Filme do Dia: Dias de Fogo (1969), Haskell Wexler
Dias de Fogo (Medium Cool, EUA, 1969). Direção, Rot.
Original e Fotografia: Haskell Wexler.
Música: Mike Bloomfield. Montagem: Verna Fields. Dir. de arte: Leon Ericksen.
Com: Robert Forster, Verna Bloom, Peter Bonerz, Marianna Hill, Harold
Blankenship, Charles Geray, Sid McCoy, Christine Bergstrom.
Chicago, 1968.
Em meio aos violentos protestos que ocorrem na cidade, um jornalista, John
Cassellis (Forster) encontra uma jovem viúva, Eileen (Bloom) e seu filho Harold
(Blankenship). Despedido e investigado
pelo FBI, Cassellis se torna próximo de Eileen. Quando Harold os flagra
namorando, sai de casa sem dar notícia. Eileen busca desesperada pelo filho,
mas somente encontra uma cidade caótica, vivenciando um conflito entre a
polícia e os manifestantes em um parque.
Filmado em
16 mm, talvez o que chame mais atenção nesse filme seja menos o choque entre
ficção e realidade em seus momentos finais, tal como sugerido por alguns, que a
interpretação casual de seus atores e o extraordinário trabalho de câmera de
Wexller, fotógrafo de cinema antes de realizador e que também efetivou a
fotografia do filme, cuja fluidez e proximidade com o acontecimento é
facilitado por ter sido originalmente filmado em 16 mm. Tampouco menos
cuidadoso é o seu trabalho de som, onde existe desde vários momentos em que não
há coincidência entre a banda sonora e a imagem, recurso em voga em diversos
momentos no cinema moderno de então como mesmo a dublagem de uma banda de rock
em um clube por uma canção do Mothers of
Invention, de Zappa. Todo essa atmosfera de casualidade e intimidade
certamente deve muito ao trabalho anterior de Wexler com Cassavetes, tendo sido
fotógrafo não creditado de seu Faces,
e a quem homenageia com o nome de seu protagonista, originalmente chamado
Cassavetes e a ser interpretado pelo próprio. Assim como a influência de Godard,
que Wexller não se escusa em apontar em mais de uma referência – numa delas o
áudio de uma propaganda na tv anunciando O Desprezo, “filme do polêmico realizador francês”. Mesmo existindo certo
momento de conflito em que a falta de controle sobre o universo habitualmente
ficcional e sua habitual sensação de segurança literalmente desmoronam, algo
bem representado na voz de alguém que grita...”Haskell...isso é real” (mesmo
que tal afirmação tenha sido incluída posteriormente na banda sonora) e uma das
sequências mais belas do filme, seja a que Eileen caminha por ruas repletas de
soldados, tanques e carros do exército, talvez exista uma ênfase excessiva
quando Renov escreve sobre um apagamento literal do espaço ficcional pelos
fatos reais. É certo que Eileen se encontra em segundo plano muitas vezes nos
momentos documentais descritos, mas nem sempre e ela não chega a desaparecer da
narrativa – como faz Antonioni na seqüência final de O Eclipse, destituída de qualquer personagem que não o próprio e
recorrente cenário. Nesse sentido, em nenhum momento até o seu final, o filme
abdica de sua referência ficcional. Porém, de todo modo é muito pouco observado
no cinema um filme ficcional que possua uma interação tão grande com eventos
que estavam ocorrendo simultaneamente a sua realização. Em vários momentos, deixa-se claro a questão da responsabilidade social e da ideologia vinculada
à questão da imagem seja no jornalismo ou em Hollywood, sendo que por vezes tal
crítica assoma na própria dimensão documental do filme – manifestantes gritando
contra a saída de um carro de uma emissora de TV do local dos protestos.
Enquanto sua parte “dramática” resulta em momentos nem sempre tão afinados ou
mesmo clichês como o o do pai iniciando o garoto em algumas das questões mais
vitais na vida adulta e a estratégia dramática da interação entre personagens e
pessoas que não compartilham do universo diegético do filme seria ainda mais
explorada em um filme como Iracema, uma Transa Amazônica.Talvez
uma de suas cenas que dialogue mais fortemente com o espectador de mais d meio
século após o seu lançamento seja a que os negros de um bairro miserável de
Chicago – numa apresentação da miséria provavelmente inédita m qualquer filme
distribuído por um grande estúdio norte-americano até então – discuta a sua marginalidade quanto a forma que são representados pela mídia,
interagindo em certo momento com a própria câmera. Foi boicotado no momento de
seu lançamento, pois a produtora temia que pudesse atiçar mais os
ânimos ainda quentes dos espectadores. National Film Registry m 2003. H & J para Paramount Pictures.
112 minutos.
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