O Dicionário Biográfico de Cinema#2: Richard Gere






Richard Gere
Nascimento: Filadélfia, 1949

Houve vezes quando Richard Gere teve o efeito cálido de um túnel de vento ao amanhecer, esperando por trabalho, resplandescente, curvado,  e emanando vazio. De fato, a mais que sombriamente passiva beleza de Gere é seu maior atributo; e é o que faz sua confrontação com as camisas de grifes dobradas em Gigolô Americano/American Gigolo (80, Paul Schrader), um dos grandes momentos de um homem se olhando em um espelho num filme. Mesmo em Uma Linda Mulher/Pretty Woman (90, Gerry Marshall), o mais sutil dos truques de Gere (ele pode roubar as cenas quase impassivelmente), parece, em espírito, mais belos ainda que Julia Roberts, mais dedicados ainda a algum estetismo imperturbável. Somente Alain Delon havia agido desse jeito antes, o que faz alguém se dar conta que Gere nasceu para interpretar o Ripley de Patricia Highsmith.

Ele esteve em demasiado filmes ruins para que se pensasse que sua carreira  estava próxima do fim, para revelar os limites de sua auto-estima e para nos alertar que suas mais ativas e espontâneas explosões de comportamento são algumas vezes calculadas como uma dança. Geralmente ele é mais interessante quando faz menos. Mas houve ocasiões suficientes que tem sido o único a prender atenção. Está amadurecido agora; é um bom aprendiz e capaz de surpresas, especialmente quando encorajado a ser sinistro. Não pode relaxar; teme o humor estragar um senso superior de engenhosidade.

Cresceu no norte do estado de Nova York, de onde partiu para a Universidade de Massachussets (em 1967) para estudar filosofia e cinema. Então vagou, como ator de Provincetown a Seattle, Nova York e Londres. Interpretou Danny Zuko em Grease na Broadway e, poucos anos depois, impressionou bastante em Killer's Head, de Sam Shepard  e Bent, de Martin Sherman. Fez pequenos papéis em Perigos/Report to the Comissioner (75, Milton Katselas); na TV em Strike Force (75, Barry Shear); e em O Amor não Vai à Guerra (Baby Blue Marine, John Hancock); mas chamou a atenção como o mais extravagante e aparentemente perigoso dos ficantes de Diane Keaton em À Procura de Mr. Goodbar/Looking for Mr. Goodbar (77, Richard Brooks). O "Tony" de Gere foi uma audição de peça prolongada - fascinante, mas desenraizado - que prometia uma corporeidade como Brando que foi, na verdade, uma anátema para uma vigilância distraída.

Por alguns anos, ele foi um ator intenso: bom em Irmãos de Sangue/Bloodbrothers (78, Robert Mulligan); uma das superfícies fotografadas em Cinzas no Paraíso/Days of Heaven (78, Terrence Malick), não tanto um ator quanto um modelo; razoavelmente comum em Os Yankees Estão Voltando/Yanks (79, John Schlesinger); e tão imprescindível para Gigolô Americano que nos faz esquecer que foi uma substituição tardia de John Travolta. Travolta pode ter visto quão facilmente poderia ser exposto a um equilíbrio precário entre modismo e pretensão. Gere parece ter conhecido Julian Kaye, e ter sentido a poesia ácida de Los Angeles na visão do filme. É uma visão de Schrader (e um filme importante), mas Gere tornou-o reconhecível para um grande público, e introduziu o enfraquecimento moral enquanto tema em nossos filmes. Revisto, Gigolô é estranhamente calmo, estoico e resignado; havia já uma insinuação da mentalidade oriental.

A Força do Destino (82, Taylor Hackford) foi um sucesso mais amplo, um filme comercial sobre um homem ansioso pelo autoconhecimento e encontrar um propósito. Não era o território de Gere, e as cenas de amor com Debra Winger possuem pouco calor, com a atriz deixando a conhecer que o ator estava preso a si próprio. Ele não tem sido fácil de interagir em cenas de amor.

Tão logo foi realizado, a sorte acabou. A Força de um Amor/Breathless (83, Jim McBride) foi um fracasso. No entanto, é a obra mais ousada de Gere, mais divertida e menos precavida. No entanto, o projeto foi a refilmagem de um pastiche, portanto não se poderia reivindicar sobre a natureza humana. Ainda assim, Gere foi surpreendentemente cinético, e verdadeiramente revigorou sua sóbria interlocutora.

Seguiu-se o declínio: O Cônsul Honorário/Beyond the Limit (83, John Mackenzie); uma versão de Grahan Greene de O Cônsul Honorário/The Honorary Consul ; o caótico Cotton Club (84, Francis Ford Coppola), no qual tocava algum trompete e fazia música, enquanto tentava sustentar a película junto; Rei David/King David (85, Bruce Beresford); tentou ser como Eastwood em Sem Perdão/No Mercy (86, Richard Pearce); Os Donos do Poder/Power (86, Sidney Lumet); e Gritos de Revolta/Miles from Home (87, Gary Sinise).


De repente, em Justiça Cega/Internal Affairs (90, Mike Figgis) ele deu vazão a uma cobra sorridente, um tira que tratava o Departamento de Polícia de Los Angeles como uma agência de talentos. Foi brilhante em um filme modesto, assim como teve faro de negócios para conduzir Uma Linda Mulher sobre seu passado mais sórdido e ofensivo.


Era então um homem do mundo, de alguma forma um expoente da moda da meditação, com o Dalai Lama em um braço, e Cindy Crawford no outro. Apareceu em Rapsódia em Agosto/Rhapsody in August (90, Akira Kurosawa) e foi então reunido com romance barato e Kim Bassinger no amalucado Desejos/Final Analysis (91, Phil Joanou). Foi o homem que retornava da guerra em Sommersby: O Retorno de um Estranho/Sommersby (93, Jon Amilel), ainda que não tivesse ideia de como viver no século XIX. Teve um pequeno papel que ajudou a divulgar E A Vida Continua/And the Band Played On (93, Roger Spottiswoode) e trabalhou para Figgis novamente em Mr. Jones (93); fez Intersection: Uma Escolha, uma Renúncia/Intersection (94, Mark Rydell).

Gere facilitou um pouco nos anos noventa. Seu casamento com a modelo Cindy Crawford acabou, mas ele foi um valoroso defensor do Dalai Lama e outras causas. Foi Lancelot em Lancelot, o Primeiro Cavaleiro/First Knight (95, Jerry Zucker); em As Duas Faces de um Crime/Primal Fear (96, Gregory Hoblit), onde o novato Edward Norton punha anéis em torno dele; Justiça Vermelha/Red Corner (97, Jon Avnet) - certamente não era pró-chinês; o "irlandês" em O Chacal/The Jackal (97, Michael Caton-Jones); reuniu-se  uma vez mais com Julia em Noiva em Fuga/Runaway Bride (99, Garry Marshall); Outono em Nova York/Autumn in New York (00, Joan Chen), onde ele e Winona Ryder mal se conectavam; na sua pior inexpressividade em Dr. T e as Mulheres/Dr. T & the Women (00, Robert Altman).

Então se recuperou com A Última Profecia/The Mothman Prophecies (02, Mark Pellington); como o marido de Diane Lane em Infidelidade/Unfaithful (02, Adrian Lyne); o advogado em Chicago (02, Rob Marshall); Dança Comigo?/Shall We Dance? (04, Peter Chelson); Palavras de Amor/Bee Season (05, Scott McGehee e David Siegel).

Então, em outro retorno, foi acurado e muito divertido como Clifford Irving em O Vigarista do Ano/The Hoax (07, Lasse Hallstrom); A Caçada/The Hunting Party (07, Richard Shepard); "Billy the Kid" em Não Estou Lá/I´m Not There (07, Todd Haynes); Justiça a Qualquer Preço/The Flock (07, Andrew Lau); com Diane Lane novamente em Noites de Tormenta/Nights in Rodanthe (08, George C. Wolfe); e como o marido em Amelia (09, Mira Nair).

Texto: Thomson, David. A Biographical Dictionary of  Film. Londres: Knopf, 2010, pp. 3767-3778. 



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