Filme do Dia: Det Hemmelighedsfulde X (1914), Benjamin Christensen
Det Hemmelighedsfulde X (Dinamarca, 1914). Direção e Rot. Original: Benjamin
Christensen. Fotografia: Emil Dinesen. Dir. de arte: Benjamin Christensen. Com:
Benjamin Christensen, Karen Caspersen, Otto Reinwald, Fritz Lamprecht, Amanda
Lund, Hermann Spiro, Bjørn Spiro, Holger Hasmussen.
O Tenente
da Marinha Van Hauen (Christensen) vive em meio a uma adorável família, composta
pela esposa (Caspersen), um filho mais velho (Reinwald) e outro mais novo
(Bjørn Spiro). Toda esta tranqüilidade é abalada quando Van Hauen, designado
para efetuar uma importante missão de guerra por seu superior, o almirante Van
Hauen (Lamprecht), seu pai. Sua felicidade desmorona rapidamente ao encontrar
as cartas de amor escritas pelo Conde Grev Spinelli (Hermann Spiro) para sua esposa e, após isso, ter flagrado o próprio Spinelli em
sua casa. Pior que isso, é que Spinelli rouba as estratégias militares secretas
de Van Heuen que é acusado de ter traído
a pátria, enviando a mensagem secreta
para os inimigos. Sua esposa e seu filho mais velho, no entanto, arriscam a
própria vida para comprovar sua inocência, enquanto poucas horas restam para a
sua execução.
A estréia
de Christensen na direção já demonstra alguém dotado de um estilo imagético
virtuoso, que bem poderia se encontrar entre os melhores da produção
cinematográfica contemporânea, parecendo inclusive anteceder a Louis Feuillade
tanto em termos de conteúdo quanto de apuro formal, não sendo improvável que
Feuillade tenha assistido esse filme antes de realizar produções como a sua
longeva série Judex (1916). Um dos
elementos estéticos que mais chamam a atenção, por ser uma área do cinema ao qual
ainda se devotava pouca atenção, é o cuidado no destaque dado a iluminação,
sendo o contraste entre ambientes claros e escuros (antecipando em muito o ainda mais estilizado uso deste nos filmes
expressionistas alemães), uma constante no filme e por vezes explicitamente
contrapostos, como quando alguém acende a luz em um ambiente na penumbra.
Talvez, no entanto, o elemento visual
mais interessante esteja diretamente vinculado à narrativa e seja a presença de
planos nos quais duas ou mais ações são enquadradas. Se tal recurso, no
Primeiro Cinema, era motivo para um excesso que menos auxiliava do que
atrapalhava a compreensão do ocasional enredo, aqui ela é coreografado para que
sirva como auxiliar importante na intensificação de seu enredo eminentemente melodramático
e sensacional. Particularmente em três momentos do filme esta estratégia surge
com intensidade. No primeiro, quando chega a carta que anuncia a desgraça do
tenente. Enquanto a câmera sutilmente acompanha a subida da mulher e do
mensageiro para um aposento de cima, não deixa de tampouco flagrar a
bisbilhotice dos criados no andar de baixo. No segundo, observa-se a reação
conjunta no tribunal, do marido, em primeiro plano, da esposa em segundo e dos
jurados ao fundo, além do próprio juiz na extremidade esquerda da imagem. Por
fim, no momento em que o garoto pretende rever o pai pela última vez, driblando
os soldados da fortaleza, sendo observado adentrar sorrateiro na mesma ao fundo
da imagem, despercebido pelos dois soldados que se encontram mais próximos da
câmera. Outra imagem impressionante, embora seu uso recorrente ao longo da
primeira metade do filme acabe por neutralizar seu efeito inicial, é a do
gigantesco moinho recortado como uma silhueta animada, numa escala em que se
destaca seu tamanho quando contraposto as diminutas figuras humanas que o
circundam. Christensen tampouco deixa de ser original no ritmo de seu filme, ao
fazer com que o vilão torne-se vítima de seu próprio desleixo, num recurso
tipicamente melodramático e bastante explorado por Griffith (basta lembrar o
célebre exemplo de O Preço do Trigo),
mas sendo que seu aprisionamento no moinho se dá de forma ainda demasiado
precoce com relação a narrativa como um todo. E, demarcando sua diferença com o
cinema norte-americano, representado sobretudo
pela montagem paralela em Griffith, a cena típica da execução eminente,
presente em incontáveis produções daquele, aqui não necessita de abrir mão
desta estratégia para provocar o efeito de suspense. Tal efeito é suscitado,
sobretudo pela dilatação temporal e pela minúcia com que descreve a ação do
filho e da esposa, fazendo o possível para salvar Van Heuen. Do primeiro,
observamos se desviar pilastra sobre pilastra, do suporte da ponte que dá
acesso a fortaleza onde se encontra aprisionado o pai. Da segunda, e de modo
bem mais patético, observamos adentrar o cenário de guerra, para poder chegar
até o moinho, procurando por indícios de Spinelli. Sua entrada brusca em meio à
guerra, mais parece evocar aquela dos comediantes que subitamente atravessam
cenários de filmes de gêneros completamente distintos em um estúdio de cinema.
A composição dos personagens em cena substitui a montagem como efeito
dramático, com os próprios atores se deslocando para uma posição próxima da
câmera, como no momento em que a mulher do tenente acaba de ser desprezada pelo
marido. Christensen é mais conhecido por seu amoral Häxan (1922), heterodoxo igualmente em termos dramáticos ao
contrário daqui, onde segue convenções típicas da moral melodramática, pesando
sobre o herói a aparentemente dupla traição imputada pelo mesmo abjeto sujeito.
Ainda que a mocinha aqui não precise sacrificar sua própria vida, como então
comum, para alcançar sua redenção pelo mal que involuntariamente proporcionou – toda a execração
pública ao qual Van Hauen sofre, não se deve esquecer, tem como origem a aparente traição da esposa e deve ser
comandada por ninguém menos do que o seu próprio pai, retirando qualquer dúvida
sobre a dimensão melodramática do filme, onde os laços familiares sempre ganham
ascendência sobre tudo o mais. Pode ser considerada uma das melhores estreias
que um realizador poderia efetuar na história do cinema. Dansk Biograf
Compagni. 84 minutos.
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