualquer adereço cênico,  apenas ressaltar Linda em conversa tensa com o filho Biff e testemunhada pelo outro filho em meio a escuridão que os cerca. Em um dos diálogos mais reveladores da situação que Willy se encontra, seu amigo Charley lhe afirma que o fato dele ter batizado o seu patrão, filho do patrão original como Howard, nada significa pois não é algo que pode ser vendido. Nessa frase Charley revela o que sustenta o Sonho Americano, sendo que os sentimentos somente podem atrapalhar nessa jornada. Ou deixa-lo cada vez mais confuso em seu sonho de sucesso ou projeção para os filhos a cada dia mais distante. De fato, se existem contradições existenciais nas relações da família Loman, tampouco deixam de existir no plano material, com Willy, em última instância, sacrificando-se a si próprio e com uma não menos ambígua consideração de sua viúva ao se despedir dele no cemitério e afirmar, chorando descontraladamente, estarem livres. Embora ela se refira das dívidas, não seria equívoco também se pensar de todo o peso da psicose do marido morto. Que tudo isso consiga relativamente ser trabalhado, sem excessos sentimentais e numa produção independente que demonstra ser barata para o padrão médio da produção contemporânea hollywoodiana, e com um elenco irregular, contando Dunnock, March e Smith, mas também com McCarthy, que se tornaria mais conhecido como galã de filmes B de ficção (a exemplo do clássico Vampiro de Almas de Siegel) é algo também digno de nota e consideração. O que, por exemplo, não ocorreria com posteriores adaptações de clássicos teatrais nacionais como Longa Jornada Noite Adentro (1962), de Lumet ou Quem Tem Medo de V. Woolf? (1966), de Nichols. A maior falha do filme, e não passaria despercebida de Arthur Miller, o dramaturgo que a criou, em pouco tempo se tornando obra canônica do teatro norte-americano, foi a literalidade das “visões” de Willy, trabalhadas no plano mental no teatro mas ganhando uma outra ênfase quando observadas em sua fisicalidade no filme, transformando o personagem em alguém mentalmente perturbado. Produzido pelo mais ardoroso defensor dos dramas liberais sob o formato de filmes de mensagem e que também se tornaria cineasta. Stanley Kramer Prod. 110 minutos.

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