Filme do Dia: O Faroleiro da Torre de Bugia (1922), Maurice Mariaud
O Faroleiro da Torre de Bugia (Portugal, 1922). Direção e Rot. Original: Maurice Mariaud. Com: Maurice Mariaud, Castro Neves, Abegaida de Almeida, A. Castro Neves, Maria Sampaio, Sofía Santos.
Rosa (Almeida), após a morte do pai pescador no mar, torna-se motivo dos cuidados do primo mais velho João Vidal (Mariaud), e sua irmã Maria Ana (Sampaio). Vidal desenvolve um extremo zelo pela moça que logo se descobre amor e pretende se casar com ela. Não sabe, porém, que ela já era alvo dos interesses do impulsivo Antonio Gaspar (Castro Neves), a quem rejeita e, revoltado com sua recusa, a joga do alto do penhasco. Com Rosa, todas as suspeitas se voltam contra Gaspar que, por motivos de trabalho, sendo colega de profissão de Vidal, viaja com ele ao farol, numa ilha deserta. Lá, a disputa acirrada, motivada pelo ódio mútuo, findará em tragédia.
Tradicionalmente são os histrionismos femininos os mais lembrados nos dramas mudos, mas aqui quem parece roubar o protagonismo nesse sentido são os homens, particularmente o Antonio Gaspar de Castro Neves, que já apresenta o aspecto esquivo que se revelará de absoluto vilão posteriormente. E se o triângulo amoroso é tão velho quanto o próprio cinema narrativo, ou seja, já era lugar-comum a pouco mais de uma década, a morte precoce da heroína, precedida pela situação climática típica do despenhadeiro é digna do Psicose, de Hitchcock ou do Roma: Cidade Aberta, de Rossellini. Com algumas boas soluções dramáticas, elaboradas visualmente, tal qual Gaspar, sua mãe e o seu rival João Vidal entre os dois, que por pouco não flagra o direcionamento do olhar de Gaspar à mãe para que mentisse, os três perfilados de forma não muito naturalista diante da câmera, o filme tira ainda melhor partido da profundidade de campo em meio as casas e a areia da vila de pescadores e demarca visivelmente o espaço burguês de João Vidal, assim como seus modos, da humilde vila. Que Antônio Gaspar seja de origem humilde e nada próximo de encarnar um futuro pai de família “bem apessoado” como o outro, e que o próprio pai de Rosa já alertasse em nada fica a dever às caricaturas que Mauro efetivava pouco depois no Brasil, de viés não muito distinto. Mesmo que sem a ênfase por demais acentuada das heroínas de Mauro e outras ao redor do mundo, a Rosa de Almeida, em interpretação dignamente contida, não demonstra uma recusa imediata aos avanços de Gaspar, quando esse lhe traz flores e essa ainda se encontra em luto pela morte do pai. Se a fragilidade do desejo feminino se traduz numa ambiguidade algo perversa nesse primeiro momento, e posta na conta como artimanha tipicamente feminina, logo ela deixará bem claro que não quer nada com ele, inclusive afirmando que seu pai já lhe alertara que ele não seria bom marido. Aqui, observando-se fria ou mesmo cinicamente, poder-se-ia deduzir que Rosa sentia maior atração pelo homem mais jovem, mas os impedimentos de caráter do mesmo e, principalmente, sua falta de posses e de garantia de uma maior estabilidade, fizeram-na recuar e aceitar o primo por comodidade, já que agora se encontra igualmente sem o pai para sustenta-la. Salta aos olhos que o realizador tinha pretensões artísticas para traduzir o tom lúgubre, e mesmo gótico, da disputa dos rivais ao final, em que imagens de ambos são observadas por entre ameias ou ainda a trágica composição em que o mar revolto, explodindo violentamente de encontro as pedras, seja seguido pelo desaparecimento de Gaspar e indo num crescendo que se aproxima das produções expressionistas alemãs contemporâneas, fazendo jus a figura de Gaspar como não muito distante do Cesare de O Gabinetedo Dr. Caligari e a busca da elaboração de uma lírica sombria a partir menos da cenografia, como nessa produção, mas das próprias locações, próximo do estilo de Murnau. E como em Nosferatu, desse realizador e produzido no mesmo ano, as sombras são, antes de tudo, um prenúncio do mal e aqui as vemos sobretudo, disformes e agigantadas, quando da reaparição de Gaspar. Que esse, enquanto demonstração de seu bom mocismo, mesmo à beira da morte, cumpra suas obrigações até o final, hasteando a bandeira de Portugal e depois tomando notas em seu diário, é de uma desnecessária redundância patética. E uma cartela antecipa seu fim. Mariaud, cineasta e ator francês, tentou sem grande sucesso emplacar carreira em Portugal, por motivos diversos – no caso do filme Nua (1931), a última obra que dirigiu, o sucesso efêmero da mesma logo seria ofuscado pela moralidade extremada da ditadura salazarista e, infelizmente, não sobreviveria ao tempo. Dividido em cinco partes, em que todas voltam a reapresentar o logotipo da companhia produtora e o título do filme, sugerindo que talvez também fosse exibido por partes quando de seu lançamento. Também conhecido como Os Faroleiros, homônimo de uma produção brasileira de dois anos antes. A cópia em questão não traz trilha incidental. Caldevilla Filmes. 72 minutos.
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