Filme do Dia: Golpe de Misericórdia (1949), Raoul Walsh
Golpe de
Misericórdia (Colorado Territory,
EUA, 1949). Direção: Raoul Walsh. Rot. Adaptado: John Twist & Edmund H.
North, a partir do romance de W.R. Burnett. Fotografia: Sidney Hickox. Música:
David Buttolph. Montagem: Owen Marks. Dir. de arte: Ted Smith. Cenografia: Fred
M. Maclean. Figurinos: Leah Rhodes. Com: Joel McCrea, Virginia Mayo, Dorothy
Malone, Henry Hull, John Archer, James Mitchell, Morris Ankrum, Basil Ruysdael,
Frank Puglia, Ian Wolfe.
Fugindo da
prisão, o fora-da-lei que está com recompensa divulgada Wes McQueen (McCrea)
vai ao território do Colorado, onde pretende abandonar a vida marginal e se
unir a jovem Julie Ann (Malone), filha de
Fred Winslow (Hull), que conhece em um episódio no qual defende a
carruagem em que viajam. McQueen aceita uma última ação, quase como uma dívida
por Dave Rickard (Ruysdael) ter lhe facilitado a fuga. Ele vai até a antiga
vila índia abandonada de Todos os Santos, onde estão os seus comparsas Reno
(Archer) e Duke (Mitchell), assim como Colorado (Mayo), namorada de Reno, mas
nenhum pouco satisfeita com sua brutalidade. Ferido na complexa ação de assalto
ao trem, McQueen é tratado por Colorado, com quem foge em meio a troca de
tiros, refugiando-se na cabana de Winslow. Lá, fica sabendo que Julie Ann não
possui a índole que imaginara, e após ter a bala extraída de si por Colorado,
parte com essa, trocando alianças com a mesma em Todos os Santos. Preocupado em
não envolver Colorado em sua fuga, deixa-a em Todos os Santos e parte rumo a
fronteira mexicana, sendo abordado pelos homens do xerife. Ele se refugia em um
desfiladeiro sem saída após ferir ou matar alguns dos homens que o perseguem.
Colorado se aproxima dos perseguidores, que querem que ela negocie com ele sua
rendição. O fim será outro, no entanto, e os dois morrerão baleados pelos
homens do xerife.
Walsh, tal
como Ford, tinha predileção por seu grupo de atores e teve sorte de ter Henry
Hull com ele em diversos papéis de caracterização (Um Punhado de Bravos, O Xerife do Queixo Quebrado). Malone, quase irreconhecível, vive a moça pura
e sonhadora em contraste com a mais agressiva personagem vivida por Mayo. E de
início já se constrói uma dúvida para o espectador: com qual das duas o mocinho
ficará? Se a história, sobretudo em sua primeira metade, não chega a ser das mais atrativas, sua
elaboração visual – planos longos e fotografia em p&b impecável – é bem
mais convidativa. A extravagante Colorado de Mayo parece ecoar o tom over da
Pearl de Jennifer Jones em Duelo ao Sol,
mas pelo excesso com que é composta visualmente que propriamente por suas
atitudes ou falas. A sequencia do assalto ao trem é um verdadeiro primor da
descrição da ação, com detalhes, guardadas as devidas proporções, dignos de um
Melville ou Bresson. Como não é nada incomum no ethos do western (que o diga o
clássico No Tempo das Diligências)
as aparências enganam, e a sonhadora pura mostra seus dentes e olhos de traição
ao final, enquanto a agressiva Colorado demonstra toda a fidelidade e apoio ao
seu homem na hora mais difícil. Quando se observa a situação idílica demasiado
antecipada logo se imagina que o casal não concretizará o seu enlace amoroso ao
final, pois caberá a Wes ser punido por ter praticado o “último crime” antes da
planejada regeneração, embora não o tenha feito exatamente por mal, mas por
sinal de fidelidade ao mandante da ação, a quem, inclusive, assassinará depois.
Se ao western é permitido ocasionalmente essas licenças de ambiguidade ao
herói, é no filme de gangster dos idos da década anterior que imperará a
identificação atravessada com o herói-bandido, tornando-se, por conta disso, o
primeiro filme norte-americano a ser censurado na Alemanha Ocidental.
Necessário é, nesse sentido, o processo de polimento que transforma Colorado de
mulher de um mau caráter algo por inércia e McQueen, astuto e frio assassino
quando é necessário sê-lo, em figuras com as quais se se possa identificar.
Algumas imagens são simplesmente demasiado óbvias, em suas associações, como a
que McQueen observa aves de rapina próximas de si, imagina que este será o seu
futuro imediato e automaticamente antecipamos que um esqueleto humano será
apresentado próximo. Ou a já esperada cusparada de repulsa da
“honra dos feridos” que Colorado lança à proposta de dividir a recompensa pela
captura de McQueen. Refilmagem de Seu
Último Refúgio, dirigido pelo próprio Walsh oito anos antes, com Humphrey
Bogart e Ida Lupino nos papéis principais. A cena decisiva final, com tiroteio
trágico em meio aos despenhadeiros, também encerra o já referido Duelo ao Sol. Warner Bros. 94 minutos.
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