Filme do Dia: Assim Estava Escrito (1952), Vincente Minnelli
Assim Estava
Escrito (The Bad and the Beautiful,
EUA, 1952). Direção: Vincente Minnelli. Rot. Original: Charles Schnee, sob
argumento de George Bradshaw. Fotografia: Robert Surtees. Música: David Raskin.
Montagem: Conrad A. Nervig. Dir. de arte: Cedric Gibbons & Edward C.
Carfagno. Cenografia: F. Keogh Gleason & Edwin B. Willis. Figurinos: Helen
Rose. Com: Lana Turner, Kirk Douglas, Walter Pidgeon, Dick Powell, Barry Sullivan,
Gloria Grahame, Gilbert Roland, Leo G. Carroll, Ivan Triesault.
A estrela
de cinema Georgia Lorrison (Turner), o diretor Fred Amiel (Sullivan) e o
escritor James Lee Bartlow (Powell) são convidados pelo produtor Harry Pebbel
(Pidgeon) para voltarem a trabalhar para um homem que marcou definitivamente
suas vidas, Jonathan Shields (Douglas). Filho de um produtor de sucesso que
marcou época em Hollywood mas acabou esquecido e em apuros financeiros, Shields
se engajou com o esforçado Amiel em inúmeras produções B, porém recebe os
louros de uma produção de maior ambição que Amiel pretendera dirigir, mas que é
entregue a um realizador já consagrado, Von Ellstein (Triesault). Após inúmeros
atritos entre produtor e diretor, Shields, decide ele próprio dirigir o filme, que se
torna um retumbante desastre. Antes disso ele já fizera a fama de Georgia
Lorrison em produção de enorme sucesso, conseguindo inclusive fazer com que ela
vencesse a todos os seus medos e inseguranças. Vivendo um caso de amor com Lorrison,
ele a perde no dia da estréia de seu primeiro filme, quando ela vai a sua
residência perguntar por que estava ausente e o flagra nos braços de outra
mulher. Shields consegue então animar o talento do renomado escritor Bartlow
(Powell) para uma produção ainda mais ambiciosa para os seus estúdios.
Inicialmente reticente, Bartlow concorda. Sua esposa, Rosemary (Grahame), impede
que ele consiga trabalhar a contento. Shields consegue afasta-la e com que
tenha relacionamento com o amante latino Gaucho (Roland), enquanto Bartlow
deslancha no trabalho do roteiro com seu apoio. Porém, Gaucho e Rosemary morrem
na queda do avião que os levaria para o México. Depois de algum tempo, Bartlow romperá
de maneira igualmente traumática ao saber que Shields articulara toda a
situação.
Talvez esse
seja o retrato mais cáustico que Hollywood lançou sobre si própria numa década
em que muitos outros filmes célebres igualmente a tematizaram, assim como o
universo do teatro. Ao contrário de A Malvada (1950) ou A Condessa Descalça (1954) de Mankiewicz ou Crepúsculo
dos Deuses (1950), de Billy Wilder, Minnelli recusa o tom grandiloquente e
melodramático de Wilder ou as tiradas excessivamente rebuscadas de Mankiewicz.
Uma das cenas que melhor expressa a ruptura de Minnelli com o tom eloquente,
seja através da trilha sonora ou das interpretações, dá-se quando Shields
recolhe sua decadente e suicida futura estrela e os acordes da trilha sugerem
que uma cena de intensidade romântica se sucederá, mas ele acaba por joga-la na
piscina. Sim, todos os clichês que envolvem o universo do cinema são aqui
tematizados como a rivalidade entre produtor e diretor, a estrela insegura, a
concorrência e as reviravoltas no poder, as ligações amorosas, a ambição desenfreada
e o alcoolismo, porém tudo é tratado com uma sobriedade irônica que torna, por
exemplo, seus personagens tudo menos maniqueístas. Mesmo que a falta de
escrúpulos do protagonista sugira que ele seja o elemento do “mal” evocado pelo
título original, os outros personagens que foram “vítimas” de seus ardis já
estão bastante escaldados ao final da narrativa para se posicionarem
atentamente ao redor da ligação telefônica de Shields, comprovando que participarão
sim de seu projeto futuro. E, afinal de contas, a celebração do
cinema engenhosamente proposta por Minnelli aqui (ao contrário, por exemplo, do
visto em Noite Americana, de
Truffaut, de duas décadas depois) menos diz respeito ao caráter que ao espírito
criador e inventivo daqueles que o efetivaram. Nesse sentido, apesar de todos
os males que fez, Shields conseguiu produzir alguns dos filmes mais marcantes
da história do cinema e pavimentou a carreira para suas três “vítimas”, que
podem agora, quando ele se tornou ovelha negra da indústria, dar-se ao luxo de
observá-lo de cima. Trata-se de uma ironia, portanto, que não descamba para o
cinismo excessivo de Wilder. As referências a personagens célebres da história
do cinema são várias, com destaque para o produtor Val Lewton, encarnado pelo próprio
Shields, numa referência quase explícita as estratégias sutis de trabalhar com
sombras e iluminação em produções baratas por Lewton como Sangue de Pantera. Ou ainda a Erich von Stroheim, que já havia sido
retratado por Wilder e inclusive incluído no próprio elenco de seu filme. Magnífica fotografia em preto&branco. A
ironia aqui inclui a própria companhia que produziu o filme, no sentido de que
a produtora de Shields igualmente possui em sua logomarca uma sentença em
latim. National Film Registry em 2002. Loew´s/MGM. 118 minutos.
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